Tamara Lorenzoni, mestre em Gestão de Marcas de Luxo pela Domus Academy Milano

Luxo: quatro gerações e a convergência na experiência

A personalização tornou-se premissa, pois do produto ao atendimento, tudo deve ser adaptado ao indivíduo

Autora: Tamara Lorenzoni

A base global de consumidores de luxo nunca foi tão diversa: da ascendente Geração Z até os experientes Baby Boomers, cada faixa etária traz valores e expectativas próprios na forma de consumir produtos e serviços de alta gama. Estimativas indicam que até 2030, mais de 70% do gasto mundial em luxo será gerado pelos Millennials (Geração Y) e pela Gen Z – uma mudança de guarda que desafia as grifes a compreender diferentes comportamentos de compra. Por outro lado, os Boomers ainda concentram enorme poder aquisitivo (nos EUA, detêm cerca de metade da riqueza familiar do país), mantendo sua relevância. Apesar de diferenças marcantes entre as gerações, há um ponto de convergência: todas valorizam intensamente a experiência proporcionada pelo luxo, indo além do produto em si. A seguir, analisamos como Gen Z, Millennials, Geração X e Boomers encaram o luxo – suas motivações e expectativas – e como o mercado de alto padrão está se reinventando para atender a essa pluralidade, com estratégias que passam por personalização, omnicanalidade, propósito e storytelling.

As gerações que hoje consomem luxo revelam perfis distintos, mas igualmente exigentes. A Geração Z, ainda em ascensão econômica, já é responsável por ditar códigos de desejo globais: hiperconectada, não linear em sua jornada e mais preocupada com autenticidade, sustentabilidade e experiências imersivas do que com a ostentação tradicional. Os Millennials, por sua vez, consolidaram-se como a maior fatia de consumidores de luxo, mas evoluíram do consumo aspiracional para a busca de significado — menos logotipos, mais vivências e qualidade, valorizando um atendimento personalizado compatível com seu repertório digital. Já a Geração X ocupa um papel estratégico como público de alto poder aquisitivo que combina pragmatismo e lealdade. É um grupo que pesquisa a fundo, prefere marcas alinhadas a seus valores, aprecia serviço proativo e costuma transformar cada aquisição em memória, equilibrando canais físicos e digitais.

Entre os mais maduros, os Boomers permanecem pilares do setor, detendo parte relevante da riqueza global e mantendo hábitos de consumo sofisticados, guiados por tradição, artesania e excelência. Fiéis a maisons históricas e adeptos do quiet luxury muito antes de ele se tornar tendência, priorizam atendimento personalizado e confiança. Embora menos ativos no digital que os mais jovens, sua presença em redes como Facebook e Instagram cresce rapidamente, influenciada inclusive pelas gerações seguintes da família. Mais do que bens, hoje privilegiam experiências — viagens exclusivas, gastronomia de ponta, bem-estar e tempo de qualidade. Assim, de Z a Boomers, cada geração imprime seu estilo, mas todas convergem na valorização da experiência como essência do luxo contemporâneo.

Em meio às diferenças geracionais, há um denominador comum: o valor da experiência. Todas as faixas etárias, cada qual a seu modo, estão privilegiando a vivência proporcionada pelo luxo em detrimento do mero consumo de produtos. De acordo com a Bain & Company, os consumidores vêm transferindo seu gasto de bens de luxo para experiências, com categorias como viagens, gastronomia e bem-estar crescendo mais rápido que os produtos de luxo tradicionais. Uma análise da McKinsey confirma essa tendência, notando que os clientes de alta renda hoje estão “mais interessados em experiências de luxo, não apenas em produtos” – o que cria um novo trade-off: as marcas precisam superar expectativas para conquistar a parte do orçamento que antes iria para viagens ou bem-estar de luxo. Em outras palavras, o luxo contemporâneo não se resume ao objeto adquirido, mas abrange todo o contexto, serviço e emoção ao seu redor. Com efeito, pesquisas globais apontam que os principais motivos de compra de artigos de luxo tendem a ser intangíveis: presentear a si mesmo com algo especial, expressar o estilo pessoal e desfrutar da qualidade excepcional do item – indicadores de que a recompensa psicológica e sensorial pesa tanto quanto a posse em si.

Cada geração manifesta essa busca pela experiência de forma particular. A Geração Z, por exemplo, valoriza vivências imersivas e interação digital em sua relação com marcas (provas virtuais, filtros de realidade aumentada, eventos pop-up “instagramáveis”). Muitos Boomers, por sua vez, enxergam o luxo como tempo de qualidade – seja ao planejar a viagem dos sonhos, seja ao desfrutar do atendimento atencioso em uma boutique exclusiva. Já os Millennials e Gen X equilibram ambos os mundos: apreciam tanto experiências compartilháveis (um jantar Michelin com amigos, um desfile VIP) quanto os rituais tradicionais de compra (a visita à loja de departamento icônica, o champanhe servido durante uma sessão de personal shopping). Em todas as faixas etárias, percebe-se que autenticidade e experiência tornaram-se fundamentais para conquistar e fidelizar o cliente de alto padrão. Marcas que proporcionam momentos memoráveis, serviço personalizado e envolvimento emocional constroem um elo que transcende gerações.

Frente a consumidores cada vez mais diversos e exigentes, o luxo tem se reinventado em torno de estratégias que dialogam com diferentes gerações, mas convergem na valorização da experiência. A personalização tornou-se premissa: do produto ao atendimento, tudo deve ser adaptado ao indivíduo. Jovens buscam exclusividade criativa e customização como forma de expressão, enquanto clientes maduros valorizam o toque VIP de serem reconhecidos pelo nome. Nesse sentido, grifes oferecem desde monogramas e peças sob medida até recomendações orientadas por inteligência artificial, traduzindo a personalização em escala.

A omnicanalidade também se consolidou como imperativo. O cliente pode conhecer a marca pelo Instagram, experimentar um item em realidade aumentada e concluir a compra na boutique — e espera que essa jornada seja fluida. A Gen Z, em especial, investiga e adiciona marcas em múltiplos pontos de contato, enquanto a Geração X e os Boomers, antes mais presenciais, hoje também compram via redes sociais. As maisons respondem com e-commerces sofisticados, apps de concierge, live commerce e lojas inteligentes, buscando equilibrar conveniência tecnológica e toque humano exclusivo. Paralelamente, cresce a demanda por propósito: consumidores mais jovens exigem marcas com alma, cobrando transparência, sustentabilidade e ética — um movimento que inclusive os clientes tradicionais passaram a apreciar, traduzido no avanço do slow luxury.

Por fim, o storytelling afirma-se como diferencial competitivo. Mais do que vender produtos, as marcas de luxo precisam inspirar e envolver através de narrativas autênticas: resgatando herança e artesania, celebrando terroir e artesãos, ou criando universos culturais que dialogam com o presente. Essa abordagem conecta gerações: Boomers se encantam com referências à tradição, enquanto os mais jovens engajam quando percebem um ponto de vista cultural com o qual se identificam. Ativações imersivas, collabs artísticos e conteúdos proprietários dão vida a esse enredo aspiracional, reforçado pelo uso de embaixadores intergeracionais. Em essência, o luxo contemporâneo não se resume a um produto de excelência, mas a uma história consistente e memorável da qual o consumidor deseja fazer parte.

O luxo, atravessado por quatro gerações distintas, revela que apesar de linguagens próprias — da hiperconexão da Gen Z à fidelidade silenciosa dos Boomers — existe um denominador comum: a experiência como verdadeiro eixo de valor. O que antes se resumia ao produto tornou-se um ecossistema de vivências, emoções e significados, capaz de transformar cada interação em memória.

Nesse contexto, as marcas mais relevantes não são apenas aquelas que entregam qualidade impecável, mas as que constroem relações. Personalização, omnicanalidade, propósito e storytelling deixaram de ser diferenciais para se tornarem fundamentos: são eles que asseguram a coerência necessária para conquistar públicos tão diversos e, ao mesmo tempo, manter consistência global. A conclusão é clara: o luxo contemporâneo não está apenas em objetos raros, mas na capacidade de uma marca de encantar e emocionar em qualquer geração. Ao traduzir tradição em inovação e excelência em narrativa, o setor reafirma sua vocação: oferecer experiências que transcendam o tempo e conectem pessoas a algo maior do que a posse — um verdadeiro enredo aspiracional vivido em primeira pessoa.

Tamara Lorenzoni é mestre em gestão de marcas de luxo pela Domus Academy Milano.

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