VoIP deve movimentar mercado

Marcela W. Ejnisman e Fernanda B. Casella França
A chamada Voz sobre IP (Internet protocol), ou VoIP (voice over Internet protocol), caracteriza-se pela transmissão de sinais de voz usando o protocolo IP das redes de dados pública ou privadas. A expectativa é de que a VoIP seja um dos principais setores de crescimento do mercado de telecomunicações nos próximos anos.
Muitos especialistas do mercado prevêem que a VoIP será capaz de mudar radicalmente tanto o setor de telecomunicações como o de comunicação de dados. Atraente por permitir que aplicações de telefones e de computadores operem numa mesma rede, favorecendo, conseqüentemente, o uso mais eficaz da infra-estrutura, bem como pela redução dos custos, a VoIP pode se tornar uma alternativa importante à rede pública.
Um dos desafios para a consolidação da VoIP é a questão regulatória. Já se discutiu se a VoIP poderia ser considerada um serviço de telecomunicações, um serviço de valor adicionado ou uma tecnologia. Nos termos da definição estabelecida pela Lei Geral de Telecomunicações (LGT), serviço de telecomunicações é o conjunto de atividades que possibilita a oferta de telecomunicações, que consiste na transmissão, emissão ou recepção, por fio, rádio eletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza.
A LGT também estabeleceu que serviço de valor adicionado é a atividade que acrescenta novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde. Serviço de valor adicionado não é serviço de telecomunicações e seu provedor é classificado como usuário do serviço de telecomunicações que lhe dá suporte.
Desse modo, existem correntes que defendem que, caso seja identificado que a comunicação via VoIP envolve transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza, tal fato caracterizaria a VoIP como um serviço de telecomunicações, nos termos da definição trazida pela LGT. Isso porque a definição de serviços de telecomunicações não se vincula a qualquer tecnologia ou a qualquer meio de prestação de serviços, mas sim ao conceito de transmissão, emissão ou recepção.
Contudo, outros defendem que, por ser oferecida através de um protocolo aplicado à Internet, e sendo o serviço de acesso à Internet um serviço de valor adicionado, o qual acrescenta novas funcionalidades a um serviço de telecomunicações preexistente, a VoIP também deveria ser considerada um serviço de valor adicionado, não sujeito às regras e obrigações impostas pela regulamentação de telecomunicações.
A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) posiciona-se, ainda que informalmente, no sentido de que a VoIP nada mais é do que uma tecnologia, a qual não pode ser classificada como um novo serviço de telecomunicações nem tampouco confundida com os serviços de Internet (serviço de valor adicionado).
Além disso, entende a Anatel que a empresa que oferta Voz sobre IP ao público em geral deve necessariamente deter concessão, permissão ou autorização para a prestação de Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC), Serviço de Comunicação Multimídia (SCM) ou Serviço Limitado Especializado (SLE), este último restrito a serviços oferecidos a pessoas jurídicas e cuja licença não é mais outorgada pela Anatel.
Na prestação do SCM não é permitida a oferta de serviços com as características do STFC, ou seja, o encaminhamento de tráfego telefônico simultaneamente originado e terminado nas redes de STFC. Em resumo, o SCM somente pode ser prestado quando iniciado ou terminado na rede pública. Além disso, as autorizatárias do SCM não precisam atender aos compromissos de abrangência e atendimento estabelecidos aos prestadores de STFC, o que pode ser considerada uma vantagem, tendo em vista que tais compromissos são complexos e onerosos.
O que se verifica na prática é que a busca por uma licença de SCM vem aumentando cada vez mais e as prestadoras desse serviço oferecem a VoIP a preços bastante reduzidos aos usuários. De outro lado, empresas estrangeiras estão ofertando VoIP à população brasileira, sem presença no Brasil, à distância, e, por esse motivo, não estão se considerando obrigadas a cumprir com as regras impostas pelo Governo Brasileiro, mais particularmente a Anatel.
Esse cenário incomoda as atuais prestadoras de serviços de telefonia fixa, principalmente aquelas que, após o Leilão do Sistema Telebrás, passaram a ser detidas pela iniciativa privada e prestam o STFC sob forte tutela regulatória da Anatel. Tais concessionárias de STFC possuem compromissos de continuidade e universalização dos serviços, o que exige pesados investimentos complementares a fim de assegurar à sociedade brasileira a adequada prestação dos serviços telefônicos.
Independente da oferta ser realizada por empresas estrangeiras ou por intermédio de prestadoras de SCM, a VoIP tem permitido a transmissão de voz através do protocolo IP com uma qualidade quase tão boa quanto a do STFC. Para suportar essa competição, as concessionárias de STFC deverão se desdobrar para oferecer aos seus usuários descontos, novos planos e funcionalidades aos seus serviços, podendo inclusive estudar a hipótese de oferecer a própria VoIP. Na realidade, entendemos que, quando a primeira delas avançar nesse sentido, as demais seguirão a mesma tendência. Resta aguardar as medidas regulatórias e posicionamentos formais a serem tomados pela Anatel de forma a acompanhar tamanha revolução no setor de telecomunicações.
Marcela W. Ejnisman é sócia responsável pelas áreas de Telecom e Tecnologia da Informação da Tozzini, Freire, Teixeira e Silva Advogados.
Fernanda B. Casella França é advogada nas áreas de Telecom e Tecnologia da Informação da Tozzini, Freire, Teixeira e Silva Advogados.

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