Chegamos à era do multicliente?

Não há dúvida de que estamos passando por uma grande transformação. Fruto da equação entre novas tecnologias e a explosão de dados, temos um cenário de evolução com todos conectados, trocando informações em uma proporção jamais vista. Um dos resultados dessa mudança é o comportamento dos clientes. Presentes, ao mesmo tempo, nos diferentes canais de forma ativa, estão mais atentos a tudo que acontece no mercado. Ganharam maior poder de decisão, virando o jogo. Agora, eles estão no comando. Justamente por isso, vem sendo mais exigente por agilidade, qualidade e transparência. “Antes, havia apenas o canal entre empresa e cliente. Hoje, as pessoas sabem que sua reclamação ou dúvida podem ser amplificadas. O mesmo ocorre com um elogio a um produto ou ação da empresa, os consumidores sabem a força que têm em impactar ou fortalecer a reputação das empresas, por isso, aumentaram suas expectativas em relação a elas”, explica Silvia Alvarez , gerente de relacionamento com o consumidor da Johnson & Johnson.
Esse novo consumidor, segundo Gueitiro Matsuo Genso, diretor de clientes pessoas físicas do Banco do Brasil, está à procura das melhores experiências, que envolvem produtos de qualidade, preço justo e resoluções rápidas no atendimento pré e pós-venda. “Assim, para obter a satisfação desse público, é preciso reinventar o relacionamento, porque o consumidor insatisfeito não fica apático, ele recorre aos órgãos de defesa do consumidor e às redes sociais para expressar e disseminar suas insatisfações”, afirma.
Sem contar que, cada vez mais, vêm deixando de ter um perfil único, criando mais um desafio para as empresas. Classe social já não é mais a única forma de defini-lo, sendo necessário ir além para fazer um entendimento profundo de suas expectativas, segundo Betania Gattai, gerente de SAC da Unilever. “Está mais complexo encaixar o consumidor em um único perfil, depende muito do momento de consumo e do contexto que está inserido”, explica. Assim, podemos dizer que, hoje, o cliente está em um momento “multi”: multicanal, multitela, multiperfil, multi-interesses. “Em um mundo cada vez mais conectado e globalizado, as pessoas estão tendo acesso a cultura que antes não tinha, conhecendo novos modos de viver e de comunicar, descobrindo novos interesses, buscando realização e satisfação pessoal de maneiras cada vez mais diversificadas”, comenta Sonia Rocatto, gerente de divisão de atendimento especiais da Telefônica Vivo.
CLIENTE MUDA, MERCADO TAMBÉM
Diante desse quadro, estamos tendo novamente a prova de que a dinâmica do mercado sempre foi e será um ciclo. Enquanto há um consumidor mudando de comportamento, do outro lado também há empresas procurando se adequarem para conseguir realizar a aproximação mais efetiva e criar um laço forte no relacionamento. É o caso do Bradesco, que investiu no aperfeiçoamento das mídias digitais para atender uma demanda dos clientes, já que elas não só assumiram o papel de megafones para a opinião dos clientes, como são as ferramentas que mais se adéquam ao modo de vida frenético deles. “As pessoas têm cada vez menos tempo, seja para ir ao banco ou para outra atividade que em um passado recente eram consideradas corriqueiras. Investimos para que nossos clientes possam ´ir ao banco´ acessando à internet, pelo smartphone ou, até mesmo, pelas redes sociais, por meio das quais já é possível a realização de algumas transações”, conta Nairo Vidal, gerente de ouvidoria do Bradesco.
Na avaliação de Patrícia Pessoa, gerente de marketing de relacionamento e redes sociais da Fiat, o mercado passa por um processo de amadurecimento. “A regulamentação, desde a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor até o Plano Nacional de Defesa do Consumidor e Cidadania, tem uma grande influência nesse amadurecimento, mudando as atitudes dos clientes e das empresas, dando a cada uma das partes clareza dos seus direitos e deveres, construindo uma melhor relação e aproximando mais as expectativas geradas das entregas de produtos e serviços”, expõe. Inclusive, a transparência faz parte da missão da Oi, no relacionamento com o cliente. “Nosso cliente tem total domínio do que a gente pode ou não oferecer a ele. Existe uma política de transparência muito grande, de maneira justa e clara. O desenvolvimento dos órgãos do governo tem exigido cuidado e transparência nesse relacionamento”, declara Paulo Henrique Policena de Campos, diretor de atendimento.
No entanto, apesar desses avanços, ainda são muitas as empresas que precisam se desdobrar para encantar os consumidores. Nesse ponto, Patrícia é direta ao destacar algumas das práticas fundamentais para a solidificação da relação: entrega de produtos e serviços com elevado padrão de qualidade, cumprimento das promessas feitas aos consumidores e disponibilização de canais diretos de atendimento. “Estamos em uma nova era, em que a qualidade do serviço é um diferencial competitivo que, de fato, cria valor para as empresas. Ou seja, o consumidor está muito mais atento a isto e está continuamente sendo estimulado a ter cada vez mais isto em seu radar”, analisa Nicolau Camargo, gerente geral de atendimento ao consumidor da Magazine Luiza.
O DESAFIO CONTINUA
Ao mesmo tempo em que é desafiador estabelecer um perfil de consumidor, este também vem procurando mais e mais por um atendimento personificado e diferenciado, ultrapassando o sentido de adequação. Com isso, é necessário que as empresas, em meio à era da conectividade, encontrem a forma certa de oferecer um contato mais humano, que, além de encantar, aproxime o cliente, permitindo avaliar onde estão as reais necessidades de melhoria dos produtos e serviços. Para chegar a essa aproximação, a Suvinil, por exemplo, investe na capacitação dos colaboradores, cujo objetivo é de justamente focar na satisfação. “Contamos com o envolvimento de toda equipe para propor inovações e melhorias em todos os processos. A agilidade nas respostas e soluções às demandas apresentadas é essencial para fidelizar clientes a partir de uma reclamação”, conta Henrique Ramos, gerente de atendimento ao consumidor e serviços ao mercado.
Assim, apesar de sempre ter sido um dos pilares para as empresas, o atendimento deve continuar sendo um dos principais focos de investimento, pois é a maneira como o cliente se sente recepcionado que o fará ser fidelizado. “A grande tendência é a fidelização do cliente pelo maior tempo possível. Para isso, ele deve ter experiências acima das expectativas em cada etapa de seu ciclo dentro da marca. Não basta só vender o produto. O cliente deve se sentir fazendo parte de um ´clube´ seleto e especial, ele deve se identificar ao máximo com a marca que consome”, exprime Rubem Barbosa, diretor de operações da Jaguar Land Rover. Ou seja, a atual fase é de estratégias em busca da perfeição e excelência.
Entretanto, como chegar a tal patamar? O primeiro passo é procurar conhecer o consumidor, até porque não há como se aproximar de um desconhecido. É essencial saber quais são suas necessidades, desejos, o que compra ou não e o que o interessa quando consome. Por outro lado, não é um processo fácil, pois, ainda que existam ferramentas de análises, a gama de dados disponíveis faz desse um trabalho complexo. “O grande desafio é gerenciar as informações disponíveis, monitorar os comentários na web e tornar o atendimento proativo. Para isso, as decisões precisam ser descentralizadas, oferecendo mais autonomia para os funcionários que atuam diretamente no atendimento ao público”, avalia Genso.
Quando se é capaz de peneirar essa imensidão de dados, é possível transformar informação em ouro, assim como procura fazer a marca de cosméticos Quem disse, berenice?. “Existe uma busca constante em aperfeiçoar a segmentação das nossas clientes, queremos entender cada vez mais e melhor quem é nossa consumidora, o que adquire e o que a leva a fazer suas escolhas. Acreditamos que sempre há oportunidade de melhoria no relacionamento a fim de obter informações importantes para o negócio ao mesmo tempo em que suprimos as necessidades dela de forma eficiente e completa”, detalha Gustavo Fruges, gerente de branding e comunicação. Ainda dentro disso, Fábio Rabelo, gerente de marketing digital e CRM da Volkswagen Brasil, acrescenta que o desafio está em antecipar soluções e serviços às necessidades dos clientes, bem como prever tendências para tornar a experiência com a marca sempre positiva.
ONDE ESTÁ A SAÍDA?
Quando se trata sobre análise dos dados obtidos, é impossível não pensar em big data. Mais do que isso, esse conceito deve fazer parte de todo planejamento de gestão de clientes das empresas. “No que tange ao entendimento dos clientes, o big data surge como fator decisivo, visto que proporcionará o cruzamento de informações e definição de perfis de cliente que até bem pouco tempo atrás não eram possíveis”, afirma Sonia, da Telefônica Vivo. Ele acaba se tornando essencial ainda para a gestão da comunicação, principalmente, nesse momento de multicanalidade. “As redes sociais, como o Facebook, por exemplo, são essenciais para a estratégia da gestão de relacionamento com todas as pessoas que já usam e admiram as nossas marcas. Esse canal também acaba sendo uma porta de entrada para novos consumidores que se interessam por nosso conteúdo e querem abrir um diálogo com a companhia para, a partir disso, passar a usar os nossos produtos”, conta Silvia, da Johnson & Johnson. A executiva revela que é por meio das informações obtidas dos clientes que a empresa consegue ter um contato mais proativo. “Frequentemente, convidamos os consumidores a aumentarem a sua interação com as suas marcas preferidas”, diz.
No caso da Coca-Cola, inovação é a aliada para a superação de expectativas. Segundo relata a diretora de qualidade e atendimento ao consumidor, Mariana Azevedo, a empresa foi uma das primeiras empresas do setor de alimentos e bebidas a interagir no ambiente de redes sociais no mercado brasileiro. “Também fomos pioneiros ao criar uma plataforma Real Time Marketing, que se baseia em quatro pilares: listen, react, speak e amplify. Todas as ações têm como objetivo gerar conteúdos verdadeiramente relevantes para o consumidor. Para isso, são criados materiais em tempo real, com o formato mais apropriado para cada canal (Facebook, Twitter, TV, Youtube, etc), de forma a manter assim a coerência e a consistência da conversa com o público.”
O CLIENTE É REI
Frente a essa busca do mercado para acompanhar o cliente, a mensagem que fica é de que a relação de fato mudou. Para Campos, diretor da Oi, o cliente possui ainda mais status do que influenciador de mudanças, ele chega a ter poder monárquicos na relação com a empresa. “Acredito que os clientes são reis na área de relacionamento. Eles é que vão determinar o que é melhor para si e como podemos influenciar, gerando uma prática de fornecer a melhor experiência para ele”, completa. Tanto que, na visão do gerente do Bradesco, o cliente é o grande responsável pelos avanços conquistados nas relações de consumo, pela melhoria nos produtos e serviços oferecidos no mercado e, também, pelo aquecimento da economia.
Afinal, é ele quem mantém o ciclo de vida de uma marca, que se inicia antes mesmo do primeiro contato com a empresa, passando pelo momento da decisão, a hora da compra e o pós-venda. “Claro que a efetividade dessas práticas depende do quanto elas estão inserias na cultura organizacional da empresa”, explica Barbosa, diretor da Jaguar Land Rover. A diferença está na forma como cada empresa implementa as suas estratégias e quanto inclui o seu público nos planejamentos, o relacionamento será superior. “O cliente vai sustentar o crescimento da empresa. É ele quem vai pagar os novos investimentos e gerar o lucro que a empresa necessita. Nenhuma marca que deseja crescer no mercado e ter um desenvolvimento sustentável pode se permitir perder clientes”, finaliza.

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