Transcorrido mais de um ano do início da pandemia provocada pela Covid-19, a ADP Research Institute realizou uma nova pesquisa global, junto a 32 mil trabalhadores (tanto tradicionais quanto freelancers), em 17 países, de quatro continentes diferentes. O objetivo foi mapear quais os impactos das mudanças neste período sobre os trabalhadores, como estes lidam com as alterações e as suas perspectivas sobre os próximos cinco anos.
Em termos globais, embora a maioria (86%) dos profissionais ainda mostre otimismo a respeito dos próximos cinco anos no local de trabalho, esse número é menor do que os 92% da pesquisa anterior. Esse declínio pode ser explicado pelo fato de que 28% relatam ter perdido o emprego, temporária ou permanentemente, ou recebido dispensa temporária parcialmente remunerada. Além disso, quase um trabalhador em quatro (23%) teve que aceitar um corte de remuneração. Já os brasileiros, a despeito de também demonstrarem um declínio quanto ao otimismo em relação ao local de trabalho nos próximos cinco anos, esta oscilação foi pequena em comparação à média global, ficando com 86% dos trabalhadores se sentindo otimistas neste levantamento, frente aos 89% do estudo anterior.
A pesquisa expõe, ainda, que, no geral, o impacto na segurança do trabalho e no otimismo é desigual, com os trabalhadores mais jovens sendo os mais afetados. Quase quatro em cada cinco (78%) trabalhadores da Geração Z (18-24 anos) sentem que suas vidas profissionais são afetadas e dois em cada cinco (39%) relatam que perderam o emprego, foram dispensados ou sofreram uma dispensa temporária de seu empregador. Como resultado, o otimismo entre a Geração Z caiu substancialmente (de 93% para 83%), muito mais do que qualquer outra geração.
Na análise da VP de Recursos Humanos da ADP na América Latina, Mariane Guerra, o mercado de trabalho global já vinha passando por profundas transformações nos últimos anos, principalmente em razão das aceleradas mudanças tecnológicas. “Por este motivo, o impacto do cenário trazido pela COVID foi assimilado de forma distinta por trabalhadores de diferentes regiões. Na área do Pacífico Asiático, por exemplo, o otimismo teve uma queda de 5% neste estudo, mas ainda permaneceu muito alto, com 90%. Isso mostra que as peculiaridades regionais seguem como item importantíssimo para os gestores. Outros destaques registrados no levantamento são os seguintes:
Condições do local de trabalho
As horas extras não remuneradas alcançaram a média de 9,2 horas por semana, um aumento acentuado em comparação às 7,3 horas do ano passado. O número de “horas gratuitas” fornecidas aos empregadores é maior entre os trabalhadores híbridos (que dividem o tempo de trabalho entre o escritório e a casa).
Ao mesmo tempo, os profissionais sentem que podem se beneficiar de acordos de trabalho flexíveis, uma afirmação feita por 67% deles hoje, contra 26% antes da pandemia. Praticamente a metade (47%) afirma que seus gerentes permitem uma flexibilidade maior do que a oferecida na política da empresa. E quase metade (46%) dos entrevistados globais afirmaram que assumiram responsabilidades adicionais no trabalho, seja para compensar colegas que perderam suas funções ou – especialmente quando se trata de trabalhadores essenciais (55 %) – para lidar com a carga de trabalho extra que o COVID-19 criou.
Na América Latina, para as pessoas empregadas, a carga de trabalho só pareceu aumentar. A proporção de trabalho extra não remunerado aumentou significativamente, com a média em toda a região alcançando 6,5 horas por semana, contra 4,5 antes da pandemia.
Remuneração e desempenho
A pandemia coloca o desempenho dos funcionários em destaque. Os trabalhadores admitem que as mudanças no local de trabalho ofereceram oportunidades para desenvolver novas habilidades ou embarcar em novas trajetórias de carreira que consideram satisfatórias ou que revelam seu potencial de maneiras imprevistas.
Mais de um em cada quatro trabalhadores (28%) relatou ter assumido uma nova função ou mudado seu escopo de trabalho devido à perda de empregos em sua organização. Mais uma vez, os trabalhadores da Geração Z tiveram que ser os mais ágeis, com mais de um em cada três (36%) mudando de função ou assumindo uma nova;
E há pontos positivos, já que a maioria dos funcionários foi recompensada financeiramente por seu comprometimento, com quase sete em cada dez (68%) recebendo um aumento salarial ou um bônus. Entretanto, o problema de pagamentos aos menores afetou mais de três em cada cinco trabalhadores (63%), e há maior ocorrência de pagamentos em atraso. Mesmo quando a remuneração é calculada corretamente, a falta de alinhamento entre os cronogramas de pagamento e o vencimento das contas pessoais causou problemas financeiros para uma proporção significativa da força de trabalho (24%).
Na América Latina, mais do que em qualquer outro país na região, os trabalhadores chilenos foram os mais propensos a receber um aumento salarial ou um bônus por assumir responsabilidades adicionais ou novas funções devido a perdas de emprego pela COVID em suas organizações: seis em cada dez (61%), comparados a 56% no Brasil e 54% na Argentina. Os brasileiros foram mais propensos do que seus colegas em outros países da América Latina a receber treinamento para lidar com as mudanças (42%).
Mobilidade no trabalho
A pandemia mudou onde e como os trabalhadores trabalham e moram. Menos de um ano após a COVID-19 ter sido promovida a uma pandemia, seu impacto já havia levado 75% da força de trabalho global a mudar ou a fazer planos de mudança em sua moradia, chegando a 85% na geração Z. Um em cada sete trabalhadores (15%) está ativamente tentando passar para um novo setor que acredita ser mais seguro no futuro. Comparado a um ano atrás, o apetite pelo trabalho freelancer – a opção de trabalho mais flexível e de maior mobilidade que há – cresceu no Pacífico Asiático (de 14% para 17%) e na América Latina (de 19% para 23%), permanecendo estável na Europa e diminuindo na América do Norte.
Mais da metade (54%) da força de trabalho global afirma estar mais interessada em contratos de trabalho desde o advento do COVID-19, isso porque eles acreditam que existem novas oportunidades para executar trabalhos por contrato (35%) ou porque aprenderam novas habilidades que podem aplicar em contratos de trabalho (32%).
Na verdade, os trabalhadores mais velhos são os mais abertos à ideia de mudança para o trabalho por contrato (29% dos maiores de 55 anos e 22% dos 45 aos 54 anos), seguidos da Geração Z (19%). No entanto, a maioria dos trabalhadores (83%) ainda optaria por um emprego permanente e tradicional em vez de um contrato de trabalho, uma proporção que se mantém relativamente inalterada desde o ano passado.
Na América Latina, três quartos dos trabalhadores assumiram mais responsabilidades ou mudaram de função como resultado da perda de empregos pela COVID-19 (74%). A maioria deles sentiu‑se extremamente preparada ou bem preparada para lidar com as novas tarefas, com os argentinos indicando a maior confiança (75%). O apetite pelo trabalho freelancer no Chile está entre os maiores no mundo, com um quarto (25%) dos trabalhadores indicando que escolheriam esse modelo a um emprego tradicional, embora esse índice tenha diminuído de um terço (33%) no ano passado. O Brasil não fica muito atrás, com 23%, frente aos 18% da pesquisa anterior.
Gênero e família
Dois terços (67%) da força de trabalho global afirmam que foram forçados a conciliar trabalho e vida pessoal por causa do impacto da pandemia, e o estudo mostrou alguns pontos preocupantes específicos para mulheres e para quem tem filhos.
Entre pais e mães que trabalham, 15% relataram que eles, ou outra pessoa da família, deixaram o emprego voluntariamente, um número que chegou a 26% entre pessoas com crianças com menos de um ano de idade. Metade dos entrevistados (52%) acha que os benefícios concedidos aos pais e mães trabalhadores pelos empregadores serão retirados dentro de um ano. Nesse panorama, as mulheres são mais propensas a relatar dificuldades para controlar o estresse e a ter mais dúvidas quanto às perspectivas de emprego do que os homens. Além disso, as mulheres também são menos propensas a receber aumentos salariais ou bônus ao assumir responsabilidades adicionais ou trocar de função, com a América do Norte mostrando maior disparidade.
Já na América Latina, mais de seis em cada dez (63%) afirmam que a pandemia os forçou a fazer escolhas ou concessões entre vida pessoal e profissional. No Brasil, na Argentina e no Chile, equilibrar o trabalho e as necessidades da família foi o maior desafio no período pandêmico (22% afirmaram isso), mais do que manter a saúde (18%), questão considerada mais importante globalmente.