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As classes C e D na era digital



Dia desses, fiquei sabendo que uma importante rede varejista voltada para os públicos das classes C e D planeja vender pela internet. Ligando os pontos e confirmando mais uma vez que, em negócios, dois mais dois devem sempre resultar em cinco, me lembrei de ter ouvido que essa mesma rede foi uma das que mais vendeu computadores pessoais em 2007. E adivinhe para quem? Para as mesmas classes C e D.

Eu comecei a trabalhar num tempo em que computador era bicho raro. No meu andar, existia apenas um exemplar. Quem quisesse um contato com aquele ser estranho deveria reservar o horário em uma prancheta – de madeira – que ficava pendurada ao lado da máquina. Já são decorridos quase 20 anos desde então, e não deixa de ser surpreendente a notícia de que minha assistente lá de casa vai comprar o conjunto de panelas com anti-aderente pela internet. Mas o que quero chamar a atenção neste texto é para o planejamento por detrás dessa simples operação. Essa mesma rede varejista, que agora está prestes a concretizar o casamento com as vendas ´virtuais´, foi aquela que iniciou um flerte há alguns anos com os consumidores das classes C+ e B, vendendo aparelhos mais sofisticados.

Sinto decepcionar os mais românticos, mas a verdade é que tudo isso foi pensado friamente, de forma racional e calculista, fruto de uma das mais prazerosas tarefas do ambiente do marketing: a do planejamento estratégico. Planejar estrategicamente significa, ao pé da letra, planejar com algum objetivo futuro. Na maioria das vezes, é modificar as variáveis ditas controláveis, minimizando ou moldando essas mesmas variáveis àquelas que não controlamos, externas à empresa. Um exemplo simples de uma variável não controlável são os governos. Você nada a braçadas largas num mercado razoavelmente competitivo, onde empresas estrangeiras competem pouco. De repente, esse mesmo governo abre condições para que multinacionais entrem para atuar no segmento – quer seja através de desregulamentações, diminuição de impostos ou qualquer outro mecanismo legal. E boom!, isso cai como uma bomba no mercado: agora somos mais a comer nessa mesa.

Independentemente do estrago (e do quão preparada estava a sua empresa para receber os novos concorrentes) e do impacto favorável que isso pode provocar (normalmente mais competição significa melhores produtos finais, a preços mais atraentes), essas variáveis – governo, e, ao final do exemplo, competidores, são variáveis difíceis de se controlar. O objetivo do planejamento, voltando à teoria, é garantir que nossos pontos fortes estejam melhor posicionados que os da concorrência, significa ter a melhor alocação de recursos para garantir a maximização dos resultados para um determinado produto.

Bem, e como isso conversa com a venda via Internet? Isso nada mais é do que o desfecho de uma história de planejamento iniciada lá atrás. Primeiro, essa rede de varejo deve ter analisado as tendências da relação do consumidor com os canais de vendas. Avaliando o que ocorreu em países mais desenvolvidos, percebeu que a venda por Internet se tornaria uma realidade. “Mas as classes menos favorecidas não tem acesso a essa tecnologia!” Ótimo! Vamos vender computadores a eles então. Nesse momento, entra de novo o estudo das realidades do mercado para definir qual o melhor modelo de venda de tecnologia para essas classes-alvo. As pessoas das classes C e D estão acostumados a trabalhar com os sistemas de carnês. O preço final do produto acaba não importando muito, desde que a prestação caiba no orçamento. E foi o que fizeram: começaram a vender computadores em kits de configuração básicos, em 24 meses. Em paralelo, associaram-se a redes locais de ensino de informática, oferecendo pacotes promocionais para garantir que as pessoas aprendessem a mexer na máquina. “E a venda por internet, entra aonde?” Quando a tecnologia estiver mais disponível, será hora de entrar nesse canal de venda. Pelo que parece, essa hora é agora.

Dos tempos da reserva do horário para usar um único computador nas empresas ao computador de 100 dólares, passaram-se boas décadas. Mas a necessidade de planejar estrategicamente onde queremos chegar permanece, como as muralhas da China observando o casal de agricultores jovens do interior do país tirando fotos do monumento durante a primeira excursão que a abertura ao capitalismo lhes permitira. Foto essa, enviada aos parentes da província distante via celular. Bluetooth, para ser mais exato.

Ricardo Maykot é diretor de marketing estratégico da Novartis Biociências S.A., empresa voltada a cuidados com a saúde, de origem suíça.

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