O cliente é o rei, mas seu castelo é de cartas

Enio Klein
Uma das frases mais comuns que escutamos nos últimos anos quando o assunto é relacionamento com clientes é a famosa “O cliente é o nosso rei…precisamos comprendê-lo e agradá-lo…estender o tapete vermelho”. Algumas vezes está retórica até se transforma em realidade no dia a dia. Na maior parte dos casos a experiência que vivenciamos não parece corresponder ao espírito da frase.
As empresas têm o direito de agir com os seus clientes das forma mais convenientes a seus interesses desde que preservados os limites da ética e do direito comercial. Assim, têm liberdade de tratar o cliente da maneira que seus gestores considerarem adequada. Entendo, portanto, que se as empresas acharem por bem desconsiderar o seu cliente em suas ações comerciais, em lançamento ou retirada de produtos ou em outra ação qualquer será, seu pleno direito, desde que, respeite as leis vigentes. A estratégia de relacionamento é prerrogativa das empresas e a decisão de continuar com aquele fornecedor é o direito do cliente.
Nestes tempos de produtos e serviços com valor agregado, a expectativa do cliente será, evidentemente, ampliada, se for percebido como valor o tratamento que ele terá de seu fornecedor. É portanto parte do produto vendido o prazo de entrega, a qualidade do produto, o atendimento pós-venda e diria até a percepção da retórica que as empresas usam para conquistar o cliente. “Sou o rei”.
Não é portanto, honesto, anunciar algo que não se entrega. Não é justo espalhar aos quatro ventos que o “cliente é o rei”, “que as estratégias são diferenciadas em função da importância do cliente”, quando na prática, não é isto que se percebe. Se o que é anunciado é o “produto de valor agregado” todos os aspectos são parte da venda. Não entregar no prazo, descontinuar o produto sem aviso prévio, não fornecer serviço pós-venda adequado deve ser considerado como falha no “produto” e tratado como tal.
Existem inúmeras razões que levam ao imenso distanciamento que existe entre a retórica e a realidade ou entre a “intenção e gesto” quando se trata de levar ao dia a dia das centrais de relacionamento o espirito anunciado com grande pompa e premiações grandiosas. Infelizmente elas ainda estão nos porões, escondidas a sete-chaves, mascaradas pelo glamour que a atividade de relacionamento com clientes parece ter para alguns. Consistência também tem charme e merece atenção.
Veja você internauta, eu era cliente de uma operadora de telefonia celular há quatro anos e por uma daquelas circunstâncias que são difíceis de entender possuia um contrato corporativo. Você poderá acreditar que isto era ótimo, que tinha tratamento diferenciado. Errado. O atendimento era difícil já que na central de atendimento, sempre me informavam que precisava falar com o meu gerente de contas. Nunca conheci ou soube quem era esta personagem.
É verdade que quando meu aparelho foi roubado tive da então operadora local – antes da consolidação – um tratamento exemplar. O que me fez continuar com ela apesar do plano não ter nada a ver com o meu uso e pagar mais do que devia. Por outro lado, jamais consegui ajustar o dito plano porque nunca consegui achar o tal gerente de contas. Mais recentemente a operadora – agora já nacional – trouxe a alternativa de uma nova tecnologia. Tentei fazer um upgrade tecnológico e finalmente ajustar o uso ao preço. Novamente veio a questão do gerente de contas que finalmente se tornou real: “bem, pelo seu contrato a migração de tecnologia custará em tarifa promocional…”.
Um exemplo de entendimento das necessidades do cliente. Pessoa física, tratada como júridica com preços corporativos promocionais duas vezes e meia maiores que os não corporativos e do que os concorrentes na mesma tecnologia. Percebi que era mais fácil cancelar a linha e trocar por outra. Mas todos sabemos que cancelar é uma coisa complicada normalmente, imaginem com a presença do gerente de contas.
E assim foi até que agora em dezembro último a história teve finalmente o seu desfecho. A linha passou a ter problemas de cobertura e congestionamento no meu bairro. Isto quer dizer não funcionava. Liguei para a central de atendimento algumas vezes, fui instruido a re-programar o aparelho outras tantas vezes, fiquei sem caixa postal e finalmente me disseram que não sabiam porque não funcionava.
Quando perguntei se a nova tecnologia também dava problemas me disseram que não tinham registros e me sugeriram ligar para uma tal de “central de relacionamento” e que eventualmente ganharia um bônus e quem sabe até um aparelho novo. Disse que apenas queria que o telefone funcionasse e que não estava pedindo nada. O agente disse: “honestamente, não vejo outra solução para o senhor”.
Liguei para a central de relacionamento. O agente que me atendeu disse que não havia registro da minha reclamação e que se não havia registro não havia o que questionar. “Olha”, disse eu, “se vamos começar por aí, acho melhor, para evitarmos aborrecimentos, que você cancele a linha e fim de conversa”. Sem argumentar muito o agente então retrucou “aguarde que estarei informando o protocolo de cancelamento” e a ligação caiu.
“Milagre”, falei eu para minha mulher que estava do lado, “disseram que vão cancelar”.
E o mais surpreendente, no dia seguinte minha linha não mais existia. E o contrato corporativo? E o gerente de contas? E o telefone em comodato? Bem este último coube-me devolver pelo correio, com AR, e esperar que tudo corra bem. Fim do relacionamento. Só faltou devolverem os minutos que me cobraram e eu nunca usei mas aí era o tal do plano.
A TV a Cabo também nos traz experiências. Gosto de futebol e carioca que sou, me deixei levar pela oferta de transmissão do campeonato do Rio de Janeiro no ano passado. É claro que não foi só isto, mas com certeza fez parte do “produto agregado” que me fez trocar de fornecedor. Este ano, para minha surpresa, ao ligar para central de atendimento, fui informado que esta oferta seria feita para um monte de cidades no Brasil todo, menos São Paulo. Não tomarei mais o tempo de vocês, internautas, pois a conversa foi longa. O fato é que eu fiquei sem o produto e sem a menor explicação do porque. Será que como cliente não merecia pelo menos um e-mail explicando que não teria mais o produto e o motivo? Registrei uma reclamação e uma solicitação de esclarecimentos na central de atendimento. Quando tiver uma resposta, eu conto a vocês.
Nos dois casos não se pode de forma alguma condenar as empresas pela forma com que as coisas são conduzidas. Embora o senso comum nos leve a crer que são processos sem uma consistência mínima, as empresas e seus gestores têm o direito de fazerem o que entenderem ser o melhor. Condenável, contudo, são mensagens publicitárias, campanhas de marketing, estratégias divulgadas e retóricas premiadas que na prática não são executadas. Pelo menos na maioria dos casos. Não é ético.
A retórica do “nosso cliente é o rei…” é percebida no dia a dia como na antiga marchinha de carnaval que ouvia quando criança:
“…que rei sou eu?
Sem reinado sem coroa
Sem castelo nem rainha
Afinal que rei sou eu?…”.
Talvez tenha até um castelo, mas tão frágil quanto o de cartas que se destrói ao menor movimento.
Enio Klein é diretor da K&G e professor dos cursos de MBA/Marketing da FEA/USP.

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