Imaginar uma sociedade melhor para se viver, uma organização ideal para se trabalhar, um local perfeito para desfrutar da nossa vida em família e horas de lazer é um assunto constante nas conversas de hoje em dia. A vida atual nos impulsiona cada vez mais para isso e nós não nos damos conta que inventar esses lugares que ainda não existem e lá colocarmos tudo o que achamos certo e que gostaríamos que ali estivesse é chamado de utopia.
E por que inventamos esses lugares perfeitos? Porque alguma coisa está errada em nossa realidade e portanto queremos dela escapar, criando situações ideais e diferentes das que vivemos. Engraçado, o conceito de utopia não te parece diferente? Pois é. A utopia é o elemento propulsor da busca pelas situações sonhadas, tornando-se ideologia e ao mesmo tempo movimento para alcançar tal estágio. Ela é positiva, faz com que sonhos virem realidade e estados possíveis de felicidade, equilíbrio e bem estar sejam alcançados.
Ora, se a utopia é positiva, por que algumas organizações agem, acredito que inconsciente dos efeitos de sua ação, no sentido de interromper a busca pela situação sonhada, criando situações ideais, mas que na realidade não existem, e levam as pessoas que trabalham nessas organizações a acreditarem nos boatos gerado pelos sistemas que deveriam ser de informação? E como elas conseguem esse feito? Surpreendam-se: através de práticas gerenciais incoerentes com a realidade por elas vividas.
Vou dar um exemplo. Você está no primeiro dia do mês, digamos de fevereiro. As vendas do mês anterior, no seu último dia, o dia 31 de janeiro, atingiram as metas previstas, mas o setor de faturamento não conseguiu emitir todas as notas fiscais até esse último dia. O que você faz? Mantém o seu sistema de informação com a data real, que é o dia 1o. de fevereiro, e reconhece que as metas de faturamento não foram atingidas ou então altera a data do seu sistema de informação, atrasando-a para o dia 31 e garantindo que as notas fiscais, que na realidade deveriam ser datadas com 1o. de fevereiro, sejam emitidas ainda como se fosse dia 31.
Quer outro exemplo? Você tem que cumprir uma meta importante. As vendas feitas no mês devem ser entregues até o último dia do mês. Acontece que a sua produção não dará conta do recado e os estoques em andamento somente passarão a ser estoque de acabados no primeiro ou segundo dia do mês seguinte. Qual é a sua decisão? Antecipar as entradas no estoque de acabados, utilizando um recurso que eu chamo de “estoque virtual”, isto é, existe em potencial mas não de fato, para permitir que o sistema de processamento de dados reconheça um estoque positivo e assim permita a emissão da nota fiscal e a respectiva baixa do estoque ainda dentro do mês ou reconhecer que sua meta não foi atingida.
Viu como é fácil criar situações irreais usando sistemas de informação? E quer saber o que é pior? Empresas investem em softwares integrados, os conhecidos ERPs (Enterprise Resource Planning), para implantar um sistema que gera boatos e não informações. Esse é um uso perverso dos sistemas de informação. Ele cria um ambiente de “faz de conta” ao sugerir um estado de coisas que não é real. Ele forja situações que você gostaria que fossem verdadeiras, mas que não existem. Como conseqüência suas metas deixam de ser levadas a sério e o que é pior, a constatação de que as coisas não estão boas não é percebida e os fatos que fariam seu pessoal sonhar com uma organização melhor são encobertos. Viu? A utopia foi interrompida.
Ivan Fonseca (www.ivanfonseca.com.br) é professor, palestrante e consultor. Ele pode ser contatado em [email protected]