Rafael Gomes, retail industry advisor para a América Latina na Thoughtworks

Repensando os benefícios da inteligência artificial para além da performance

O poder de análise e a capacidade de avaliação de uma iniciativa de IA bem desenvolvida ultrapassa em muito nossa capacidade operacional atual

Autor: Rafael Gomes

Poucos compreendem a real complexidade de uma área como Supply Chain. Geralmente, essa dimensão é quase oculta para aqueles que não estão diretamente envolvidos com os fornecedores ou a operação física. No entanto, toda a cadeia de suprimentos dos negócios representa hoje uma oportunidade gigantesca de alavancagem de resultados e savings, especialmente com o avanço das potenciais aplicações de Inteligência Artificial (IA).

Em estruturas de cadeia de abastecimento médias a complexas, inúmeras variáveis influenciam desde a necessidade ou concepção de um produto até sua disponibilidade efetiva ao cliente/utilização. Essas variáveis, que vão desde contratos com fornecedores e variações de preços e custos de transporte, até a concorrência de mercado e a disponibilidade de inventário e SLAs, são tão abrangentes que frequentemente se perdem no radar ou passam a ser processos formais e, por consequência, estabelecem padrões que podem não cobrir a volatilidade de todos os pontos. Embora a área de abastecimento tenha um conhecimento profundo de todas essas nuances, a gestão diária é extremamente complexa.

Essa complexidade inerente muitas vezes resulta na criação de estruturas organizacionais redundantes para suportar e avaliar a performance da própria cadeia. Isso gera ruídos, duplicidade de esforços na gestão e, por vezes, duplicidade de inventário ou compras excessivas para mitigar falhas ou evitar desabastecimento.

À primeira vista, essa situação pode parecer insolúvel, mesmo com as inúmeras iniciativas corporativas que buscam otimizar processos e aprimorar a performance da cadeia. Essa é uma dor persistente tanto no varejo quanto em diversas outras indústrias.

A boa notícia é que a IA nos oferece a possibilidade de atingir novos níveis de otimização. Ainda que em um cenário onde apenas 4% das empresas que investem em tecnologia e lidam com alta complexidade e granularidade afirmam conseguir extrair valor dessas iniciativas, já podemos considerar o desenvolvimento de ferramentas e assistentes que proporcionem uma capacidade analítica sem precedentes.

É comum que as organizações iniciem seus investimentos em IA com focos pontuais, como pequenas melhorias de performance ou a automação de funções existentes. Embora útil, essa abordagem é limitada frente ao verdadeiro potencial da IA e a alta capacidade de personalização para a necessidade do negócio. O poder de análise e a capacidade de avaliação de uma iniciativa de IA bem desenvolvida, impulsionada por um bom direcionamento de negócios, ultrapassam em muito nossa capacidade operacional atual. Isso nos permite vislumbrar soluções verdadeiramente transformadoras para o negócio, que redefinirão a forma como avaliamos nossa própria performance e otimizamos processos, compras e a cadeia de abastecimento em geral.

Quando falamos de soluções de IA nessa escala, hoje podemos vislumbrar um “copiloto”. Não se trata apenas de um copiloto de desenvolvimento de software, que é mais conhecido atualmente, mas de um copiloto na operação do negócio, na execução de tarefas-chave em Supply Chain, como a realização de compras e o planejamento de inventário.

Com uma estrutura de dados robusta, a IA pode ser utilizada de forma personalizada para alavancar análises e fornecer direcionamento efetivo em tempo real. Essa efetividade, no entanto, só é plenamente alcançada quando a inteligência artificial é pensada desde a origem das soluções, de forma integrada aos fluxos do negócio e orientada por dados operacionais reais. Em vez de atuar apenas como uma camada de automação, a IA passa a fazer parte da lógica de funcionamento dos sistemas, avaliando variáveis conhecidas com profundidade e interpretando cenários dinâmicos com contexto. Dessa forma, a tomada de decisão não é apenas automatizada, mas evolui com o próprio negócio, integrando múltiplos cenários possíveis com contexto, governança e impacto mensurável.

Imagine, por exemplo, em um setor de alta complexidade, um comprador com uma ferramenta que indica o melhor fornecedor, o melhor momento e a melhor quantidade para compra. Essa ferramenta consideraria não apenas os critérios contratuais e SLAs, mas também o histórico da organização, dados em tempo real e projeções para garantir uma cobertura de estoque saudável. A partir daí, a própria organização seria retroalimentada, utilizando esses dados para compras e acordos futuros, evitando duplicidades e garantindo a saúde, melhores ganhos e a evolução sustentável do negócio.

É fundamental ressaltar que soluções de IA alinhadas à estratégia e aos objetivos do negócio não visam substituir pessoas. Pelo contrário, elas potencializam a atuação dos profissionais ao automatizar tarefas repetitivas, antecipar riscos e recomendar ações com base em dados em tempo real. Em Supply Chain, por exemplo, isso significa permitir que especialistas foquem em decisões mais estratégicas, como negociações complexas, planejamento de longo prazo e relacionamento com fornecedores, enquanto a IA se encarrega de análises preditivas de demanda, simulações de cenário, otimização de rotas logísticas e detecção precoce de gargalos. Ao escalar a capacidade analítica da equipe e reduzir o tempo dedicado à resolução de problemas operacionais, essas ferramentas ampliam o alcance, a assertividade e a influência dos profissionais em toda a cadeia de abastecimento.

Rafael Gomes é consultor de varejo para a América Latina na Thoughtworks.

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