Cada vez mais se fala que o poder das relações de consumo passou para as mãos do cliente. Isso já não é mais novidade para os profissionais da área. No entanto, o mercado já está trabalhando dentro dessa perspectiva? A resposta dada pelos participantes do Congresso ClienteSA 2019 é que sim, a partir da construção de uma cultura cliente. Dentro de acertos e erros, as empresas já vêm colocando em prática novas estratégias, bem como estão surfando na transformação digital, sem deixar de fora o lado humano. Tudo para entregar a tão falada experiência do cliente, como ficou claro no evento, realizado no Palácio de Convenções do Anhembi, em São Paulo, no dia 25 de junho, com a presença de mais de 1 mil profissionais.
O momento é de transição abrangente e complexa e os temas discutidos puderam analisar e apontar tendências e soluções. Foi perceptível que o desafio atual da transformação tecnológica com o digital e a Inteligência Artificial é não só usar e aplicar, mas manter, e o quanto isso vai depender de cada cultura local e empresarial específica. Aliás, comparada a uma espécie de “tsunami em alto mar”, essa transformação digital recebeu um alerta que foi quase generalizado pelos especialistas: tem de haver consistência. Não pode existir a ilusão de que todos os problemas serão resolvidos a partir da tecnologia. O cliente tem que continuar sendo sempre o foco principal. É dele que deve partir a transformação digital e não o contrário.
Outro ponto importante destacado é que o atendimento individualizado e personalizado está sendo apenas facilitado pela tecnologia. O ser humano é e será insubstituível. Também se evidenciou que o erro, antigamente algo aterrorizante em uma empresa, será de agora em diante, com a revolução digital e suas experiências, a um só tempo inevitável e aceitável. Chamou a atenção ainda, durante os debates, a grande diferença entre as empresas que nascem digitais e as tradicionais. Estas têm de digitalizar processos antigos e novos, com desafios bem maiores. E acabam sendo incomodadas e motivadas pelas mais novas. Assim, os presentes foram exortados a incomodarem a si próprios antes que alguém de fora o faça. Quem será nosso próximo concorrente, quando e de onde virá? Ninguém mais sabe.
Para tudo isso, tem que se mudar a forma de pensar das lideranças e vencer o maior dos desafios: humanizar a transformação tecnológica. Dessa forma, ficou clara a necessidade de que todas as organizações que desejam criar uma experiência de valor tomem duas providências fundamentais: preparar suas lideranças e operar uma transformação cultural na organização.
Que futuro tem o mercado?
Pesquisa ClienteSA revela quadro de mudanças, que ganharão ainda mais força nos próximos anos
O mercado de gestão de clientes vive um momento de transformação, principalmente quando se fala da área de atendimento. Um cenário que já se vislumbrava nos últimos anos e que vem cada vez mais tomando forma. É o que mostra Clóvis Junior, head de pesquisa e conhecimento da ClienteSA, a partir da 3ª Pesquisa ClienteSA – Cenários e Tendências, que ouviu cerca de 240 líderes da atividade.
Ele indica que, em relação ao número de PAs, embora em alguns casos foi registrado crescimento, a tendência entre empresas de operação própria ou híbrida foi de retração ou estabilidade nos últimos dois anos. Já entre os prestadores de serviço, o quadro foi de crescimento. No entanto, isso pode ser explicado, segundo Clóvis, pelo fato de que boa parte das respostas veio de empresas de pequeno e médio porte – 20 a 200 PAs. “Essas cresceram muito, enquanto 60% das grandes empresas – com mais de 1600 PAs -, ao contrário, reduziram de 5 a 10%.” Ele explica que esse cenário é resultado da automação, bem como um ajuste à nova realidade econômica.
A pesquisa ainda indicou que as empresas estão atentas às mudanças culturais e às novas experiências do consumidor. Nos próximos dois anos, 65% irão aumentar os investimentos em tecnologias de automação, sendo que 56% possuem budge para inovação. Dentro disso, os chatbots e agentes virtuais são as principais tecnologias já utilizadas e, para o futuro, isso deve ganhar ainda mais espaço. Junto a isso, verificou-se também que 57% das empresas compartilham recursos com parceiros, sendo 43% compartilham recursos “tangíveis”, 29% compartilham recursos “intangíveis”. “De forma geral, o estudo mostrou que está havendo uma mudança estrutural, com a automatização e novos modelos estratégicos de parceria”, conclui.
O alerta para rever as estratégias
Empresas necessitam se atualizar sobre o comportamento do consumidor do novo Brasil
Não foram poucas as mudanças no mercado de consumo nos últimos anos, principalmente quando se olha para os clientes. No entanto, ao observar com mais atenção as empresas, isso não fica tão claro, como alerta Renato Meirelles, presidente da Locomotiva. “Hoje há uma dificuldade em lidar com o consumidor do novo Brasil. É preciso repensar as estratégias.”
Em cima disso, ele destaca as mudanças pelas quais o consumidor passou nos últimos 20 anos. Entre meados da década de 90 até o final da década de 2000, houve uma mobilidade econômica, com a diminuição da pobreza e programa de transferência de renda. Porém, nos últimos quatro anos, o cenário mudou, após grande parte da população sofrer os efeitos de uma crise, que veio em um momento diferente de outras. Isso porque, o cliente já tinha mudado o repertório e os costumes. “Perder é pior do que deixar de ganhar. E ninguém quer perder algo que já conquistou.” Tanto que 81% dos consumidores estão mais atentos à qualidade do produto e não abre mão disso.
O executivo acrescenta ainda que esse consumidor, para não retroceder, adotou novos comportamentos, minimizando os efeitos da crise e equilibrando o orçamento doméstico. Esse ajuste fez com que o processo de compra se tornasse algo mais pesaroso, ao invés de prazeroso. “Por isso, se faz fundamental rever a forma como se pensa o cliente. O mercado ainda usa muitas vezes as lentes do século 20 para entender o consumidor de hoje”, indica. Ele acrescenta que o consumidor mudou e vai continuar mudando, cada vez mais rápido. Por isso, é preciso estar ciente que as velhas réguas não servem mais para compreender o cliente. “As empresas precisam se atualizar urgentemente sobre o que pensam do consumidor”, conclui.
Em busca do equilíbrio
Os desafios para entregar a customer experience diante da transformação digital
Partindo da experiência global da Latam Airlines, a diretora de customer service e contact center Yanina Manassa destaca que o setor de transporte aéreo é um dos quais, olhando para os últimos 30 anos, mais se percebe a metamorfose da venda de um produto na entrega de uma experiência completa. Principalmente porque, neste caso específico, essa transformação é carregada de complexidade, pois envolve uma conexão com outros setores e serviços, tais como hotéis, restaurantes, etc.
Dentro disso, ela pontua o quanto o poder da informação passou das mãos exclusivas da organização para posse do consumidor. “Hoje contamos com clientes hiperconectados, aqueles que exigem respostas imediatas.” O que impõe desafios diários para fidelizar e surpreender com novas e inesquecíveis jornadas. “Não só fidelizar, mas ter a percepção do novo mercado e agir com total transparência”, afirma.
Em relação à Latam, a executiva revela uma preocupação de entregar a experiência “end to end”, desde a decisão da pessoa de realizar uma viagem, passando por todas as etapas até sua chegada e estadia. “Nesse processo, é importante saber diferenciar o que entra de tecnologia na jornada que entregamos ao consumidor com aquilo que tem de continuar sendo feito pelas pessoas.” Nesse aspecto, ela salienta que a companhia não quer mais vender “commodities”, mas sim uma experiência completa. Yanina explica ainda que essa transformação vai servindo de retroalimentação para outras mudanças que surgem. “Tudo isso ajuda na personalização da experiência.” E, mais importante ainda, segundo ela: dar atenção redobrada à gestão de mudança na organização. Tendo sempre em mente que a tecnologia é um facilitador e não um fim em si mesmo.
O desafio da confiança
A importância de conectar mundo online e offline para atender diferentes perfis de clientes
Resultado da evolução de um acordo entre Via Varejo e Airfox, o banQi serve de exemplo para parcerias no sistema ganha-ganha. As empresas identificaram a oportunidade de atuar em toda a cadeia do consumidor no varejo oferecendo um banco digital à chamada população desbancarizada, partindo de três eixos de valor, segundo Felipe Cine, diretor de User Success do banco digital: “para nossa empresa, para nosso parceiro e, principalmente, para o consumidor”. O primeiro tem acesso a potenciais clientes. O segundo ganha ao ampliar as alternativas para os clientes por meio da inovação trazida pela transformação digital. “E elo de valor mais importante que une os parceiros em seu propósito final: a satisfação do cliente final.”
O executivo pontua também que, com esse processo, transforma-se cada loja da Casas Bahia num hub de operações e atendimento, respeitando igualmente o cliente que mantém sua cultura offline. “É importante para esse consumidor manter dados no papel para seu controle. Então, o valor tem que ser conquistado por conhecer e respeitar os hábitos que alguns consumidores não querem perder, enquanto outros estão abertos para estabelecer uma nova cultura de consumo.”
Ele aponta ainda que um elemento primordial para que tudo dê certo – tanto para parceria quanto para o aumento da carteira de clientes – é o estabelecimento de uma cultura de confiança. Nesse sentido, o executivo aponta que um dos motivos para o sucesso é terem levado para o banQi a cultura já disseminada na Airfox. “Todos na empresa se sentem igualmente responsáveis pelos consumidores. Há uma rotina de ouvir as ligações dos clientes. Pois sabemos que, antes de querermos expandir nossos negócios, precisamos entender o real problema dos consumidores”, disse.
A transformação na medicina
Revolução digital traz consigo conceito de Saúde 4.0, mais preventiva e personalizada
A transformação digital vem impactando todos os setores da economia. Na área da saúde não é diferente, com o conceito de Saúde 4.0. O head de customer service da Dasa, Eduardo Lemos, explica que se trata da chegada definitiva de toda a transformação digital no apoio à modernização da medicina diagnóstica e preventiva. Dentro desse processo está a DASA. “Uma rede que não poderia deixar de inovar com as possibilidades digitais para melhorar a vida da população na área da saúde.”
O executivo garante que esse é o propósito da empresa com as inovações possibilitadas pela tecnologia. “Queremos aproveitar cada facilidade oferecida a médicos e pacientes como oportunidades para um relacionamento mais contínuo e duradouro. Uma cultura que permita inovações rápidas e eficazes. A experiência digital rompendo barreiras e com velocidade de entrega.” Ele detalha que, hoje, a medicina diagnóstica já avançou muito no mundo digital, conseguindo transforma toda a trajetória da experiência do cliente. “E pretendemos ajudar cada vez mais o paciente-consumidor”, completa.
Até porque, de acordo com os dados revelados por Lemos, atualmente cerca de 20% dos clientes abandonam o tratamento em algum momento. Os motivos são os mais diversos, incluindo as consultas ao Google. “Por isso, é preciso conquistar o engajamento do cliente no tratamento.” Um dos caminhos é a modelagem e a análise de dados. “Quando trabalhamos toda a nossa base de clientes de 2018, por exemplo, descobrimos uma grande porcentagem de pacientes que eram pré-diabéticos e não sabiam.” De posse desses dados aliados à inteligência, o grupo chega à medicina que se antecipa aos problemas. Essa possibilidade já está, inclusive, levando grandes empresas de tecnologia a entrar na área da saúde.
De custos a game changer
Transformações da atividade de gestão de clientes exigem novas formas de pensar e agir
Diante das profundas mudanças do mercado, os contact centers vêm passando de um centro de custo operacional para um transformador de mentalidades. É o que indica Ladislau Batalha, diretor de operações da Teleperformance Portugal. “É um polo de mudanças que exige, de todos, novas formas de pensar e agir. Passamos de custo operacional para um game changer.” Segundo ele, essa mudança conceitual passa pela transformação tecnológica. “Agora as máquinas é que realizam todas as transações simples. Elas vieram para ficar. O sistema antigo jamais retornará. A inteligência artificial, preditiva, tudo isso nos impõe nova forma de agir no relacionamento”, pontua.
Além disso, para o executivo, pela primeira vez na história as relações das empresas com os clientes abrangem todas as faixas etárias e demais características pessoais. “Temos todos os tipos de pessoas usando todos os canais. Há desde os mais antigos que se comunicavam por cartas, até a Geração Z, usuária do Facetime, passando pelos baby-boomers e as gerações X e Y com adesão a todas as novidades tecnológicas na comunicação. Esse é apenas mais um grau de complexidade”, descreveu Batalha, reconhecendo, em razão de tudo isso, que o humano continuará sendo o ponto chave na interação com o cliente, mesmo sabendo-se que em todos os vetores desse relacionamento há ou haverá tecnologia.
Nesse sentido, o executivo destaca alguns movimentos do mercado: a transformação dos contact centers em Experience Hubs, oferecendo serviços ongoing que impactam na experiência; a utilização de tecnologia para alavancar a automação; a adaptação dos sistemas de URA de acordo com a jornada do cliente ao longo de vários canais; a aplicação de advanced analytics para suporte à decisão, medição da satisfação do cliente e análise de indicadores; e a experiência do consumidor como um novo paradigma da era digital. “São sinais que provam como as centrais se transformaram em algo muito mais participante do jogo dos negócios”, completa.
Um tsunami em alto mar
A invasão da inteligência artificial na gestão de clientes, sem deixar de lado o indispensável humano
Ao reafirmar um conceito que vem observando há alguns anos, Cezar Taurion, digital transformation e presidente da Kick Ventures e i2a2, comparou o processo de transformação causada pela Inteligência Artificial a uma espécie de tsunami em alto mar. “Enquanto vai se formando ali, ela já está acontecendo, mas você não percebe. E quando chega de vez, o efeito é devastador.” Diante dessa nova realidade, abrangente e sem volta, o especialista chama a atenção para questões fundamentais: seria o ser humano dispensável nesse processo em crescimento? Como vai ficar a questão da empregabilidade? A resposta vem verdades intransponíveis: “as máquinas são incapazes de aprenderem fatores exclusivos dos humanos”, afirma o executivo, que moderou o debate no Congresso ClienteSA. Assim, a grande função da transformação digital e da IA é liberar o ser humano para se dedicar, com mais tempo e eficácia, às suas tarefas. “Mais empatia, mais criatividade, mais tempo para se dedicar à solução dos problemas críticos, os imprevisíveis.”
Dentro dessa transformação, Marcel Bianchi, head of partnerships da ClickBus, destaca o modelo de negócios da própria empresa, criado a partir das novas possibilidades tecnológicas. “Desenvolvemos o e-commerce de mais de 60 marcas”, conta o executivo, que, depois de cinco anos na empresa, já faz a gestão de uma carteira de mais de três mil parceiros. Além disso, segundo Bianchi, a empresa também se utiliza de recursos da IA para descobrir fraudes por parte de usuários, permitindo comercializar mais de cinco milhões de passagens ao ano de forma segura. Porém, em meio à isso, ele destaca a atuação do ser humano como imprescindível, mesmo em uma plataforma digital. “É fundamental que a organização esteja preparada para a aplicação da IA. Dessa forma, com a criatividade humana e o conhecimento tecnológico, está aberto um caminho sem fim para criação de modelos de negócios”, pondera.
Contrastando com a “juventude” da plataforma digital de venda de passagens de ônibus, Patrícia Matsunaga, gerente executiva de relacionamento com cliente da BRF, pontua que o desafio no seu caso está em incrementar a transformação digital em meio à cultura analógica e humana que permeou o sucesso e crescimento do Grupo, que possui mais de 75 anos. Relembrando que a Sadia foi uma das primeiras empresas do ramo de alimentação a disponibilizar um número de telefone para a comunicação com o consumidor, a executiva comenta que, hoje, as experiências com as novas tecnologias estão levando a ajustes que permitem avançar e refletir ao mesmo tempo. Como exemplo, ela cita uma consumidora que ligou no 0800 solicitando o endereço para enviar uma carta. Durante a interação, ainda aventou a possibilidade de prolongar a conversa por meio do Whatsapp, por vídeo. “Tivemos o passado, o presente e o futuro manifestados em um único consumidor.” Nesse contexto, Patrícia enxerga o caráter imprescindível do ser humano no relacionamento com clientes. “Acompanhando as ligações, percebemos que a emoção dos humanos é ainda impossível. E essa interação carregada de emoção humana é o que permite incrementar a interação contínua no relacionamento”, completa.
Por sua vez, Regis Eduardo Citty Da Costa, responsável por CX, planejamento e gestão de conhecimento para canais de relacionamento com o cliente do Banco Votorantim, conta que a empresa buscou o uso de inteligência no negócio após a constatação de que, mesmo depois de passar pela área de relacionamento – “muito bem estruturada, treinada e preparada” -, os clientes saiam sem ter o problema resolvido? “Pior, muitos chegavam a entrar com a ação judicial no âmbito cível contra a organização. Precisávamos entender bem a questão antes de atacar seus fundamentos”, explica. Assim, utilizando de soluções de Analytics, foi possível realizar a modelagem de dados que levaram a compreender motivações e soluções sobre problemas concretos. Em resumo, o executivo do BV entende o emprego da IA não apenas como complemento para ações humanas, mas também como suporte para tudo aquilo que a inteligência humana sozinha não vai conseguir. “Sua função é nos ajudar a chegarmos na melhor forma de tratarmos nossos consumidores.”
FOCO NO CLIENTE
“Um dos grandes desafios para o incremento da transformação digital é envolver e convencer a direção da empresa em primeiro lugar.” Essa é a opinião manifestada por Cláudio Brito Xavier, diretor comercial da AeC. Isso porque, no seu entender, é fundamental se preparar e orientar toda a organização no sentido de receber e responder aos efeitos e impactos das mudanças que se tornaram imprescindíveis. Portanto, para o executivo, é necessário se levar em conta que a IA, mesmo com todos os recursos e ferramentas avançadas, não é um assunto específico da área de tecnologia. Isso seria um engano. “Ela vai potencializar tudo o que o ser humano faz, sendo, dessa forma, naturalmente um tema de interesse e envolvimento de toda a organização”, afirma. O executivo enxerga nessa preparação de toda a empresa para a transformação, uma forma de garantir consistência e continuidade. Muitas experiências na transformação digital acabam gerando frustrações e retrocessos em virtude de um erro muito comum: parte-se da tecnologia para o problema e não o contrário. “O foco não deve estar na tecnologia, mas sim no cliente.”
Concordando com essa visão, Danilo Cuzner, gerente sênior da área digital da Accenture, confirma que já são claros os benefícios que podem ser alcançados com o emprego da IA. “Mas as luzes devem estar projetadas sobre o cliente, o ponto de partida. A transformação digital parte do consumidor e abre novas perspectivas de relacionamento e de negócios”, afirmou. O executivo considera que o esforço continua sendo o de conhecer o consumidor e sua jornada na relação com a empresa. Essa é a forma de se estudar o quanto a tecnologia pode ser elemento crucial para melhorar os processos e a busca de resultados. “Temos de saber onde começa um processo, quais suas etapas e quais os resultados satisfatórios esperados, tudo antes de pensar na tecnologia.” Dessa forma, para ele, a IA surge à tona quando se percebe um detalhe dentro de todo esse processo que precisa ser melhorado e acelerado. “De repente essa solução tecnológica até já existe, já foi testada e resolve plenamente a questão”, finaliza.
Novos desafios, de novo
Os erros, os acertos e os aprendizados do mercado diante da transformação digital
Como as empresas estão vivenciando as importantes transformações digitais? Foi com essa pergunta que Rodrigo Tavares, diretor de atendimento da PagSeguro, deu o tom do último painel de debate do Congresso ClienteSA. Primeira a responder, Ana Karina Quessep, presidente executiva da BprO – associação colombiana que congrega empresas de BPO -, fez questão de pontuar aquilo que considera fundamental nesse processo: a transformação cultural. Dentro disso, a executiva explica que, em seu país, até o Estado está empenhado em ajudar as empresas a enfrentarem esses desafios. “O governo colombiano nomeou um CIO para liderar essa parceria com organizações públicas e privadas. Entender até que ponto isso vai afetar os empregos, que tipo de legislação pode auxiliar, se há necessidade de diminuição de impostos para dar fôlego às organizações.” Ou seja, acompanhar todas as necessidades das empresas, “mais numa atitude de parceria do que de imposição”, tudo na busca do que ela chamou de “transformação digital responsável”.
Nesse sentido, Alexandre Oliveira, head de atendimento/operações do Santander, alerta que, antes de colocar uma ferramenta nas mãos ou a serviço do consumidor, é preciso estar preparado para lidar com isso de forma consistente. “É necessário organizar a casa e tornar bem preparada a ponta onde ocorre o atendimento ao cliente.” Por isso, segundo ele, foi adotado no Santander o seguinte slogan: antes do digital vêm as digitais das pessoas. Oliveira admite que as soluções digitais são um caminho sem volta, mas indaga: “qual delas se adapta melhor a que tipo de cliente? Porque teremos que continuar dando a cada consumidor um tipo específico de atendimento”. Concordando com Alexandre, Rodrigo Tavares complementa afirmando “não existe cliente offline e cliente online. Existe simplesmente o cliente”.
INCOMODE-SE A SI MESMO
Se os dilemas da transformação digital são desafiadores para empresas de todos os segmentos, “o que dizer então da área de contact center?”, indaga por sua vez Gabriel Drummond, CEO da Tel. Diante disso, ele destaca que, apesar de todos os setores estarem sendo reformatados pela revolução tecnológica, é preciso lembrar que a atividade de atendimento está sempre com suas empresas entre os 10 maiores empregadores do país. “São mais de 1,3 milhão de trabalhadores nas áreas de relacionamento com clientes.”
Ainda assim, Drummond é enfático ao suscitar o fato de que os desafios serão de agora em diante ininterruptos, pois não há mais qualquer setor confortável em conquistas do passado. O que gera insegurança para quem emprega e para quem é funcionário. “Sim, porque quem rege a realidade agora, o grande maestro, são as ideias. Novos negócios, totalmente inesperados, e que afetam vários setores ao mesmo tempo”, afirmou. Como exemplo, ele cita o surgimento do Uber. Além das atividades mais óbvias, a plataforma atingiu em cheio também o setor de estacionamentos, entre outros. “Por isso, não há mais como ficarmos acomodados no que já foi conquistado. A realidade tem nos mostrado que, cada vez mais, fica impossível saber quem e de onde virá o seu maior concorrente no futuro próximo ou distante.” E complementa: “é melhor você ficar incomodado por si mesmo antes que alguém de fora te incomode”.
Na mesma linha, Fábio Toledo, diretor de gestão da base de clientes da Sky, destaca o grau de concentração e o senso de competitividade que são exigidos das empresas nesses tempos de transição. “Somos cotidianamente desafiados por três fatores. Em primeiro lugar, vem as especificidades e dificuldades da economia do país e de sua regionalização ampla e característica. Temos que buscar soluções todos os dias nesse âmbito.” Em segundo lugar, ele cita o mercado no qual a Sky atua. “De forma incessante, somos desafiados a manter nossos mercados e conquistar novos negócios com criatividade.” E, por último, chega à questão da digitalização. Como, quando e porque utilizar IA e até quanto será decisivo seu papel no enfrentamento dos outros desafios.
Como consequência desse cenário, Fábio chama a atenção, ainda, para um tema paralelo, mas inerente ao da transformação digital: as experiências e os erros. “Motivados a incrementar tecnologia em nossos serviços e relacionamentos, criamos uma vice-presidência de digitalização. Foi um erro. O processo de transformação se fechou em si mesmo e se distanciou da fortíssima cultura da empresa: o foco no cliente.” Hoje, a empresa já corrigiu, voltando ao foco. “Utilizamos a multicanalidade no processo de relacionamento, mas concluímos que o comando disso tudo deve estar na área de customer experience. Os problemas nada mais são do que oportunidades para conhecer e satisfazer o cliente”, completa.
PAPEL DAS LIDERANÇAS
Já na opinião de Wellington Paes, diretor de clientes da Oi, existem três pilares que devem sustentar todo o processo de transformação digital em uma empresa. Ele menciona, em primeiro lugar, o cuidado para não realizar o que chamou de “imposição digital”. A avidez por incrementar tecnologia achando que facilitará para os públicos internos e externos pode conduzir a erros de pequeno ou amplo espectro. “Chegamos a instalar atendimento de voz de forma geral e indiscriminada. Para todos os tipos de clientes. Obviamente tivemos de recuar e corrigir. É preciso saber antes, o que faz sentido para o cliente de forma individualizada”, revela.
Outro sustentáculo, no entender de Wellington, é o rol de cuidados para digitalizar sem desestimular os colaboradores internos. De que forma aquilo, ao invés de colocar em risco o emprego, irá melhorar o trabalho e o dia-a-dia deles. Ou seja, transformar a operação motivando os operadores ao mesmo tempo. “Imagine-se em nossa empresa, na qual o desafio é mudar a mentalidade de mais de 10 mil agentes de atendimento.”
Como terceiro pilar, o executivo levantou uma questão que acabou se impondo como o tema hegemônico ao final do debate: o desafio das lideranças. De acordo com o diretor da Oi, a transformação terá de ser precedida pela modificação do modo de pensar dos líderes. “Para o líder entender, por exemplo, que o Whatsapp pode ser mais parceiro do que concorrente. Compreender de forma profunda que cada cliente vai sempre preferir um tipo de atendimento. Inclusive o digital”, pontua.
Ainda sobre a questão do erro, o moderador Rodrigo Tavares faz questão de salientar que ele, antigamente, era algo aterrorizante numa organização, mas de agora em diante, com a revolução digital, será a um só tempo inevitável e aceitável. Cita, como exemplo, o site Think With Google, por meio do qual a empresa exibe detalhes dos erros que comete em seus projetos, chegando a, “inimagináveis”, 35% dos planos e programas.
Em cima desses dois pontos, papel das lideranças e os possíveis erros, Ana Karina chama a atenção para a grande diferença que há entre as empresas que nascem digitais e as tradicionais. Essas últimas têm de digitalizar processos antigos e novos, com desafios bem maiores. “Acabam sendo incomodadas e motivadas pelas novas”, afirma a executiva, complementando, que, nesse cenário, há que se tomar o risco de errar de forma a que a correção seja rápida. “Risco e velocidade de ajuste. Para tudo isso, temos que mudar a forma como nossos líderes pensam e vencer o maior dos desafios: humanizar essa transformação tecnológica.”
ARENA DO CONHECIMENTO COMPARTILHANDO CONTEÚDO
Com grande participação e aprovação do público, o Congresso ClienteSA realizou mais uma vez a Arena do Conhecimento, espaço mais descontraído com debates acontecendo em paralelo aos da Sala do Congresso. Os bate-papos contaram com a participação de grandes experts do mercado, compartilhando conhecimento. O primeiro teve como tema “Cultura Centrada no Cliente – Mitos e Verdades”. Moderado por Júlio Cesar Mendes, sócio-fundador, consultor e palestrante da ON Clientes e Canal +UAU, o debate contou com a participação de Angelo Vicente, CEO da Ecadeiras, Monise Tonoli, gerente de customer experience do Peixe Urbano, Rafael Godinho, customer experience manager do iFood, Bruno Giacomelli, gerente de operações de Customer Experience do Nubank, e Bruno Gobbato, gerente de relacionamento ao consumidor da Brinquedos Estrela.
A Arena também recebeu uma discussão abordou as inovações da atividade, trazendo o que há de mais novo no mercado. Moderada por Onófrio Notarnicola Filho, head de pesquisa da ClienteSA e professor do Senac e FGC, o painel teve ainda Leandro Schmitz, head de inovação da Flex, Venancio Freitas, CEO da Alldesk, Mauricio Neworal, sales director da Vocalcom, e Francisco Virgilio, head do Americas Innovation Lab – Altitude Software. Completando a programação, o espaço recebeu o debate “Customer Employee – uma revisão cultural”. Moderado por José Nery, head de CRM da HPE Automotores, a discussão teve a participação de Edison Andrades, professor, palestrante e escritor, Monique Bernardes, ouvidora do Banco Santander Brasil, Alessandra Mincov, gerente de Relacionamento a Clientes da Restoque, Mariana Martins Gonçalves Mattos, gerente de Relacionamento com Clientes/Consumidores e CD da Friboi, Viviana Biagioni, customer relationship and customer experience executive manager da Comgás, e Isabela Cardoso, gerente de CX da Via Varejo.