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A recessão duradoura



Autor: Dan Ariely

 

Árduas horas de trabalho e com a esposa desempregada, Bernie Madoff (N.R.: Bernard Madoff, ex-financista de Wall Street, responsável por um rombo de US$ 65 bilhões e que se tornou o maior fraudador da história) fugiu com o dinheiro da família – por uma razão ou outra, a recessão forçou muitos consumidores a olhar detalhadamente seus orçamentos e revisar seus hábitos de consumo. E, então, percebemos mudanças drásticas na economia, como o aumento da taxa de poupança, o fim do “adormecido hábito do consumo” e uma imensa preocupação em valorizar ainda mais o dinheiro investido.

 

Isto, é claro, tornou ainda mais difícil a vida daqueles que trabalham com Marketing, assim como não são mais tão boas as ferramentas de propaganda que funcionavam no ano passado. O que me leva à pergunta de 1 milhão de dólares: Por quanto tempo as mudanças atuais do consumidor durarão? Elas são permanentes ou se reverterão diante da recuperação da economia (sempre que possível)?

 

A resposta não é aquela que vocês querem ouvir (desculpe-me).

 

Uma análise a partir da economia comportamental sugere que, ainda que não sejam permanentes, estas mudanças permanecerão por um longo período: somos criaturas verdadeiramente de hábitos – escolhemos um comportamento padrão e, sem pensar com sabedoria, o adotamos. Somente repensamos sobre este hábito quando existe uma boa razão para mudá-lo. Um golpe de recessão em nosso fluxo de caixa é razão suficiente para uma mudança de hábito; uma lenta mudança financeira para melhor já não é. Essa é a razão do surgimento de novos padrões de consumo a partir do colapso do mercado hipotecário norte-americano e a explicação por que permanecerão por muito tempo, mesmo após o fim da recessão.

 

Para exemplificar, reflitamos acerca dos altos e baixos no preço da gasolina nos últimos anos nos EUA. Há não muito tempo, os norte-americanos acostumaram-se à supervalorização dos preços, com veículos devoradores vorazes de combustíveis. Mesmo com os preços da gasolina disparando (de US$ 2,5 o galão para US$ 2,9, que depois subiu para US$ 3,8), os norte-americanos continuaram a comprar os mesmos tipos de carros. Entretanto, uma vez que os preços da gasolina bateram em certo patamar, a simbólica marca de US$ 4 o galão, repentinamente os consumidores sentiram-se ultrajados e começaram a migrar para veículos menores e híbridos.

 

Embora os preços estivessem num crescimento constante, foi preciso um número ameaçador como o 4 para amedrontá-los e fazê-los repensar o próprio consumo. Será que os consumidores norte-americanos deram para trás e voltaram a comprar carros grandes novamente? Não! Permaneceram com os novos hábitos de buscar carros menores e mais eficientes.

 

Deixe-me dar outro exemplo. A partir de um bem sacado estudo sobre pipoca, Brian Wansink (autor do maravilhoso livro “Por que comemos tanto?”) descobriu que estamos tão acostumados a comer pipocas nas salas de espetáculos que engolimos um punhado mesmo se estiverem velhas. Frequentadores de cinema comeram o mesmo número de grãos de pipoca, independentemente se a pipoca estava nova ou se tinha sido feita há duas semanas.

 

Por que somos assim, criaturas de hábitos?

 

Porque é mais fácil. Na verdade, o processo de tomada de decisões, mesmo as mais comezinhas, envolve um labirinto de complexas relações. A decisão de entrar repentinamente em uma Starbucks e pedir o de sempre é simples. Porém, a ponderação passo a passo se o café do Starbucks vale o preço (“Ou deveríamos ir a outro local?), se o capuccino e o “latte” são os melhores ou se realmente iremos desfrutar o café tanto quanto imaginamos é algo difícil de estabelecer.

 

Nossas mentes não estão adequadamente preparadas para este tipo de raciocínio. Então, a tendência das pessoas é fugir desse esforço e optar pela abordagem mais simples de seguir o hábito. Nós pensamos: “Bem, eu fiz isto ontem e eu estava feliz com a decisão – então deve ser uma boa idéia.”

 

Apenas em tempos de crise nós enxergamos uma razão para nos questionarmos: “Espere um momento, o que eu estou fazendo”? Aí, então, paramos, examinamos todos os fatores e aparece uma nova maneira de fazer as coisas – que é justamente o que os consumidores fizeram após o estouro da bolha financeira.

 

A fim de analisar o processo de formação dos hábitos de consumo, Drazen Prelec, George Loewenstein e eu fizemos algumas pesquisas (que estão detalhadas em meu livro “Previsivelmente Irracionais”). Em uma delas, solicitamos a estudantes de MBA que anotassem os últimos dígitos dos números de suas previdências sociais (o meu era 79) e, depois, perguntamos se pagariam aquele número em dólares (79 em meu caso), por exemplo, por uma garrafa do vinho Cotes Du Rhone da safra de 1998. Nós, então, pedimos para que anotassem a quantia máxima que eles pagariam realmente pelo produto.

 

Nossos resultados? A mera menção dos últimos dois dígitos do número da Previdência Social influenciou o quanto eles estavam dispostos a gastar pelo vinho. Estudantes com números de Previdência Social entre 80 a 99 colocaram valores entre 216% e 346% mais altos do que aqueles cujos números de Previdência estavam entre 1 e 20. Além do mais, este efeito se manteve nas escolhas seguintes que os participantes fizeram sobre produtos relacionados.

 

Na vida real, as pessoas normalmente não pensam a respeito dos últimos dois dígitos do número de suas previdências sociais. Em vez disso, elas se fixam em “âncoras”, que são os preços de etiqueta. Se você comprar um sofá por R$ 2 mil ou considerar seriamente fazer isto, a partir de então, nas próximas vezes, você somente estará disposto a aceitar uma diferença de preços se ela não variar muito da faixa dos R$ 2 mil. Como um elástico de bungee jump, a “âncora” original puxará você de volta. Em outras palavras: mesmo que a “âncora” seja frequentemente estipulada de forma arbitrária, uma vez estabelecida em sua mente, ela influenciará as decisões futuras – e de uma forma constante.

 

Dessa forma, a conclusão pode ser desdobrada em três itens. Primeiro, nosso hábitos são baseados em nossas decisões anteriores. Segundo, nossos hábitos podem ser estabelecidos aleatoriamente ou a partir de um ponto de partida arbitrário. E, finalmente, assim que iniciamos um hábito, não mudaremos prontamente. Portanto, o desafio e a oportunidade para as grandes empresas é desenvolver produtos, instrumentos e campanhas que façam as pessoas reconsiderar seus hábitos atuais.

 

Dan Ariely é professor do Massachusetts Institute of Technology e virá ao Brasil para a 43ª Convenção Abras, que acontece de 22 a 24 de setembro.

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