Recentemente, o Uber voltou a mídia… E não foi por conta de ameaças de taxistas ou em relação a sua regulamentação. Mas sim por causa de Travis Kalanick, o cofundador e presidente-executivo, que renunciou ao cargo, uma semana depois de anunciar seu afastamento por tempo indeterminado. O motivo? Embora não dito oficialmente, teria sido os escândalos que a empresa vinha enfrentando, desde sexismo até assédio moral e sexual. O próprio comportamento do executivo também já vinha sendo criticado, por suas declarações defendendo a cultura da empresa. Tanto que, antes da renúncia, cinco dos principais investidores da Uber pediram a saída imediata de Kalanick em uma carta, na qual dizem que a empresa precisava de uma mudança de liderança.
Por um lado, a renúncia aponta para a busca da empresa em sair da situação em que entrou. Afinal, um ano atrás, o Uber era conclamado como um exemplo de serviço. Eram vários os elogios ao negócio, não só pela disruptura que causou nos serviços de mobilidade urbana, como também pela preocupação em prestar um serviço de qualidade, focando na boa experiência do cliente. Porém, com as seguidas criticas, o jogo virou. De empresa admirada passou a empresa mal vista. Ou seja, os problemas comportamentais do CEO e a cultura organizacional começaram a afetar a reputação e, consequentemente os negócios.
Os problemas da Uber começaram em fevereiro, quando uma ex-engenheira da empresa, Susan Fowler, publicou um post descrevendo como um gestor a assediou sexualmente. Por mais de uma vez, a área de RH ignorou as reclamações, justificando, segundo Susan, que o executivo tinha alta performance. Inclusive, ela foi ameaçada de demissão caso seguisse com as queixas. Fora isso, há relatos de consumo de drogas durante reuniões, acusações de espionagem industrial, entre tantas outras histórias envolvendo excessos e escândalos. Tanta coisa, ao ponto do próprio Kalanick declarar que sente “vergonha” de seu comportamento e que precisa amadurecer.
Na visão de Roberto Santos, sócio-diretor da Ateliê RH, com um enorme foco na velocidade do crescimento do negócio, não é raro que as melhores práticas gerenciais sejam deixadas de lado, “embora isso não deva ser uma desculpa para condutas deste tipo”. “Além dos problemas legais decorrentes destes problemas e das máculas na reputação pública destas organizações, o engajamento dos empregados é seriamente impactado e, conforme extensamente comprovado, cedo ou tarde, os resultados do negócio são feridos drasticamente”, alerta.
Compartilhando do ponto de vista, Juliane Yamaoka, gerente geral da Efix, comenta que os valores da companhia e o que a empresa exigia dos funcionários em termos de comportamento eram abordados de forma vaga. Frases como “Seja você mesmo” eram as premissas da Uber em termos de comportamento. “Isso não diz nada. O que a empresa espera de seus funcionários? Quais são os comportamentos aceitos dentro da organização? Ter os valores claros e uma gestão totalmente aderente a eles é imprescindível para evitar os problemas comportamentais que mancham a reputação organizacional”, completa Santos.
Dentro disso, Juliane explica que toda empresa, não importando o tamanho, precisa ter os valores bem definidos. Mais do que isso, é preciso deixar claro o que se espera do funcionário em termos de comportamento e ética. “Uma vez que isso esteja plenamente estabelecido, o comportamento do funcionário dentro da empresa deve ser avaliado da mesma maneira que as metas de negócio são avaliadas: com transparência e de forma constante”, acrescenta.
MUDANÇA
Essa cultura negativa para os negócios, inclusive, foi apresentada no relatório de investigação interna feita, a pedido da própria empresa, pelo advogado Eric Holder, ex-procurador-geral dos Estados Unidos. Além de apontar os problemas, o documento pede diversas mudanças culturais e estruturais. Entre elas, solicita a contratação de um presidente independente para o grupo, criação de comitês de ética, cultura e diversidade, publicação de estatísticas de diversidade, melhoria nas práticas de contratação, busca de parcerias com universidades hispânicas e afro-americanas para contratação de profissionais de grupos de minorias, criação de um sistema de compensação aos executivos mais experientes, implementação de melhorias na auditoria, controle interno, realização de treinamentos com executivos sobre diversidade, respeito e inclusão.
Outro destaque do relatório é a reformulação de suas 14 regras de valores culturais. Com isso, o ex-secretário recomenda que a Uber adote valores mais inclusivos e que contribuam com um ambiente colaborativo; e inclua trabalho em equipe e respeito mútuo. “A implementação dessas recomendações vão melhorar nossa cultura, promover a justiça e a responsabilidade, e estabelecer processos e sistemas para garantir que os erros do passado não sejam repetidos”, comentou a responsável do RH da Uber, Liane Horsey, mensagem postada na página oficial da empresa.
EXEMPLO VEM DE CIMA
E qual é o papel da liderança para que os valores praticados levem a uma cultura organizacional saudável, ética e produtiva? Aqui, Santos faz uso da máxima que diz: “As pessoas não deixam as organizações, elas deixam os chefes”. Na moldagem da cultura organizacional real, o exemplo vem de cima, segundo o especialista. “Se a liderança não dá exemplo de conduta, e não age com seus funcionários, em conformidade com os valores de ética e respeito que aparecem em 9 entre 10 listas de valores organizacionais, é óbvio que estes, mais provavelmente, vão replicar o exemplo que vem de cima e não o que está nas paredes”, pontua.
O sócio-diretor da Ateliê RH, defende que, quando a cúpula de uma organização se propõe a definir e publicar os valores que se pretendam definir a cultura de sua organização, ela deve ir muito além da redação de frases de efeito, bonitas e inspiradoras. A cultura organizacional é algo vivo, cujos valores devem se traduzir em ações. “Em essência, a cultura organizacional deve ser vivida pelas pessoas no dia a dia, por comportamentos e atitudes que serão premiados ou repreendidos e até inaceitáveis. A cúpula deve refletir com honestidade intelectual e moral, sobre os valores, como os balizadores do que se pratica na empresa”, reforça.
Lembrando de outros líderes que perderam a mão na gestão da empresa, o coach Paulo Aziz Nader comenta ainda que isso por ser o resultado de algo mais simples do que parece: eles pararam de olhar para si. “Pararam de se questionar se estavam no caminho certo. Deixaram-se tomar conta por uma autossuficiência, provavelmente baseada num certo narcisismo, e reforçada por uma manada de apoiadores incondicionais. Caíram na armadilha de si mesmos”, explica. Diante disso, ele pondera que ninguém é invencível, independentemente do sucesso que alcança. “Felizmente, podemos aprender com o erro dos outros, e aumentar as chances de sucesso e as chances de manutenção deste sucesso. Os resultados da sua organização agradecerão.”
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