Eric Garmes, CEO da Paschoalotto

Papel da IA na recuperação de crédito: eficiência sim, mas com limites

A IA consegue identificar padrões de comportamento e muito mais coisas, mas esse cenário muda completamente quando saímos da lógica transacional e entramos no território emocional

Autor: Eric Garmes

Durante muitos anos, a recuperação de crédito foi um campo negligenciado no que diz respeito à inovação. O modelo tradicional se repetia sem grandes mudanças: listas de inadimplentes, roteiros padronizados, abordagens impessoais, quase sempre baseadas em tentativas genéricas de convencimento. Era um processo caro, lento, ineficiente e, muitas vezes, desgastante — tanto para as empresas quanto para os consumidores. Nesse cenário, a chegada da Inteligência Artificial parecia representar uma ruptura. E, de fato, ela mudou muita coisa, mas é importante fazer uma leitura realista dessa transformação: a IA é potente, mas está longe de ser suficiente sozinha.

O que temos observado no mercado — e isso é consistente com nossa experiência prática — é que a inteligência artificial tem um papel estratégico, principalmente na automação de tarefas repetitivas, na personalização de abordagens e no aumento da eficiência operacional. Em situações de inadimplência de curto prazo, em que o débito é recente e o cliente apenas se esqueceu ou se desorganizou financeiramente por um período breve, a IA atua de forma excelente. Ela consegue identificar padrões de comportamento, adaptar a linguagem ao perfil do consumidor, escolher o melhor canal de contato e fazer ofertas mais assertivas. O resultado, nesses casos, é um ganho expressivo de produtividade e recuperação.

Mas esse cenário muda completamente quando saímos da lógica transacional e entramos no território emocional. Quando o inadimplemento está ligado a uma situação de fragilidade — como perda de emprego, doença na família, separação ou luto — o consumidor não quer falar com um robô. Ele quer ser ouvido e explicar, muitas vezes com dor e vergonha, o que o levou àquela situação e essa conversa não cabe em um chatbot. Não cabe em um formulário. Muito menos em uma abordagem fria ou excessivamente automatizada. É nesse momento que a IA encontra seu limite, e o fator humano se torna insubstituível.

Por isso, nossa visão é clara: a inteligência artificial transforma, sim, a recuperação de crédito — mas responde, em média, por cerca de 50% dos atendimentos com eficiência plena. Nos outros 50%, é o humano que faz a diferença. E não qualquer humano. É preciso ter empatia, escuta ativa, preparo emocional e uma estrutura de apoio que permita acolher sem julgamento. A tecnologia, nesse contexto, é suporte. Uma parceira silenciosa que orienta o atendente, sugere caminhos, oferece dados, organiza informações. Mas quem conduz a conversa, quem toma as decisões mais sensíveis e quem representa a imagem da empresa, ainda é — e continuará sendo — uma pessoa.

Essa combinação entre tecnologia e humanidade é o que garante o equilíbrio necessário. A IA nos ajuda a ser mais ágeis, mais estratégicos, mais inteligentes. Mas é o contato humano que preserva a dignidade, a confiança e a possibilidade de recomeço para quem está do outro lado da linha — muitas vezes, envergonhado e fragilizado.

É nesse ponto que propomos uma nova leitura da evolução da IA nas empresas. Ao invés de imaginar uma revolução repentina e absoluta, acreditamos em três fases distintas e complementares. A primeira é a básica, que envolve a automação de tarefas simples e rotineiras. A segunda é incremental, com a aplicação de inteligência preditiva, personalização de abordagens e uso de dados para decisões operacionais mais sofisticadas. E, por fim, a fase disruptiva, quando a IA não apenas melhora processos, mas altera profundamente a lógica de atendimento, redefinindo fluxos, indicadores e a própria experiência do consumidor. Essas três fases não acontecem todas ao mesmo tempo, nem com a mesma intensidade em todos os contextos. É preciso maturidade para entender onde cada organização está e quais passos devem ser dados — com consciência, estratégia e responsabilidade.

Segundo um relatório da Market.us, o mercado global de inteligência artificial voltada à recuperação de crédito deve alcançar US$ 15,9 bilhões até 2034, crescendo a uma taxa média de 16,9% ao ano entre 2025 e 2034. Esse número impressiona, mas ele por si só não garante que todas as implementações serão bem-sucedidas. Se a tecnologia não for acompanhada de governança, ética, senso crítico e propósito, ela pode até automatizar a cobrança, mas jamais construirá relações duradouras com os consumidores. 

No fim das contas, a recuperação de crédito não é só sobre dinheiro. É sobre confiança, sobre reconexão e, muitas vezes, sobre dar às pessoas a chance de se reorganizarem emocional e financeiramente. A tecnologia pode — e deve — ajudar nisso. Mas quem olha no olho, acolhe a história e estende a mão ainda é o humano.

A inteligência artificial é um caminho sem volta. Mas o ponto de chegada continua sendo o mesmo: um mercado mais eficiente, mais justo e, principalmente, mais humano.  

Quero terminar esse artigo replicando  uma mensagem que o cantor Alok trouxe essa semana no Coachella, um dos maiores festivais musicais do mundo: “mantenha a arte humana”.

Eric Garmes é CEO da Paschoalotto.

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