Deficientes no mercado de trabalho



Autor: Ricardo Guimarães

 

Encontrar uma fórmula correta é a principal dificuldade para a inserção do portador de deficiência no mundo do trabalho. E recente projeto de lei do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), que aumenta a cota obrigatória para contratação por empresas privadas de portadores de deficiência e pessoas reabilitadas, tornará a inclusão mais difícil.

 

A solução deste problema atinge várias esferas, sobretudo pela carga emocional envolvida – muitas vezes inseparável do campo técnico da questão. Contudo, o quadro tem merecido amplo debate no mundo jurídico, sempre com o objetivo de encontrar a melhor forma de aplicação do conjunto normativo, atendendo os anseios da inclusão social do portador de necessidades especiais.

 

A atual Lei de Cotas (Lei 8.213/1991) obriga as empresas com cem ou mais empregados a preencher de 2% a 5% dos seus cargos com portadores de deficiência. De acordo com o novo projeto, essa obrigação passaria a ser instituída para as empresas com mais de 30 empregados e amplia o percentual máximo para 8%, em vez dos 5% atuais.

 

É importante ressaltar que a simples inclusão do portador de necessidades especiais no mercado de trabalho, sem um estudo e trabalho específico, tem como resultado sua total exclusão. O simples cumprimento de cotas pela iniciativa privada não significa inclusão. Atualmente, é quase impossível que as empresas consigam cumprir as cotas estabelecidas por lei. E não é por falta de vontade. A inclusão atual é realizada sem a preocupação adequada por parte do Estado, quanto à adequação (habilitação e reabilitação) do deficiente ao exercício da função e ao novo mundo do trabalho.

 

Entre os direitos fundamentais da República Federativa do Brasil encontramos a defesa da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho. Ambos destacados na Constituição Federal como “direitos fundamentais”. E nesses princípios fundamentais está também a inclusão do portador de necessidades especiais no mercado de trabalho. Isso porque o trabalho é livre, desde que atendidas às qualificações profissionais que a lei estabeleça, ou seja, a própria liberdade de trabalhar pode encontrar limites na qualificação da pessoa.

 

E por isso acredito que este novo projeto de lei, que estabelece novas cotas e porcentagens, com todo respeito, é um equívoco. Hoje em dia, as Delegacias Regionais do Trabalho (DRTs) o Ministério Público e iniciativa privada têm absoluta consciência da impossibilidade do cumprimento das costas. Principalmente, porque o Estado, através do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), não tem condição de atender a demanda para a reabilitação dos portadores de necessidade especiais.

 

E aí que está o equívoco do projeto, pois não se discute as possibilidades para habilitar o deficiente físico para uma determinada função para depois pensar em inserção no mercado de trabalho. Atualmente, muitas empresas contratam estes profissionais sem a real capacidade para função apenas para que constem num documento, com o objetivo de não ter problemas futuros com a fiscalização trabalhista. E podemos chamar isso de inclusão?

 

Na verdade essa atitude gera uma exclusão completa do deficiente físico. Isso porque, mesmo ele sendo um funcionário registrado, sequer comparece à empresa. Este novo projeto deveria sim debater e exigir uma nova política pública que permita a reabilitação ou habilitação do deficiente físico para exercer uma atividade no mercado de trabalho. Este sim seria o melhor horizonte para o cenário negro atual.

 

Talvez fosse interessante observar a postura, quanto à inclusão de deficientes, de outros países, como Espanha, França e Alemanha. Na Alemanha existem incentivos especiais para a contratação, contribuição para um fundo destinado à habilitação e reabilitação, assim como incentivos fiscais para as empresas que cumpram cotas. Na Espanha, há incentivos fiscais e subsídios para o cumprimento das cotas. E se destaca a existência de agências oficiais de empregos, sendo permitido às empresas o não cumprimento de cotas, desde que não haja mão-de-obra disponível. Isso parece bem adequado à realidade brasileira.

 

Independente da fórmula, o importante é reconhecer que o objetivo de cumprimento de cotas é de toda a sociedade. Mas tornar o regime de cotas ainda mais difícil, isoladamente, não resolve hoje e não resolverá no futuro o problema da inclusão do deficiente. O que acontecerá será a perpetuação da posição adotada hoje pelos principais atores: de um lado o Estado que cobra o cumprimento de cotas e de outro lado a empresa, sustentando a inviabilidade do cumprimento. Enquanto isso, o deficiente continua a ser um “pseudo inserido” no mundo do trabalho.

 

Ricardo Pereira de Freitas Guimarães é professor de Direito e Processo do Trabalho da Puc-SP e sócio do escritório Freitas Guimarães Advogados Associados.

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