Autora: Janaina Foleis
Divulgado recentemente pelo IBGE, o Censo 2010 revelou um dado estarrecedor: 55% das pessoas com algum tipo de deficiência não conseguem vaga no mercado de trabalho. O número confirma que o direito de igualdade assegurado pela Constituição Federal a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no País não é cumprido nem mesmo com a Lei 8213/91, que determina cotas para a contratação de pessoas com deficiência. Na minha prática profissional – como responsável pelo Programa de Inclusão e Integração de PCDs no mercado de trabalho da empresa Nepacc – convivo diariamente com essa questão e posso garantir que soluções simplistas não irão resolvê-la.
A partir de uma análise não muito profunda, notamos que as pessoas com deficiências têm um longo histórico de direitos desrespeitados. Por muito tempo, elas viveram à margem da sociedade, sem acesso à educação nem à profissionalização, sem garantias do direito de ir e vir. Fatalmente, foram banidas da atuação profissional e de uma fonte de renda que poderia permitir melhorias em suas condições de vida e em sua autonomia – o que tornaria desnecessário o olhar assistencialista que hoje se lança sobre elas.
Toda legislação que faz cumprir um direito já previsto pela Constituição Federal parece tentar corrigir um engano que provocou determinada situação de desigualdade social. A lei de cotas também cumpre esse papel ao supostamente garantir que pessoas com deficiência tenham a oportunidade de inserção no mercado de trabalho e na sociedade como um todo. Porém, o fato dessas contratações acontecerem por força da lei dá margens a um pensamento equivocado de favor ou caridade e isso pode comprometer o desempenho do profissional com deficiência, bem como dificultar as relações interpessoais no ambiente de trabalho. Consequentemente, o processo de fidelização do colaborador com deficiência é prejudicado, o que significa aumento de turn over.
Muitas fantasias relacionadas às dificuldades e aos comportamentos diferenciados no trato com PCDs são criadas tanto entre os colegas de trabalho quanto entre a equipe de gestores. Mas o fato é que pessoas com deficiências podem exercer qualquer atividade profissional, considerando apenas as limitações da sua deficiência, as quais não são maiores que a força das limitações de acessibilidade. Com espaço e recursos adequados, estímulo e valorização, as pessoas com deficiência podem contribuir e contribuem de forma positiva e construtiva na atuação profissional.
É importante, contudo, compreender as dificuldades encontradas pela empresa para garantir que essa inclusão seja favorável ao negócio e às relações de trabalho. É nesse ponto que entendo que a lei de cotas serve para favorecer uma mudança cultural e comportamental, pois a organização, que até então não se deparava com essa diversidade, deverá agora se adequar para possibilitar a inclusão de deficientes.
A primeira mudança nesse sentido deve ser compreender quem são as pessoas com deficiência e o quais as suas limitações, pois o preconceito que advém da falta de informação é o maior entrave no processo de integração. É preciso, por exemplo, entender que a dificuldade de encontrar pessoas com deficiência qualificadas para o exercício profissional se deve a uma cultura social que não permitiu o acesso delas a essa formação, o que não pode ser caracterizado como incapacidade.
O segundo passo é sensibilizar toda a equipe para receber esses profissionais, estágio fundamental para a inclusão. A sensibilização pode acontecer através de palestras ou grupos de apoio coordenados por profissionais ou empresas qualificadas e com conhecimento do tema para auxiliar e esclarecer todas as dúvidas e incertezas sobre a questão. Uma empresa que consegue estruturar não apenas a adequação do espaço físico e as ofertas de recursos de acessibilidade, mas também preparar seus colaboradores garante a inclusão e a integração de pessoas com deficiência de forma ampla. Isso diminui os gastos de contratação e desligamento, característicos de quando o processo ocorre sem nenhum cuidado ou manejo adequado.
Devido à “adequação a lei de cotas”, não faltam oportunidades de emprego às PCDs, o que de certa forma contribui para a sua alta rotatividade. Para fidelizar esse colaborador é preciso de fato ter uma cultura voltada para ele. A empresa inclusiva deve oferecer não apenas vagas, mas oportunidades de crescimento, plano de carreira e desenvolvimento profissional. A todos os profissionais, deficientes ou não.
Janaina Foleis é psicóloga com formação em terapia cognitiva comportamental e especialização em dependência química e faz parte do Nepacc, Núcleo de Estudos, Pesquisa e Aplicação Comportamental e Cognitiva.