Fabio Neto, sócio da StartSe

Por que o Brasil se tornou um dos mercados mais estratégicos para a China

O país tornou-se vitrine global de consumo digital, campo de teste para novos modelos de negócios, plataforma de expansão para empresas chinesas

Autor: Fabio Neto

Durante muito tempo, o Brasil foi visto apenas como um grande mercado consumidor: populoso, criativo, cheio de potencial, mas distante dos centros globais de tecnologia. Essa percepção, porém, deixou de refletir a realidade. Nos últimos cinco anos, e de maneira ainda mais acelerada desde 2023, o país passou a ocupar um papel estratégico para empresas chinesas e, simultaneamente, tornou-se um hub relevante de validação e expansão para tecnologias emergentes vindas do Vale do Silício. Essa convergência rara reposiciona o Brasil no mapa global da inovação. 

Para a China, o Brasil reúne uma combinação incomum: uma população numerosa e com alto apetite digital, uma infraestrutura ainda em transformação e consumidores abertos a novas marcas, modelos e experiências. Por isso, gigantes como Shein, Temu, AliExpress, BYD, DJI e TikTok têm usado o país como plataforma de testes e expansão, muitas vezes antes de escalar para outros mercados emergentes. Esse mesmo raciocínio explica a decisão de uma gigante chinesa como a KSI de escolher o Brasil como prioridade global estratégica. Trata-se de um entendimento claro de que entender o Brasil significa entender o futuro dos mercados emergentes, e de que empresas chinesas demandam pontes culturais, educacionais e estratégicas para operar aqui. 

A KSI poderia ter escolhido qualquer país para dar início à expansão de seus programas e conexões internacionais na América Latina. Ao optar pelo Brasil, reconhece que o país oferece uma combinação singular entre o ritmo chinês, a ambição do Vale do Silício e a complexidade de um mercado emergente vibrante. Não se trata de um gesto isolado, mas de parte de um redesenho global no qual o Brasil deixa de ser espectador e passa a atuar como plataforma estratégica. 

O movimento da Manus AI, uma das startups mais promissoras da nova geração de inteligência artificial aplicada, reforça esse mesmo diagnóstico.  Trata-se de um reconhecimento também vindo do próprio Vale do Silício, de que o ecossistema brasileiro amadureceu, evoluiu e agora exporta talento, visão e capacidade de execução. Essa escolha não se explica pela geografia, mas pela relevância que o Brasil passou a exercer. 

O que torna esse momento ainda mais significativo é o fato de que China e Vale do Silício raramente se alinham. Seus modelos, culturas e estratégias muitas vezes competem entre si. Quando ambos se movem em direção ao Brasil, fica evidente que algo estrutural está acontecendo. O país tornou-se vitrine global de consumo digital, campo de teste para novos modelos de negócios, plataforma de expansão para empresas chinesas e um hub de talento e liderança reconhecido pelo Vale. Em todos esses movimentos, há um elemento comum: a necessidade urgente de construir pontes, e não muros. 

Esse cenário reflete uma mudança profunda na posição do Brasil no mundo. O país vive um momento único, impulsionado por consumidores digitais e abertos à experimentação, pela disputa entre China, Estados Unidos e empresas de IA por espaço intelectual e mercadológico, e por executivos cada vez mais dispostos a buscar novas referências globais. A soma desses fatores fortalece uma convicção que venho defendendo nas imersões e nos meus livros: o Brasil está assumindo seu lugar como protagonista emergente no mapa mundial da inovação, e os movimentos recentes apenas confirmam essa virada histórica. 

Fabio Neto é sócio da StartSe.

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