Não há dúvida de que a gravação do contato telefônico no callcenter tem particular importância no moderno contexto do atendimento ao cliente. Mas a falta de uma legislação específica sobre o assunto ainda não permite dar respostas definitivas para uma série de questionamentos. O que obriga as empresas a serem muito cautelosas na utilização dessa ferramenta.
Com a finalidade de estimular perguntas e discutir soluções, o Conselho de Call Center da ABEMD (Associação Brasileira de Marketing Direto) promoveu, na tarde desta quarta-feira (4/10), o 2º Fórum de Call Center intitulado “Gravações nos Call Centers – O desafio de conciliar qualidade e segurança das empresas com a privacidade do cliente”. O evento foi realizado em São Paulo e reuniu 50 participantes, que demonstraram grande interesse pelas apresentações dos cinco profissionais que conduziram o assunto. São eles Patrícia Souza, gerente de produto da Wittel Comunicações, Adrien Cunha, diretor comercial de soluções de callcenter da Vermont, Luiz Carlos de Carvalho, que atua nos canais eletrônicos do Banco Itaú, Onito Barbosa, diretor de atendimento da Line Invest, e Dra. Sandra Caramelo Reis, advogada da Oliveira Neves e Advogados Associados.
Patrícia Souza relacionou os principais mercados que utilizam o sistema de gravações, tais como callcenters em geral, controle de tráfego aéreo, segurança pública (principalmente nos EUA), agências do governo, área de segurança (gravação de circuito interno de TV) e instituições financeiras. As tecnologias disponíveis possibilitam gravação total, gravação seletiva e gravação sob demanda. No gerenciamento de qualidade, há tecnologia para gravação da voz, gravação de tela e monitoração on-line.
Os tipos de interfaces de gravação existentes são digitais e analógicas, permitindo gravar de forma seletiva, direto do tronco ou agregando inteligência que faz rastreamento da ligação por parâmetros mais completos.
“Hoje o sistema precisa estar ligado a rede para tornar-se acessível de qualquer lugar, possibilitando ouvir as ligações por qualquer mídia”, explicou, observando que não adianta ter tempo médio de atendimento sem ter um sistema para monitorar e gerar relatórios para conhecer o nível de serviço.
Outros aspectos ressaltados pela gerente de produto da Wittel são a eliminação do turnover, a partir da boa avaliação dos agentes pela gravação, e a geração de relatórios de atendimento para os supervisores da central. “Quando se tem a gravação, pode-se mostrar a realidade de fato”, completou.
Atendimentos que deixam dúvidas fatalmente geram novas chamadas do mesmo cliente, alimentando o seguinte ciclo: aumento desnecessário da fila de espera – queda do nível de serviço – necessidade de recursos de telefonia.
Onito Barbosa, que na Line Invest (uma empresa de distribuição de fundos de terceiros) utiliza callcenter, Internet e vendas pessoais, afirmou que o grande desafio é integrar conveniência e segurança. “Sem a gravação é praticamente impossível ter segurança na venda. Ela é o nosso principal instrumento e ajuda a reduzir o custo da operação. Hoje é mandatório ter a gravação”, sentenciou.
Concordando que é importante ter o consentimento do cliente para a gravação da conversa, o executivo disse que usa isso até como argumento de marketing. Na sua visão, a maior vantagem desse processo é a rastreabilidade: “Tem registro para poder entrar na Internet e mostrar o que está acontecendo, e é muito fácil de customizar. “De modo que tem um valor agregado para a empresa, desde que ela saiba usar isso no seu dia-a-dia.
Luiz Carlos de Carvalho (Banco Itaú) confessou que estava no Fórum por causa de diversas dúvidas quanto ao assunto. “A gravação em vendas vale juridicamente?”, questionou, justificando sua dúvida com o fato de que ainda nem existe jurisprudência considerando a senha uma assinatura digital.
A resposta ficou a cargo da advogada Sandra Caramelo Reis: “O assunto ainda é muito polêmico juridicamente. As empresas que adotam o sistema de gravação deveriam consultar o cliente, o que é uma forma de obter segurança. A tendência é ir atualizando a legislação, e existem vários projetos em fase de discussão. Mas ainda não tem nada específico sobre esse assunto. As empresas devem ter certa cautela com o uso da gravação, já que, por perícia, pode-se apurar se existe alguma falsidade”, alertou.
Uma pessoa da platéia se manifestou dizendo que, na realidade de hoje, tem cliente que não quer ser gravado por motivos pessoais: “Decidimos que, se ele não quer, não gravamos; a nossa URA avisa que a conversa está sendo gravada. E também temos a realidade em que o cliente usa essa gravação para entrar na justiça. Temos a situação em que o juiz pediu a gravação como prova e outra em que o juiz não deu valor jurídico a ela”, informou o participante para ilustrar a diversidade de casos que o assunto comporta.
“Enquanto não tiver legislação específica sobre isso, você vai cair no entendimento do juiz”, esclareceu a advogada. Sandra informou que está em discussão o Projeto 268/99, que pretende definir os limites da utilização de dados pessoais. Quanto à gravação, ela comentou que tudo depende muito do uso que lhe será dado.
Quando surgiu o interesse em saber mais sobre o tratamento da gravação em outros países, Patrícia Souza disse que, na Europa e na Ásia, é bastante utilizada a gravação tanto do cliente como do agente: “Tem Estados americanos que não permitem gravar nada, pois nos Estados Unidos a legislação varia. Na Europa também cada país tem um tipo de legislação, e na Argentina ainda não existe legislação”.
Os integrantes da mesa foram solicitados a falar sobre o uso da gravação como recurso de monitoração dos operadores. Na opinião de Adrien Cunha, “às vezes, dependendo da política da central e das circunstâncias, todos os operadores merecem ser avaliados de forma rigorosa. Pode-se ter necessidade de intensificar o processo de monitoria para todos.”
De acordo com Patrícia Souza, a avaliação da qualidade do atendimento, permitida pela gravação, pode chegar a um nível tão avançado que acaba definindo o perfil do agente.