Autores: Maurício França e Paulo Vandor
A indústria de call center parece estar em um ponto de inflexão. Apesar do crescimento recente, muitos acreditam que o setor estaria sob ameaça de desaparecer completamente. Quais seriam os responsáveis por essa potencial extinção dos call centers? Os suspeitos são a digitalização, a automação dos serviços de voz e a Inteligência Artificial (IA).
Vamos olhar primeiro para a digitalização. É fato que os telefones celulares – especialmente smartphones – têm mudado a forma com que nos comunicamos. Como consequência, muitas pessoas, em particular as que pertencem às gerações mais jovens, estão deixando de se comunicar por voz e migrando para canais digitais como aplicativos, e-mail e mídias sociais.
Exemplos da tendência da digitalização crescente do atendimento são fartos. A plataforma Uber é um exemplo. Os canais digitais dominam o relacionamento da companhia com os clientes. As pessoas que usam o Uber podem reclamar de um motorista ou contestar valores cobrados por uma corrida instantaneamente, em tempo real.
Os bancos também estão embarcando na onda da digitalização. Clientes demonstram uma preferência crescente de se comunicar por dispositivos móveis. E o canal digital está rapidamente aumentando suas transações em relação a outros canais.
Esse crescimento da digitalização seria uma ameaça real à indústria de call center? À primeira vista, faria sentido. Como os consumidores utilizam cada vez mais os canais digitais para se comunicar com as empresas, haveria cada vez menos necessidade de interação com os atendentes dos call centers.
Parece óbvio, mas essa correção não é tão simples assim. Tome-se o caso dos bancos como exemplo. A verdade é que houve aumento em todos os tipos de interações entre os clientes e as instituições. E o crescimento nas transações por dispositivos móveis veio, em grande medida, de transações que não existiam antes, como a possibilidade de verificar o saldo da conta corrente sem ter que ir ao banco ou a um caixa eletrônico – e, portanto, não canibalizaram as interações de voz.
Além disso, em muitos casos, há um ser humano por trás de uma transação digital, seja um e-mail, um chat, uma videoconferência ou uma postagem em uma rede social. Quer dizer, a demanda por um “operador” não é eliminada, mas natureza do seu trabalho é que muda.
Se a digitalização não aparenta, até o momento, ser um desafio tão ameaçador para o call center, que dizer da automação dos serviços de voz e da Inteligência Artificial?
Ao contrário da digitalização, a automação dos serviços de voz e a Inteligência Artificial têm o potencial de transformar imensamente a indústria de call center. Por exemplo, o computador “Watson”, da IBM, é capaz de responder perguntas feitas em linguagem natural. Ele ficou famoso em 2011 depois de vencer um torneio máquina contra homem no programa americano de televisão “Jeopardy!” contra antigos campeões. Em 2016, a IBM lançou o “Agente Virtual Watson”, uma plataforma criada para responder questões por meio de vários canais de comunicação. O agente virtual começou a operar como assistente dos operadores. Mas se espera que, uma vez que acumule dados suficientes e “aprende” por meio de aprendizagem computacional, poderá, em teoria, substituir os operadores
Muitos estudiosos no mundo acadêmico afirmam que a automação e a IA estão abrindo caminho para uma mudança iminente. Em seu estudo seminal “O Futuro do Emprego” (Oxford University, setembro 2013) Carl Frey e Michael Osborne avaliam os tipos de empregos tendo como critério a possibilidade de automação dos próximos 20 anos. E qual é a visão deles sobre o call center? Mais de 95% de probabilidade de automação.
Não discordamos que de que a automação e a IA apresentam desafios de longo prazo. Mas isso significa que a industrial de call center está em vias de extinção? Não acreditamos. Há uma série de fatores que na verdade protegem e até mesmo estimulam a indústria de call center no curto e médio prazos.
Um desses fatores é a questão comportamental. É preciso ter em mente que o avanço da digitalização é limitado pelo desejo dos consumidores e que a preferência das pessoas pelos canais digitais está muito relacionada à faixa etária. De acordo com nossas projeções, em 2030, 27% da população brasileira, que terá mais de 50 anos, ainda vai preferir falar com alguém no telefone para resolver seus problemas. Haveria muito espaço ainda para a existência de call center.
Outro ponto a ser considerado é que nem todos os trabalhos desempenhados por seres humanos têm o mesmo potencial para automação. Tarefas que envolvem criatividade e inteligência social são desafiadoras para a IA. E a chamada inteligência social é muito relevante para as funções de um call center, que incluem negociação, persuasão e cuidados com os clientes. Mesmo que um computador como o Watson possa “aprender” a responder questões não programadas, ele não será capaz de compreender ou responder a emoções. E, até onde se pode prever, os computadores ainda vão levar um bom tempo para chegar a um ponto em que consigam lidar com interações que envolvem elementos emocionais.
Além desses desafios inerentes à automação de tarefas de inteligência social, há outras dificuldades. Não há como determinar se uma resposta gerada por um computador como o ´Watson´ é confiável. Afinal, em caso de erros, pode ser difícil resolver o problema para evitar que ele ocorra novamente. E como o Watson ´aprende´ sozinho, é difícil saber quem em uma organização será responsável por eventuais equívocos do computador, o que cria muitos desafios de atribuição de responsabilidades.
É preciso considerar também que o próprio crescimento do comércio eletrônico aumenta a demanda por todo tipo de atendimento, o que garante às operações de call center uma demanda sustentável para impulsionar o crescimento pelos próximos anos. Além disso, apesar de a indústria já parecer madura, o fato é que muitas funções de call center ainda são realizadas internamente pelas empresas. Apenas entre 15% e 25% do mercado global de call center é terceirizado. A complexidade crescente das operações e as economias de escala criam uma tendência para o avanço do outsourcing.
Mesmo que a tecnologia permita a automação de voz e a Inteligência Artificial seja perfeita, o uso dessas tecnologias não será necessariamente simples. Alguns dos clientes mais importantes de call centers, como bancos e empresas de telecomunicações, tem uma organização complexa uma míriade de sistemas herdados. Mesmo que a tecnologia esteja pronta para ser utilizada, a migração para o novo modelo será difícil e demorada.
Esse conjunto de fatores mostra que, embora a automação e a Inteligência Artificial sejam ameaças verdadeiras, ainda vai levar um bom tempo até que elas tenham um impacto significativo no setor. A conclusão é clara: investidores e executivos do setor não devem ainda entrar em desespero. No curto e médio prazos, os call centers provavelmente vão continuar a prosperar.
Maurício França e Paulo Vandor são sócios e diretores do escritório da L.E.K Consulting.