O Brasil é mesmo a terra dos paradoxos. Ao mesmo tempo em que apresenta elevado índice de desemprego e apesar de seu arcabouço socioeconômico e jurídico conspirar contra o ato de empreender, o País tem enorme contingente de patrões, donos de seu próprio destino, homens e mulheres movidos pelo desejo de criar algo mais do que sucesso patrimonial. É o que demonstra estudo da London School of Business: enquanto a massa de assalariados permaneceu estável em 18 milhões, de 1999 a 2003, o total de auto-empregados cresceu de 18 milhões para 23 milhões de pessoas, no mesmo período.
Nosso país tem um empreendedor para cada oito habitantes, contra – pasmem – um para 10 nos Estados Unidos, considerados o templo do empreendedorismo. Outro dado interessante e surpreendente: a participação feminina na classe empreendedora, de 30% na média mundial, aqui é de 40%. Necessidade, falta de opções ou vocação natural para gerir negócios próprios? Mais importante do que a resposta a esta questão é constatar a capacidade do brasileiro e sua persistência diante de obstáculos altamente complexos.
O Banco Mundial (BIRD), em recente estudo, apresentou dados assustadores sobre os entraves governamentais aos negócios no Brasil, a começar pelo tempo para abrir uma empresa, de 152 dias, contra dois na Austrália e quatro nos Estados Unidos. Neste quesito, ocupamos a 73ª pior posição, dentre 78 nações. Mas, desgraça pouca é bobagem, pois no item “fechamento de empresas”, somos os segundo piores, à frente apenas da Índia. Em média, são gastos, aqui, 10 anos para a quitação de toda a burocracia de encerramento de um negócio, contra meio ano no Japão e 1,5 na Rússia, que, não se pode esquecer, é herdeira de toda a cultura de hiperburocracia do império soviético.
As dificuldades incluem o acesso ao crédito, considerando que o próprio governo compete, nesse campo, com a iniciativa privada, sugando 78% dos recursos disponíveis para esse fim. Ou seja, o sistema financeiro torna-se um sanguessuga do déficit estatal. Não há dinheiro disponível para empreendimentos de risco, inerentes ao capitalismo. As taxas de juros para as empresas superam os 48% ao ano e as dos cartões de crédito atingem inacreditáveis 145%. Há somente escassas linhas de crédito ao empreendedor, mas as condições para obtê-las são tão complexas, que acabam favorecendo quem não precisa.
As relações trabalhistas, incluindo a Justiça do Trabalho, representam outro entrave. Dentre 133 países listados, em 49 posições, a nota brasileira, numa escala do sistema mais fácil para o mais difícil, é 78. Cingapura tem o sistema trabalhista mais flexível, com nota 20. Seguem-se Estados Unidos (22) e Canadá (34). Mais um problema: o Poder Judiciário brasileiro é o mais lento do mundo. Aqui, um infeliz credor, espera, em média, 380 dias para receber um débito por via judicial. Na Tunísia, são apenas sete dias; no Japão, 60; e na Dinamarca, 83. O sistema tributário complementa a relação de entraves: são cerca de 60 taxas, impostos, contribuições provisórias (sempre transformadas em permanentes), intrincada rede de isenções, datas de pagamento, listas de produtos, acórdãos de tribunais muito distantes da realidade do chão de fábrica… Ninguém entende o emaranhado tributário nacional, dos contadores aos magistrados, passando pelo próprio fisco.
Ainda há os conceitos legados pela Teologia da Libertação, que professam o antagonismo entre lucro e espiritualidade. Nesta visão, o empresário é o expropriador de riquezas e explorador do trabalho e não uma pessoa que empreende, luta, cria empregos, gera e distribui renda por meio do pagamento de salários e benefícios. Finalmente (ufa!), é preciso considerar o referencial histórico e cultural. Nossa colonização teve origem burocrática, considerando que o Portugal do Século XVI não era exatamente uma nação inovadora e liberal. Diante de todos os obstáculos, é verdadeiramente heróico o índice do empreendedorismo no Brasil. São números que demonstram o imenso potencial de prosperidade econômica e desenvolvimento. Governo e políticos nem precisariam ajudar muito. Bastaria não atrapalhar…
Mário César de Camargo, empresário gráfico, administrador de empresas e bacharel em Direito, é presidente nacional da Associação Brasileira da Indústria Gráfica (Abigraf).