Universalização do acesso à educação superior: oportunidade ou ameaça!



No final do ano passado, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, sob a coordenação da pesquisadora Ana Amélia Camarano, publicou o estudo Transição Para a Vida Adulta ou Vida Adulta em Transição?, em que se busca promover o debate acerca da transição para a vida adulta da juventude brasileira no contexto educacional, profissional e familiar. Marcado pela presença preponderante de uma população jovem, em torno de 700 mil pessoas, com crescimento anual da ordem de 70 mil postos de trabalho, as conclusões que resultam daquele estudo servem à nossa reflexão nesse diálogo que se estabelece diariamente com as diversas juventudes no setor de gestão de clientes.

Não parece exagero afirmar que uma das principais mudanças ocorridas na sociedade brasileira nos últimos 25 anos foi o prolongamento da vida, medido pelo aumento da expectativa de vida no nascimento, o que se fez acompanhar pela redução da taxa de  fecundidade. Enfim, é mais gente vivendo mais. Em 1980, de mil crianças nascidas vivas, 898 completavam 15 anos, ou seja, se tornavam jovens. Em 2000, esse número aumentou para 968. Isso, reforçado pela dinâmica da natalidade dos anos 1970, levou a que 47 milhões de brasileiros fossem considerados jovens em 2000.

Ao mesmo tempo, observa-se, no mesmo período, a antecipação do acesso à educação básica e o adiamento da idade de saída da escola. Vale dizer, o tempo vivido na escola e a juventude estão se prolongando. Isso ocorre em razão da maior demanda por qualificação imposta pela sociedade, que exige maior preparação para a inserção produtiva. Os movimentos de reestruturação econômica e a adoção de novas tecnologias têm reduzido drasticamente a dependência em relação à mão-de-obra; por outro lado, requerem uma qualificação crescente e contínua – para além do ingresso no mundo do trabalho – daquele que consegue ser inserido no mercado de trabalho, interrompendo um modelo tradicional de transição para a vida adulta que se dava com o final dos estudos e o início da vida profissional.

Embora o jovem de 16 a 24 anos responda por 50%, em média, do nível de desocupação total do País, uma parte disso pode ser creditada ao perfil de inserção do jovem nas atividades econômicas, fortemente marcado pela experimentação, posto que esse jovem ainda se encontra na casa dos pais, com uma responsabilidade ainda reduzida de provimento da família. Ao mesmo tempo, verifica-se que jovens com escolaridade mais alta vivenciam taxas mais elevadas de desemprego que os de escolaridade menor por contarem com maior apoio da família e por acabarem sendo mais seletivos ante as oportunidades de emprego que surgem. A questão da incerteza não é mais privilégio do emprego jovem, embora nele exerça seu maior efeito. O velho pacto estabilidade oferecida pela empresa versus lealdade do empregado cedem lugar para condições ocupacionais diferenciadas. Nesse sentido, em que medida a universalização do acesso à educação de nível superior, em curso no País, vem contribuir para a questão do emprego?

Conclui o estudo do IPEA que uma posição sustentável no mercado de trabalho depende não só das competências de cada profissional e da dinâmica desse mercado, mas, sobretudo, do sistema educacional eleito. Modelos educacionais de formação específica, técnica, têm se mostrado mais eficazes para a inserção profissional do que os sistemas de formação generalista. Este último, opção brasileira, tem apontado como porta de saída para os profissionais a busca por novos diplomas, mais específicos, autofinanciados ou incentivados por empresas.

Ao lado de medidas compensatórias e de transferência de renda, o estudo do IPEA propõe a adoção de “políticas ativas” no enfrentamento do desemprego, como o incentivo a setores com maior potencial gerador de emprego. Nesse passo, coloca-se o desafio da maior escolarização da população empregada no segmento de telesserviços. Marcadamente caracterizado pela presença de profissionais com ensino médio, vêem-se esses mesmos profissionais ante a crescente possibilidade de obterem uma titulação de grau superior.

Paradoxalmente, a melhor qualificação desses profissionais se, por um lado, conduz a óbvios ganhos de qualidade e produtividade no serviço prestado para as empresas de telesserviços; por outro, coloca-os ante um caminho que se bifurca: permanecer na empresa na expectativa de nela obter uma ascensão; ou sair em busca de uma nova condição profissional, uma vez que, ao ingressar no ensino superior, o empregado começa a aspirar a uma nova perspectiva.

Como conciliar universalização do acesso à educação superior com a expectativa desses milhares de jovens do segmento? Pode-se olhar o copo meio cheio: serão milhares de jovens qualificados à disposição do mercado e da sociedade brasileira, prestando melhores serviços a todos. Ou meio vazio: frustração, grande rotatividade e pressão sobre os custos. O problema ainda não chegou, mas algumas empresas já fizeram sua opção: olhar o copo meio cheio e dar sua contribuição para essa universalização do acesso de milhares de jovens ao ensino superior.

Marcelo Rocha é presidente da Associação Horizontes, advogado pela USP e especializado em Gestão Pública e Política Internacional pela FESPSP. E-mail: [email protected]

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