Inovações nos levam a transitar por extremos

Autor: Cláudio Garcia
Um dos mais interessantes fenômenos de qualquer processo evolutivo é o quanto transitamos por extremos. Seja por simples irracionalidade ou incapacidade de discernimento, seja por estarmos lidando com algo desconhecido, que necessita de tempo para manifestar todos os seus aspectos possíveis.
Um caso emblemático desse paradoxo foi o recente fenômeno das redes sociais. Apesar de todos os benefícios que creditamos a elas (lembra da Primavera Árabe?), só nos últimos anos ficaram evidentes os danos (e bem severos) que essas ferramentas criaram às sociedades (monopólios, desinformação, polarização política) e pessoas (exploração da privacidade, aumento do índice de depressão, suicídios, pressão social).
Para onde olhamos podemos identificar fatos semelhantes. Um exemplo interessante está na educação. Não há nenhuma dúvida sobre o déficit educacional que temos no mundo e ainda mais em países emergentes. E é fascinante imaginar como o poder da tecnologia pode nos ajudar a resolver esse problema: soluções escaláveis que reduzem a dificuldade de acesso e reduz absurdamente o custo por indivíduo. Baseado nessas possibilidades o setor de tecnologia em educação (conhecido como “edutech”) espera crescer cerca de 18% ao ano até 2025 – o que significa praticamente dobrar uma indústria que hoje é estimada em cerca de 150 bilhões de dólares.
Ao mesmo tempo em que a tecnologia é usada na tentativa de oferecer aprendizado de qualidade às massas, nas regiões mais ricas ao redor do mundo as escolas e famílias ricas tentam fugir dela. Em regiões como San Francisco, Nova York, Londres, entre outras, a procura por escolas sem telas, que acreditam que o acesso à tecnologia pode esperar, tem aumentado consideravelmente. Aparentemente isso tem alguma razão de ser. Mais tecnologia significa mais tempo de tela. E apesar de toda boa intenção por trás de metodologias de ensino on-line e das teorias que as justificam, é difícil compreender qual o real impacto dessas tecnologias no longo prazo, justamente por serem novas.
Impactos positivos na maioria das vezes são observáveis em um prazo bem mais curto do que os possíveis efeitos colaterais. Evidências recentes sobre o uso de outras tecnologias mostram que tempo de tela tem relação direta com baixo desempenho em testes de raciocínio e linguagem. Ainda mais assustador é que, em crianças que passam mais tempo em telas de celulares ou tablets, o cérebro se desenvolve de forma diferente. Ainda não se sabe qual será o impacto disso em suas vidas (as pesquisas associadas a esses resultados ainda continuarão por um longo período), mas as possibilidades não são animadoras.
O movimento para o uso de tecnologia para treinamento e desenvolvimento também aumenta em organizações com a mesma lógica: se pode custar menos, por que não? Corporações, de forma geral, não são muito eficientes em lidar com o longo prazo, principalmente em campos mais subjetivos. Óbvio que cursos on-line aceleram o acesso a conhecimento e práticas, e mesmos temas mais subjetivos ou vivenciais podem se beneficiar deles. Mas caráter, capacidade de influenciar, liderar e colaborar não se aperfeiçoam na parcialidade do mundo virtual.
Apesar da quantidade de pesquisas que reforçam que essas capacidades sociais e interativas (conhecidas como soft skills) serão fundamentais para a criação de diferenciais competitivos, temos um mundo sendo fisgado ou empurrado para telas. A polarização e conflitos que constantemente vemos nas redes sociais mostram que elas não são o melhor palco para se aprender essas habilidades. Um desafio enorme para sociedades e organizações, se não cuidarmos de como estamos preparando as novas gerações para essa realidade.
Sou um entusiasta tecnológico, fascinado pelo tema e pelas possibilidades que elas criam. Compro e exploro todo dispositivo e software novo que é lançado no mercado. Da mesma forma, sou um apaixonado por entender o mundo não tão lógico de pessoas e organizações. Tecnologias estão sempre transformando o mundo, na mesma medida em que trazem seus aspectos negativos e imprevisíveis.
Acredito que eliminar completamente tecnologia do aprendizado é uma tolice, assim como achar que ela solucionará tudo. Mas como aprendi recentemente, tendemos a nos entusiasmar e superestimar o que a tecnologia pode fazer no curto prazo ao mesmo tempo que subestimamos seu poder no longo prazo – para o bem e para o mal. Seria mais saudável se fosse ao contrário.
Cláudio Garcia é vice-presidente executivo de estratégia e desenvolvimento corporativo da consultoria LHH, baseado em Nova York.

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