Thelma Valverde, CEO da eMiolo

Consistência versus velocidade: o falso dilema que ameaça a inovação em grandes empresas

O verdadeiro diferencial competitivo será construído por quem souber dosar consistência e agilidade

Autora: Thelma Valverde

No universo da tecnologia corporativa, vivemos sob uma pressão constante por agilidade. A máxima “chegar primeiro” parece ditar as regras do jogo, prometendo atenção, investimentos e uma fatia maior do mercado. No entanto, essa corrida desenfreada tem um lado B: uma avalanche de soluções que brilham por um instante e se apagam no seguinte, deixando um rastro de frustração e recursos desperdiçados. É nesse cenário que surge a pergunta que não quer calar: o que realmente importa na hora de adotar tecnologias emergentes? A consistência de uma base sólida ou a velocidade de implementação?

A verdade é que essa é uma falsa dicotomia. O verdadeiro erro estratégico está nos extremos: de um lado, a paralisia da espera pelo “momento perfeito”; de outro, a adoção indiscriminada de qualquer novidade que apareça. A inovação sustentável não é uma questão de “ou, mas de “e”. Trata-se de encontrar a medida certa, um equilíbrio dinâmico que se apoia em três movimentos fundamentais.

O tripé da inovação sustentável

Construir fundações, não atalhos: Antes de pensar em inovação, é preciso garantir o básico bem-feito. Estamos falando de dados confiáveis, APIs bem estruturadas, uma arquitetura de cloud robusta e segurança em primeiro lugar. Sem um alicerce sólido, qualquer iniciativa inovadora, por mais promissora que seja, não passará de um piloto com prazo de validade.

Apostar com inteligência, não com impulso: Inovar não é um jogo de azar. É preciso tratar cada nova aposta como uma hipótese a ser validada, com um ROI claro e mensurável. Isso nos permite escalar o que funciona e, tão importante quanto, descartar rapidamente o que não gera valor, sem apego ou desperdício de recursos.

Capacitar pessoas, não apenas implementar ferramentas: A melhor tecnologia do mundo é inútil se a equipe não consegue operá-la e sustentá-la no dia a dia. A verdadeira transformação digital acontece quando as pessoas e os processos estão preparados para absorver a inovação e torná-la parte da cultura da empresa.

Tecnologias emergentes: quando e porquê

No dia a dia, enfrentamos inúmeras dificuldades para testar ou criar um produto. É aqui que as tecnologias emergentes podem ser verdadeiros game-changers – mas apenas quando aplicadas com propósito claro e estratégia bem definida. A questão não é se devemos usá-las, mas para quê e qual a utilidade específica de aplicá-las em cada contexto.

Tome como exemplo o caso da Lovable, uma startup que revolucionou o desenvolvimento de software ao atingir $100 milhões em ARR em apenas 8 meses. O segredo não foi apenas usar IA, mas aplicá-la de forma cirúrgica.

O que torna o case da Lovable tão relevante para grandes empresas é a estratégia por trás da tecnologia. Eles não simplesmente “adotaram IA” – eles identificaram um problema específico (a complexidade do desenvolvimento de software), definiram um público claro (citizen developers) e aplicaram a tecnologia emergente de forma a criar valor mensurável e escalável.

A verdadeira inovação não vem da tecnologia em si, mas da clareza sobre o problema que ela resolve.

A aplicação estratégica em grandes corporações

Para decisores de TI em grandes empresas, a lição é clara: tecnologias emergentes como IA, IoT, blockchain ou computação quântica não são fins em si mesmas. São ferramentas poderosas que, quando aplicadas com propósito, podem acelerar processos, reduzir custos e criar novos modelos de negócio.

A diferença entre sucesso e fracasso está na capacidade de responder a três perguntas fundamentais antes de qualquer implementação:

  1. Qual problema específico estamos resolvendo? Não basta que a tecnologia seja “interessante” – ela precisa endereçar uma dor real e mensurável.

2.              Como isso se integra à nossa infraestrutura existente? A inovação não pode ser um corpo estranho no sistema; precisa se conectar organicamente ao que já existe.

3.              Qual o ROI esperado e como vamos medi-lo? Sem métricas claras de sucesso, qualquer projeto de inovação vira um experimento sem fim.

Consistência como catalisador da velocidade

É importante ressaltar que consistência, no nosso vocabulário, não é sinônimo de lentidão. Pelo contrário. É sobre criar as condições para que a inovação se torne um processo recorrente, escalável e, acima de tudo, sustentável. A verdadeira velocidade não vem da pressa sem rumo, mas da capacidade de reduzir atritos, tomar decisões mais rápidas e assertivas, porque existe uma base de dados confiável e uma governança clara.

Em um mercado como o brasileiro, com níveis tão distintos de maturidade digital entre os setores, esse equilíbrio se torna ainda mais crucial. As empresas que investem em consistência constroem uma resiliência tecnológica capaz de suportar ambientes de alta complexidade regulatória e econômica. Já aquelas que apostam todas as suas fichas na velocidade correm o risco de ver suas iniciativas naufragarem no longo prazo.

O futuro pertence aos equilibristas

No fim das contas, a competitividade não nasce da velocidade, mas do equilíbrio. O mercado está saturado de soluções que prometem revolucionar tudo e acabam revolucionando nada. O verdadeiro diferencial competitivo será construído por quem souber dosar consistência e agilidade, entregando valor de forma contínua, sem jamais perder a capacidade de se mover rápido quando a oportunidade certa surgir.

As tecnologias emergentes não são o futuro – elas são o presente. A questão é saber aplicá-las com a sabedoria de quem entende que inovação sustentável é uma maratona, não uma corrida de 100 metros. E nessa maratona, vencem aqueles que sabem quando acelerar, quando manter o ritmo e, principalmente, quando parar para ajustar a estratégia.

Thelma Valverde é CEO da eMiolo.

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