O cliente tem sempre razão?

Autor: Breno Paquelet
Essa sempre foi uma verdade absoluta do mercado, voltada para produtos de massa, em que se fazia de tudo para conquistar mais um cliente, independentemente do perfil. Atualmente, os mercados estão ficando mais específicos, separados em nichos, com segmentação de clientes. Seus desejos ficaram mais profundos, com alto grau de complexidade e, para atender plenamente os clientes mais valiosos, as empresas precisam abrir mão de outros potenciais consumidores. Nesse cenário, como fica a relação de poder entre clientes-empresas?
O cliente segue sendo rei, mas não qualquer cliente. De forma geral, o poder na negociação depende de três variáveis principais: as alternativas que cada um possui, o tempo que tem para tomar uma decisão e o nível de dependência que um possui em relação ao outro.
Vejamos o caso da Tesla Motors, empresa do visionário Elon Musk. A dinâmica na indústria automotiva sempre envolveu negociações intensas entre compradores e vendedores, onde o preço de tabela era apenas uma referência e havia vários itens a serem negociados em uma visita à concessionária, como o preço em si, opcionais, emplacamento, IPVA, acessórios etc. A abordagem da Tesla difere dos concorrentes ao eliminar o intermediário da cadeia e vender seus produtos diretamente ao consumidor, com preços fixos.
Segundo a empresa, a quebra de paradigmas se baseia em alguns pontos fundamentais: primeiro, é a customização, já que seus produtos são feitos sob demanda, atendendo aos pedidos do consumidor e é produzida uma quantidade limitada anualmente. Logo, não precisam gerir estoques, prática comum no mercado automotivo; segundo, não dependem de lucro na manutenção do veículo (importante linha de receita no setor). Mas o ponto chave da estratégia da empresa para se colocar no limite extremo do posicionamento de uma marca, que é a adoração dos clientes, é a visão de seu fundador, compartilhada pelos fãs. O propósito da marca é “acelerar a transição mundial para carros movidos a energia sustentável”. O mais importante para a Tesla é que seus consumidores recomendem outros, com o mesmo perfil. Suas lojas são intimistas e os vendedores são grandes consultores e amantes da marca, que não vivem de comissão. Além disso, as vendas podem ser feitas online, sem diferenciação de preço em relação à loja.
Todos esses pontos fazem com que seus fãs estejam dispostos a comprar o produto com preços a partir de US$ 35 mil, antes mesmo do seu lançamento oficial (foram 115 mil depósitos para entrar na lista de espera na véspera do lançamento oficial do Model 3), sem saber a data exata em que receberiam seu carro (a espera pode durar mais de 2 anos). Apesar de ser vendido por um valor acima da média, ao lançar seu Model S, a Tesla fez valer o preço. O carro era impecável, foi considerado um dos melhores do planeta e tinha acabamento do nível de veículos referência, como Audi e Mercedes. Com um detalhe: era o carro mais rápido do planeta.
Analisando a dinâmica da negociação nesse cenário, pode-se perceber que é preciso menos esforço para converter clientes que compartilhem sua visão. Esses consumidores entendem o posicionamento, viram fãs, estão mais propensos a comprar, indicar para novos consumidores e tolerar lista de espera. A marca faz tudo para que a experiência seja a mais fluida possível, com alto nível de satisfação, mas não está disposta a negociar preço. O poder da negociação está em suas mãos, porque os clientes têm poucas alternativas de empresas que entreguem o mesmo produto e serviço; o tempo de decisão está ao seu lado (se o cliente demora a decidir, não consegue nem entrar na fila de espera do ano) e o nível de dependência do cliente ainda é alto, por se tornar um objeto de desejo, sem similar. Todos esses fatores permitem que a Tesla não faça nenhuma concessão de preço, mas trate seus clientes como reis (para que desconsiderem outras opções). E os consumidores ávidos por automóveis à combustão, que só querem fazer o melhor negócio? Ah, desses ela decidiu abrir mão…
Breno Paquelet é especialista em negociações estratégicas pela Harvard Business School. Possui especialização em Estratégia Empresarial pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos. Atua também como professor do MBA em Gestão Empreendedora da Universidade Federal Fluminense (UFF) e professor convidado da Casa do Saber, também no Rio de Janeiro. É co-organizador dos eventos TEDxNiterói e TEDxBarraDaTijuca.

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O cliente tem sempre razão?

Autora: Rosemeire Conceição
A máxima “o cliente sempre tem razão” vem sendo, definitivamente, questionada, em decorrência do crescimento expressivo das práticas de má-fé por parte de alguns consumidores, que se aproveitam dos canais de defesa do consumidor para tirar vantagem em determinadas situações. O fenômeno indica ainda outros problemas: a precariedade da relação entre fornecedor e consumidor e também o desvirtuamento das leis por parte dos consumidores. 
Prova disso é a enxurrada de reclamações que são levadas ao Procon e aos juizados de pequenas causas, que poderiam ser evitadas se os fornecedores desenvolvessem maior habilidade em se relacionar com o consumidor para resolver possíveis problemas com os seus produtos. O procedimento tornaria mais fácil identificar a veracidade das reclamações. Ao contrário disso, muitos fornecedores preferem criar dificuldades para verificar se, de fato, há problema com seu produto e a partir daí apresentar solução sob a justificativa de evitar má-fé do comprador, o que prejudica o consumidor honesto e cria o ambiente favorável para os compradores de má-fé agirem. 
Outro fator que facilita a ação daqueles que agem de má-fé é o fato de o Procon , órgão que recebe por mês mais de 60 mil queixas só em São Paulo, não contar com nenhuma política capaz de apurar fraudes, seja do lado do fornecedor ou do consumidor. De um lado há despreparo dos fornecedores e de outro, nos deparamos com a realidade de termos um Código de Defesa do Consumidor relativamente novo. Passaram-se quase 23 anos desde sua criação, mas apenas no ano passado abriu-se a discussão sobre quais outros temas deveriam ser abordados no CDC, principalmente relacionados às compras pela internet. 
Um dos pontos do CDC que continua gerando controvérsia é a inversão do ônus da prova, que é justamente um dos reforços à crença de que o consumidor tem sempre a razão, já que, através desse instituto, que consiste na transferência da obrigação de trazer ao processo as provas de ausência de culpa ou dolo no ato que resultou nos fatos, o fornecedor pode ver-se obrigado a provar o contrário.
Todavia, esse, que deveria ser um instrumento utilizado com cautela pelos juízes, acabou por ser, muitas vezes, banalizado, tendo se tornado regra em diversas Comarcas do Brasil, em ações nas quais são objetos as variadas relações de consumo, sendo que muitas vezes a determinação de inversão sequer guarda esta relação com a questão de dolo ou culpa, mas com os fatos em si.
Outra situação curiosa é a facilidade com a qual os juízes têm concedido medidas acautelatórias em ações que envolvem relações de consumo. Recentemente vimos divulgados na imprensa uma situação absurda, na qual alguns consumidores aproveitam-se dessa facilidade trazida pela sua já presumida hipossuficência. Os aposentados, pensionistas e funcionários de algumas classes, após contratarem com instituições financeiras para obtenção de empréstimo através de crédito consignado, propunham ações alegando desconhecer tais negócios jurídicos e pleiteando a concessão de medida antecipatória de tutela para suspender os descontos em suas folhas de pagamento ou benefício previdenciário.
Em decorrência da presunção da verdade dos fatos alegados pelas partes aí consideradas frágeis, os juízes, antes mesmo de ouvirem os fornecedores, estavam concedendo a medida acautelatória e determinando a suspensão de tais descontos. A surpresa veio depois, quando se descobriu a existência de uma quadrilha que utiliza-se deste meio tão somente para conseguir a liberação da margem consignável das verbas destes “frágeis” consumidores para, na sequência, estes terem a liberdade de contratar com outras instituições que poderão vir a ser as suas próximas vítimas. Com tal articulação, os pensionistas/aposentados viam-se livres da dívida, já que o primeiro fornecedor contratado acabava por ser impossibilitada de voltar a consignar as parcelas, por ausência de limite, já que tais descontos, por força de lei, não podem superar 30% (trinta por cento) dos vencimentos mensais.
O que se nota é que, no país do “jeitinho”, o CDC, que é visto em muitos países como modelo, têm sido utilizado de forma desvirtuada, beneficiando pessoas de má-fé e prejudicando fornecedores e consumidores de boa-fé. O pacote de medidas denominado Plano Nacional de Consumo e Cidadania, que visa criar mais mecanismos para garantir a melhoria da qualidade dos serviços e estimular o desenvolvimento das relações de consumo, pode colaborar com o progresso na solução dos problemas provenientes desse tipo de relação.
Todavia, a criação indiscriminada de leis não é suficiente para trazer a diminuição das demandas e, embora tal pacote possa colaborar com o avanço nas relações de consumo, já que uma das metas será a melhoria do pós-venda, que é um dos fatores que gera milhares de reclamações, esta medida sozinha não colaborará com a solução dos problemas. É fundamental que os fornecedores busquem resguardar-se da melhor forma possível, sempre mantendo registro das relações mantidas, de modo a ter provas que possam solucionar as questões de forma administrativa e, em última hipótese, judicial.
Gerar custos aos cofres públicos com reclamações legítimas não é um problema, é um direito. Mas criar um ambiente propício para que consumidores mal-intencionados tentem obter vantagens, atrapalhem a Justiça e ainda façam a sociedade pagar a conta é vergonhoso e injusto. Um meio que certamente seria eficaz neste combate é a aplicação de multa por litigância de má-fé para os casos nos quais seja constatado que o pedido do consumidor não esteja condizente com a realidade dos fatos, conforme permite o Código de Processo Civil. Isso porque, infelizmente, algumas pessoas só aprendem quando a penalidade vai além da simples repreensão moral e atinge o seu patrimônio.
 
Rosemeire Conceição é coordenadora da área de consumidor do Sevilha, Arruda Advogados.

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