Cliente passa a ver serviços bancários como commodity

A pandemia de Covid-19 em 2020 aumentou o contato digital entre clientes e bancos, ao mesmo tempo que os afastaram fisicamente. Houve crescimento do uso de canais online, ao passo em que se registrou queda da confiança do consumidor nos bancos. É o que aponta o novo relatório da Accenture, intitulado Banking Consumer Survey e embasado em pesquisas feitas com mais de 47 mil consumidores em todo o mundo, incluindo o Brasil. O relatório observa que, embora os bancos venham incentivando os consumidores a usar canais digitais para atividades bancárias transacionais, não havia como prever o dinamismo com que essa tendência se aceleraria depois da pandemia.

Com isso, apesar de os bancos, muitas vezes, verem a adoção digital como forma de reduzir custos e estar presentes nas mãos dos clientes o tempo todo, o rápido pivô dos serviços digitais existentes tem removido o elemento humano do banco, o que pode ter minado a confiança do consumidor. Por exemplo, menos de um terço (29%) dos consumidores pesquisados confia nos bancos para cuidar de seu bem-estar financeiro de longo prazo, em comparação com 43% dois anos atrás. No Brasil, os que confiam são 33%, comparados com 45% em 2018. Com a aceleração digital das instituições financeiras, os clientes passaram a enxergar os serviços bancários como commodity, em que a prioridade é a relação custo x benefício. Sem conexão emocional com o banco, o preço é o diferencial competitivo final para 37% dos consumidores.

O engajamento digital dos clientes bancários brasileiros é mais rápido do que a média global. A adoção em massa de canais digitais permeia todas as demografias, com escala e velocidade. Enquanto 35% dos respondentes da pesquisa no resto do mundo aceitaria o vídeo como canal de aconselhamento financeiro, 45% dos brasileiros o adotariam daqui para frente. O cliente aqui abriu mais conta não-primária (43%) do que o cliente no resto do mundo (24%). Além disso, no País, 63% dos respondentes disseram ter feito abertura de conta pelo celular (contra 37%) no mundo.

No Brasil, os neobanks são usados por 44% dos respondentes, dos quais 21% são clientes com uma conta primária (que costuma ser a mais movimentada) e 23% com uma conta secundária. A média global é de 23%, dos quais 12% têm contas primárias e 11%, secundárias. Estes dados podem exemplificar o perfil mais pioneiro do brasileiro do que a média global: 43% dos clientes de bancos no País em comparação com os clientes no resto do mundo, que é de 24%. Apenas 2% dos brasileiros se veem como clientes bancários tradicionalistas, frente a 16% de clientes no resto do mundo.

“Em um momento em que a confiança do cliente é extremamente importante, a recente mudança para o digital pode ameaçar os relacionamentos que os bancos trabalharam décadas para desenvolver”, disse Joana Henklein, diretora de Estratégia e Consultoria em Serviços Financeiros da Accenture no Brasil. “O aumento do envolvimento digital é muito importante para desenvolver o mercado, mas é preciso ir além das transações. Embora tenha permitido que atendessem aos clientes com eficiência durante a pandemia ꟷ e avançado suas estratégias digitais em até cinco anos em alguns casos ꟷ, a interação digital está muito conectada com as transações, sem interação que geram conexões com os consumidores. Para criar conexões fortes com os clientes, os bancos devem reimaginar os serviços digitais que fornecem e tornar essas conexões mais pessoais e relevantes.”

Esse cenário provavelmente contribui para o motivo pelo qual 23% dos consumidores acreditam que os bancos estão na melhor posição para fornecer produtos e serviços fora de suas áreas principais de especialização, em comparação com apenas 16%, 12% e 11 % dos entrevistados que disseram o mesmo para provedores de tecnologia, empresas de mídia social e neobanks, respectivamente.

Mudança comportamental permanente ou modismo inspirado na pandemia?
O relatório sugere que os bancos devem avaliar como o comportamento do consumidor foi afetado pela pandemia e determinar quais mudanças de comportamento são permanentes ꟷ observando, por exemplo, a popularidade crescente das chamadas de vídeo. Antes da Covid-19, apenas 15% dos consumidores haviam falado com um consultor de banco por videochamada, mas quase metade (46%) disse que estaria disposto a fazê-lo quando as agências reabrissem, e 35% disseram que prefeririam videochamadas para reuniões cara a cara.

“O fato de o Brasil alcançar 45%, 10 pontos percentuais à frente da média global, comprova como a natureza do cliente brasileiro é de adepto às novas tecnologias”, conclui Joana. “Os bancos, e incluo aqui os neobanks, agora precisam abraçar como os comportamentos em evolução do consumidor impulsionam a mudança. Devem criar ferramentas digitais que adicionem relevância e personalidade nas interações com um consultor humano no momento certo. A abordagem certa irá equilibrar as interações entre humanos e máquinas. Isso ajudaria muito a reforçar o relacionamento dos bancos com seus clientes, o que, por sua vez, pode construir confiança, lealdade e benefícios para ambos. Não basta o banco somente pensar no que vai falar com o consumidor. As instituições bancárias precisam repensar o onde, o quando e o como. Têm de ir além da conveniência e da eficiência”, completa.

Evolução da mudança
O relatório descobriu que o motivo que leva um cliente a trocar de banco, antes um indicador em tempo real do aumento da concorrência ou de clientes insatisfeitos, mudou nos últimos dois anos. Globalmente, a atividade de troca de conta primária diminuiu significativamente, com 3,8% dos consumidores dizendo que trocaram sua conta bancária primária nos últimos 12 meses, em comparação com 6,7% há dois anos.

“Medir a troca, no Brasil ou em todo o mundo, tornou-se mais complexo à medida que os consumidores complementam sua conta bancária principal com contas adicionais que atendem a propósitos específicos ꟷ resultando em clientes multibancos”, avalia Joana. “A mudança passou a ser uma erosão mais perigosa por gotejamento lento de parte da carteira. Isso mostra que a relação entre consumidor e banco está se tornando mais fragmentada, já que os consumidores podem abrir e colocar seu dinheiro em várias contas de forma rápida e fácil para atingir objetivos financeiros específicos ou simplesmente proteger suas apostas. A aceleração para o digital ajudou muitos bancos tradicionais a fechar a lacuna de inovação tecnológica com os neobanks.”

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