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A retórica da qualidade

O Brasil, a exemplo do mundo inteiro, as sistiu nos últimos 20 anos a uma importante mudança de paradigma: a qualidade deixou de ser incorporada ao discurso de marketing como “diferencial competitivo”, para se transformar em obrigação. Os requisitos da ISO 9000, cujas práticas evoluíram de forma surpreendente em nosso País, promoveram profunda revolução nas empresas, levadas a buscar processos capazes de assegurar a qualidade pretendida. Outros sistemas e métodos, igualmente, ganharam espaço rapidamente. Um dos mais famosos, adotado de pronto, foi o Six Sigma.

Mas a verdade é que a retórica da qualidade não se confirma na prática. O que acontece, de fato, é uma enxurrada de reclamações nos serviços de atendimento a clientes envolvendo produtos e serviços. Pior, os próprios serviços que deveriam dar voz ao consumidor insatisfeito também não apresentam a qualidade que deveria.

Uma grande quantidade de empresas fornecedoras de produtos e serviços, inclusive as de call center, exibe certificados ISO. Por que será, então, que a percepção da qualidade parece tão baixa entre os consumidores, clientes ou usuários? Note que estamos falando de “percepção da qualidade”, conceito que pressupõe a mescla de qualidade de fato e qualidade esperada.

A qualidade percebida vem da expectativa criada em função da promessa feita ao mercado. E, quando ela é quebrada, não há padrão de qualidade que resista, mesmo que os processos sejam certificados pelo melhor sistema de normas. O que a empresa entende como qualidade pode não ser percebido como tal pelos clientes dela.

Um outro aspecto que precisa ser analisado com atenção é a diferença entre qualidade, conformidade e objetivo dos processos de certificação., que é obtida quando é possível garantir processos conformes: isto é, aqueles que sempre ocorrem da mesma maneira e que, por qualquer desvio, podem ser rapidamente identificados e corrigidos. As chamadas “nãoconformidades” deixam claro que algo que não está de acordo com o padrão. Mas isso não garante, necessariamente, que o nível de qualidade seja o esperado pelo usuário do produto ou serviço.

Se tivermos a certeza de que produzimos algo que o cliente considera como qualidade e conquistarmos a certificação, aí sim garantiremos a oferta de produtos que correspondam à expectativa do mercado. Mas a recíproca não é verdadeira. Supra-sumo do absurdo, a empresa que produz “salva-vidas que afundam sempre” pode ser certificada e ter um produto que flutue, classificado como nãoconforme. A conformidade não garante qualidade. A qualidade é que tem na conformidade um dos alicerces para sua garantia.

A gestão do relacionamento com clientes, ou CRM (Customer Relationship Management) decorre, exatamente, da necessidade de internalizar a visão do cliente e integrá-la com os processos internos. É o conceito dos processos expandidos, nos quais a opinião e o comportamento do cliente se mesclam com os processos de marketing, produção, venda e serviços. Somente o desenho e implementação de sistemas de informação integrados permitiria criar processos com padrões de conformidade e qualidade únicos, para o cliente e para a empresa. Essa uniformidade poderia, sim, ser a garantia de conformidade para os processos da empresa e de satisfação para o cliente. Essa era a idéia. O conceito.

Nós, brasileiros, temos o hábito de adotar rapidamente todo e qualquer tipo de novidade. Infelizmente, também nos destacamos por não fazê-lo de modo completo (prefiro não discutir as razões pelas quais isso acontece, e que são, acredito, de ordem econômica e cultural). O fato é que, quando se implementam as melhores idéias pela metade, os resultados podem não ser ruins. Mas, com certeza, não são tão bons quanto se mostrariam se a lição tivesse sido feita por inteiro – isso a despeito de muitos se alardearem sucesso absoluto. Talvez possamos voltar às pesquisas de opinião, tentando captar e entender nossos consumidores, clientes e usuários quanto a expectativas para, somente aí, podermos falar em qualidade e, quem sabe?, com muito trabalho, garanti-la no futuro. Hoje, as coisas não parecem andar tão bem.

Enio Klein ([email protected]) é diretor da K&G e professor dos cursos de MBA/Marketing da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo

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