A greve do pneu da empilhadeira

Autor: Heli Gonçalves Moreira
Durante uma greve dos trabalhadores em uma das unidades operacionais de uma grande empresa, o diretor industrial resolveu acompanhar presencialmente o desenrolar dos acontecimentos e as negociações com as lideranças sindicais.
Na análise do movimento foi constatado que a principal causa decorreu de uma ação gerencial que centralizou numa única área a movimentação interna de matérias primas, insumos e produtos por meio de empilhadeiras. Com isso os motoristas passaram a se reportar à área de serviços industriais, com o objetivo de gerar aumento da produtividade e considerável redução de custos.
Quando do planejamento da nova organização do trabalho, os supervisores informaram individualmente cada um dos motoristas envolvidos sobre a transferência de área e sobre as novas condições de trabalho, entre as quais a adoção de pneus maciços para as empilhadeiras como medida de redução de custos.  O desconforto provocado pelo novo equipamento seria compensado com a pavimentação das vias de tráfego interno e instalação de bancos com amortecedores.
Pela forte pressão por resultados em curto prazo, os motoristas foram centralizados sob o comando de uma nova chefia e os pneus com câmaras, mais confortáveis, foram trocados pelos pneus maciços, porém as demais  condições permaneceram as mesmas. Essa medida provocou enorme insatisfação dos motoristas.
A liderança sindical interna, tomando conhecimento da situação, convocou os motoristas para uma reunião no final de semana. Na segunda feira, na entrada do primeiro turno, os motoristas de empilhadeira não assumiram suas funções, indo direto para o pátio principal. Poucos minutos depois, o pátio foi tomado por centenas de operadores, os quais não podiam iniciar o trabalho pela falta do apoio do transporte interno e por solidariedade aos colegas.
Minutos depois, mesmo antes do sindicato chegar, os colaboradores já tinham em mãos uma pauta de reivindicações com dezenove itens de todas as áreas, entre os quais os amortecedores para os bancos das empilhadeiras e a pavimentação das vias internas de tráfego.
Durante o movimento, as lideranças ficaram perdidas, não sabendo o que fazer, inclusive algumas delas aderindo, ainda que de forma velada. Após duras negociações com a concessão de vários dos itens reivindicados e com um prejuízo de dois dias de produção, a greve foi encerrada.
O diretor industrial, em reunião de avaliação do movimento, comentou ter feito uma das mais importantes descobertas de sua carreira: enquanto os ativos físicos são de propriedade exclusiva dos acionistas, o ambiente de trabalho é de propriedade de todos que o compõe (colaboradores e lideranças).
A grande meta das empresas modernas é contar com uma capacidade produtiva e autossustentável que mantenha seus negócios competitivos e garanta a sua continuidade operacional. Um dos principais fatores que concorre para isso é o ambiente de trabalho. Este fator, negligenciado por inúmeras empresas que deixam de aproveitar seu enorme potencial, está sustentado no relacionamento com os seus colaboradores.
O bom relacionamento, por sua vez, se sustenta em dois requisitos implícitos, o respeito e a confiança, que caminham juntos, um apoiando o outro e um terceiro requisito explícito, os benefícios que ambas as partes devem usufruir da boa relação. Contar com boas políticas de recursos humanos é igualmente fundamental, mas a prática desses requisitos no cotidiano do ambiente de trabalho é que irá torná-lo produtivo e autossustentável.
Heli Gonçalves Moreira é consultor da HGM e especialista em ambiente de trabalho e conflitos individuais e coletivos.

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