Viagem sem fim



Autor: José Teofilo Neto


Treinamento é um processo e, portanto tem um início sob controle, com objetivos bem planejados, materiais de instrução adequados e com ótima previsão de resultados. Mas é só o início de uma longa viagem, com imprevistos que nos tiram do rumo projetado. O ser humano é único e surpreendente. Diante de novos conhecimentos pode descortinar horizontes brilhantes, ou pode enxergar ameaças à sua atual posição. Crenças, convicções, experiências passadas, descrédito, confiança, desafios, medo, tudo isto está presente diante do novo.


Ao analisar cursos destinados para os profissionais iniciantes em televendas,  fico mais para o adestramento que para o questionamento, desenvolvimento de idéias, formulação de novas atitudes. Culpa de quem? Mais dos instrutores e também dos alunos, respondo.


Na segunda metade da década de 80, quando surgiram as primeiras empresas de telesserviços lidava-se com o novo. Da parte dos alunos, havia muita  descrença na atividade despertando o interesse de pessoas sem a educação escolar formal. E o remédio mal receitado era o adestramento. Repetir, até decorar. Os alunos eram trancados numa sala e ouviam durante horas uma fita gravada com o script a ser dito. A grande atividade era televendas! Por se tratar de atividade nova, a surpresa do contato telefônico e a benevolência dos contatados, fez com que o telemarketing decolasse rapidamente.


Paralelamente crescia o interesse pela atividade de SAC – as exigências do código de defesa do consumidor ajudaram muito – e então surgiram cursos de atendimento, quase todos fundamentados na cortesia e na educação. Os clientes até se sentiam diferenciados com tamanha postura, mesmo que os problemas não fossem resolvidos a contento. Pelo menos havia alguém para me ouvir!


Os negócios prosperavam e os bons teleatendentes e televendedores progrediam e se transformavam em supervisores, treinadores e depois gerentes e perpetuavam acertos e erros. A prosperidade despertou o interesse de novos profissionais. Surgiu a atividade de monitoria com a nobre e depois deturpada função de aprimorar a qualificação do pessoal, pois ao identificar falhas pontuais poderia corrigi-las. Hoje é o maior instrumento de punição que conheço, destruindo talentos e vidas. Pois bem, isto é o passado você pode estar questionando…


Podem ter mudado o nome de tudo, inserido palavras em inglês, mas me aponte um contato que você tenha recebido lhe oferecendo cartões, assinaturas, seguros, serviços telefônicos, campanhas de celulares, cobrança, etc., que não seja um show de horrores.


Começaassim: “boataaaaardeomotivodemeucontatoéqueseunomefoiselecionadodevidoseu bomrelacionamentocomercialeestoulheoferecendoaaberturadecontanobancotalcomo osenhorsabetemos6834agencias3562….. pontosdeatendimentoalcomojádisseetemmaistemos8datasparaosenhorescolheromelhordiadopagamentodamostambémum chequespecialnovalordesuarendamensaldeclarada…bastandocomprovante.
Pausa para respirar… está arfand… Ecomoestavalhefalando…”


E nas de centrais de relacionamento? O atendimento começa pela URA – se não fosse uma sigla, bem que poderia ter sido retirada da palavra tortURA –  e também não difere quase nada do acima.


Nas atividades de televendas no segmento industrial não sobra quase nada. A maioria se limita a ligar, pedir cotação e avisar que acompanha a concorrência, quando seus preços são mais altos!


Devido o sucesso dos cartões de crédito, celulares e TV a cabo, surgiu também a figura da retenção, que nada mais faz que reter o cliente… na linha por longos períodos, derrubar as ligações e, para os insistentes, oferecer mundos e fundos de vantagens para o cliente ficar. O nome mais apropriado não seria capitulação?
O sucesso deixa-nos cegos. E esta cegueira hoje está trazendo a repulsa à atividade pela sociedade, pois estamos parados no tempo. Perpetua-se a mesmice de tempos atrás.


Chamamos de treinamento em vendas, a dissertação feita pelo representante do contratante/fornecedor que deita falação sobre o produto, suas características e benefícios. Maravilha melhor não há! Como tratar objeções? Basta retrucar, ou não ouvir, o que a outra parte questiona e insistir nos benefícios, retomando o script. Fale todos os benefícios, é a ordem. Sobre a concorrência, apontar suas falhas. E então são feitas algumas simulações com todo mundo batendo palmas, abraços, chama-se isto de integração. Nooooossa, gente!


Isto é o que há de melhor, pois muitos investem tempo enorme em tratar de cortesia, quando se trata de venda  receptiva, pois afirmam que se o cliente ligou é porque quer comprar, ora!


E o treinamento dos despreparados supervisores e coordenadores? Um pouco de liderança e motivação. E os monitores? Sabem colocar x no questionário de avaliação e  na entrevista de avaliação, que todos chamam de feedcréu, liberam seu lado pitbull.


E os analistas que programam as URA´s, será que são deste mundo? E aqueles que geram procedimentos achando que o atendente tem que ter jogo de cintura para driblar suas neuroses expostas sob a forma de normas. E o pessoal de TI que consegue informar quanto tempo vai demorar o atendimento, mas não consegue convencer ninguém para descongestionar a central? E o cara do comercial que está vendo que o mailing é uma porcaria e insiste nos resultados ou inventa uma campanha motivacional!
Qual o remédio? Talvez seja aceitar a sugestão do poeta e viver em Pasárgada.


José Teofilo Neto é diretor da Comunicação Direta, educador profissional e consultor de empresas. ([email protected])

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