Estudo da MindMiners revela como a pressão econômica está transformando a cesta de compras, com 94% percebendo alta de preços, mas apenas 14% considerando alguma categoria intocável
O brasileiro não parou de consumir, mas recalibrou completamente suas prioridades. É o que mostra a pesquisa “Escolhas sob Pressão”, realizada pela MindMiners com 2.000 pessoas, homens e mulheres, maiores de 18 anos, de todas as regiões do país, pertencentes às classes sociais A, B, C, D e E, que mapeou como a pressão econômica atual está transformando os hábitos de consumo no país.
A base da amostra revela um cenário preocupante: 60% dos respondentes vivem com até 3 salários mínimos, 27% possuem renda variável sem estabilidade financeira mensal, e 22% relatam alta instabilidade. Nos últimos 6 meses, 61% afirmam que a renda permaneceu estável (mas isso não implica tranquilidade), 19% sofreram queda de renda e apenas 20% tiveram aumento.
A maioria da população vive em um cenário de aperto ou equilíbrio frágil, com apenas uma minoria conseguindo poupar. As mulheres têm uma percepção maior de que a renda diminuiu e se declaram mais endividadas, refletindo uma combinação de realidades estruturais, papéis sociais e maior sensibilidade à dinâmica doméstica e financeira.
Os dados revelam um cenário de adaptação estratégica: 94% dos consumidores percebem que os preços subiram nos últimos meses. Como estratégia de adaptação, os brasileiros ajustam os valores, substituem os produtos por marcas mais baratas, reduzem o uso e, em último caso, cortam totalmente a utilização.
Colocando em números e setores, a troca por marcas mais baratas é a principal estratégia em quase todas as categorias de consumo, atingindo 62% em alimentos, 57% em beleza, 38% em saúde e até 30% em transporte. Cortes totais são menos comuns, mas aparecem com força em lazer e cultura (25%) e transporte (12%). A redução de frequência também é relevante, especialmente em lazer, transporte e alimentos.
O parcelamento como estratégia de sobrevivência
Uma das principais descobertas do estudo revela como o parcelamento e o crédito se tornaram ferramentas essenciais de sobrevivência financeira. Com 57% dos brasileiros possuindo algum tipo de dívida ativa, o cartão de crédito lidera com 36%, seguido por empréstimos pessoais (19%) e contas atrasadas (15%).
Nos últimos 12 meses, 31% recorreram a alguma linha de crédito, sendo que a maioria busca crédito não para crescer, mas para não afundar. O uso majoritário para quitação de dívidas e manutenção básica da rotina reforça o nível de vulnerabilidade financeira e o papel do crédito como “último recurso” para manter alguma estabilidade.
Entre os gatilhos para o endividamento consta que 26% recorrem às economias para cobrir gastos básicos, 25% enfrentam gastos imprevistos com saúde ou educação, 16% não conseguem manter as despesas essenciais e 9% ficam com muito pouco no final do período. Preocupantemente, 46% não possuem nenhum tipo de planejamento financeiro, 25% possuem planejamento mas têm dificuldade de seguir, e apenas 29% conseguem se organizar financeiramente. Apenas 20% possuem alguma reserva financeira significativa (mais de 6 meses sem renda), enquanto 44% não têm nenhuma reserva, revelando uma base estrutural frágil para lidar com imprevistos.
As classes C e D estão mais propensas a fazer cortes totais de algumas categorias porque operam com orçamentos mais apertados, em que qualquer variação de preço, renda ou gasto imprevisto impacta diretamente a rotina. “Estamos diante de um consumidor mais racional e estratégico, que não deixou de consumir, mas passou a fazê-lo com muito mais critério. A decisão de compra hoje passa por filtros como necessidade real, custo-benefício e impacto no orçamento. É uma mudança que exige das marcas mais sensibilidade, escuta ativa e capacidade de oferecer valor de forma acessível”, analisou a CMO da MindMiners, Danielle Almeida.
As mudanças do carrinho de compras
A pesquisa identificou que o consumo hoje é “emocionalmente curado”: no carrinho entram apenas produtos que representam acolhimento, solução ou proteção. Os alimentos lideram tanto na percepção de aumento de preços (87%), quanto nas mudanças efetivas de comportamento (42% alteraram o padrão de consumo).
“O que vemos não é apenas uma crise de consumo, mas uma evolução do comportamento. O brasileiro desenvolveu uma inteligência emocional para navegar na escassez, priorizando o que realmente importa. Esse priorizar, no entanto, nem sempre leva em conta apenas questões racionais. Existe sim preferência por marcas e escolhas que consideram pequenos luxos para agradar a si mesmo e aos familiares, por exemplo”, explicou Danielle.
O que permanece intocável perante a crise
Para a dona de casa Maria de Oliveira, 80 anos, mãe de dois filhos e quatro netos, moradora do Rio de Janeiro, a realidade das donas de casa tem sido bem parecida quando vão ao mercado. “A gente entra no mercado com uma lista pequena e ainda assim sai com a sensação de que deixou metade do que precisava para trás. Está tudo muito caro, mas, arroz, feijão e café… isso não dá pra tirar do carrinho. A gente barateia de um lado, corta de outro e faz até onde dá, mas o básico tem que ter”,.
Mesmo sob pressão máxima, alguns produtos resistem como pilares do consumo brasileiro, como os de alimentação básica: arroz (73%), feijão (68%), ovos (65%), leite e café permanecem inegociáveis. No setor de higiene o essencial inclui produtos de higiene pessoal (56%), shampoo/condicionador (53%) e, na categoria de saúde, os medicamentos de uso contínuo (35%) e consultas básicas (30%). “Mesmo diante de cortes em tantas frentes, existe um núcleo duro de consumo que o brasileiro não abre mão. Esses itens essenciais estão ligados à sobrevivência, bem-estar e dignidade, permanecendo como prioridades absolutas, mesmo em meio à pressão econômica”, afirmou a CMO.
Quais marcas o brasileiro trocou para economizar?
A pesquisa também mapeou como as preferências de marca mudam sob pressão financeira, mostrando que, embora muitos líderes de mercado mantenham posições de destaque, seus percentuais de preferência e consumo se ajustam ao cenário econômico.
Em alimentos, por exemplo, a Sadia aparece com 21% de preferência em um cenário sem restrições, percentual que recua para 6% diante de limitações financeiras. A Nestlé passa de 13% para 3,5%, a Perdigão de 11% para 4,5% e a Seara de 8% para 5%. Nesse mesmo período, marcas como Aurora ganharam espaço, entrando no top 5 de consumo.
No setor de bebidas, a Coca-Cola segue como referência, mas passa de 26% para 10% na preferência efetiva. A Heineken registra queda de 6% para próximo de zero no ranking atual, enquanto a Antarctica apresenta estabilidade maior (de 4% para 3,5%).
Já em beleza, O Boticário mantém a liderança, mas com ajuste de 15,5% para 7%, seguido pela Natura (de 14% para 9%). A Avon, por sua vez, amplia sua participação de 7% para 9%, possivelmente apoiada em seu modelo de vendas diretas e relacionamento próximo com o consumidor.
No setor de moda, Renner (de 10% para 6%), C&A (de 9% para 6%) e Riachuelo (de 8% para 5%) permanecem entre as preferidas, embora com variações, enquanto plataformas digitais como Shein (4%) e Shopee (4%) ampliam sua presença no consumo atual.
Entre reduções e cortes, o que fica e o que sai da cesta de contas?
O estudo identificou três estratégias principais que os brasileiros adotaram para sobreviver à pressão econômica. A substituição inteligente lidera as táticas: 62% trocam por marcas mais baratas em alimentos e 57% fazem o mesmo em produtos de beleza, mostrando que o consumidor não abandona a categoria, mas negocia o posicionamento.
Os cortes cirúrgicos representam a segunda estratégia mais comum, com 25% eliminando totalmente gastos com lazer e cultura, mas preservando cuidadosamente o que consideram essencial para a sobrevivência e dignidade. Por fim, a otimização de compra se tornou um novo ritual: 50% pesquisam preços antes de qualquer decisão de compra e 36% migraram definitivamente para atacarejos ou feiras, transformando o ato de comprar em uma operação estratégica. E adiar planos virou a nova realidade do brasileiro: 63% adiaram ou repensaram ao menos um desejo, especialmente viagens (mais fortes nas classes A e B), reforma da casa, troca de carro e compra de eletrônicos.
Brasileiros se dividem em perfis na hora de lidar com a crise
A análise comportamental revelou que os brasileiros se dividem em quatro perfis bem definidos na forma de lidar com a crise. A “Mãe Protetora” representa 25% da população e corta todos os gastos pessoais, mas mantém intocáveis os cuidados com a família, especialmente os filhos.
O “Endividado Racional”, grupo majoritário com 35%, vive em contenção total e foca apenas no essencial com disciplina militar, calculando cada centavo gasto. Já o “Jovem Adaptável” (20%) demonstra maior flexibilidade, trocando marcas com facilidade através de aplicativos e promoções, mas ainda preservando pequenos prazeres que considera importantes para seu bem-estar.
Por fim, o “Fiel Emocional” (20%) faz verdadeiros malabarismos financeiros para manter marcas que considera simbólicas ou afetivamente importantes, evidenciando que nem tudo na crise é puramente racional.
Para Danielle, os dados apontam para uma transformação permanente: “O consumidor pós-crise será mais criterioso, pragmático e emocionalmente conectado com suas escolhas. As marcas que entenderem essa nova lógica, funcionalidade como pré-requisito e empatia como diferencial, terão vantagem competitiva sustentável”.