Emoções são fundamentais para ambos os universos, tendo papel preponderante na percepção de qualidade e satisfação do consumidor do vinho e no comportamento do cliente de uma empresa
Autor: Antonio Carlos Matos da Silva
Durante uma visita à sala de degustação de uma vinícola em Bordeaux, na França, tive um insight: o mundo da produção de vinhos guarda muitas similaridades com o universo das vendas em uma empresa. A analogia cabe com perfeição quando coloca frente a frente o processo de degustação de vinho e a customer experience (CX) ou experiência do cliente – percepção geral que os clientes têm em relação às interações com uma empresa ao longo de toda a jornada de compra e no pós-compra. Tanto em um universo quanto no outro o que importa é o que gerará valor são as emoções despertadas durante a prática.
No caso da degustação, a experiência se inicia a partir da análise visual. A cor, a clareza e intensidade visual do vinho definem a primeira impressão do degustador. Com relação a vendas, a percepção inicial da qualidade do produto pelo consumidor é determinada pelo design e a usabilidade de um site ou ambiente físico.
O aroma é outro aspecto importante para a compreensão da qualidade do vinho. Ao identificar notas frutadas, florais e outras características por meio do olfato é possível entender mais a fundo o perfil e a complexidade do vinho. Na experiência de vendas centrada no consumidor, elementos como fragrâncias, loja, sons ou atendimento inicial são do mesmo modo fundamentais. Destaco aqui o caráter subjetivo das duas experiências. Assim como o aroma de um vinho, as percepções sensoriais do cliente variam de pessoa para pessoa.
Como se trata de uma experiência sensorial, o paladar é outro sentido essencial na degustação da bebida alcoólica fermentada. Por meio dele, avalia-se a estrutura (acidez, taninos, doçura) do vinho, o que permite uma visão mais profunda de sua composição. O equivalente ao paladar na experiência do cliente é a interação do consumidor com o serviço e o produto. É através do atendimento, qualidade do produto e consistência, que o consumidor alinha suas expectativas e obtém uma experiência mais completa da empresa.
O retrogosto – sensação que o vinho deixa após ser engolido ou cuspido – pode ser comparado ao pós-venda, etapa na qual a empresa continua interagindo com o cliente mesmo depois de consumada a transação comercial. Em se tratando do vinho, o retrogosto define a persistência e o prazer prolongado com o produto. No que diz respeito à customer experience (CX), o pós-venda garante que a experiência continue mesmo após a interação inicial, reforçando a memória de satisfação que pode ser determinante para compras futuras.
Do resultado do processo de degustação de vinhos também emergem outras comparações com o universo comercial. A experimentação sensorial do vinho permite a análise do terroir (solo, clima e práticas moldam a identidade de um vinho) que se assemelha à segmentação dos clientes, aspecto característico da venda centrada na experiência do consumidor. Da mesma forma que diferentes uvas produzem perfis únicos, clientes variados exigem abordagens personalizadas.
Mais uma associação que se destaca é entre a complexidade aromática do vinho e as interações multicanais próprias da CX. Aromas e sabores não são lineares e muitas vezes interagem de maneiras que podem ser difíceis de decifrar, principalmente em vinho de alta qualidade. Nas vendas centradas no cliente, as experiências multicanais também podem ser complicadas e não lineares. Tanto em um processo quanto no outro é preciso sabedoria. Na enologia, para conseguir integrar diferentes sabores; nas vendas, para harmonizar vários pontos de contato, tais como site, loja e app, com o intuito de conseguir uma experiência coesa.
Por fim, é possível comparar o blending de uvas com a multidisciplinaridade e cooperação entre departamentos de uma empresa. A combinação de diferentes tipos de uvas pelo enólogo é de suma importância para produzir vinhos equilibrados e complexos. Similarmente, no que diz respeito especificamente a customer experience, a colaboração entre TI, marketing, atendimento aos clientes e outros departamentos, é crucial para entregar uma experiência coesa e eficaz.
Da comparação entre o mundo dos vinhos (experiência sensorial) e o universo das vendas (customer experience), depreende-se que as emoções são fundamentais para ambos os universos, tendo papel preponderante na percepção de qualidade e satisfação do consumidor do vinho e no comportamento do cliente de uma empresa de outro segmento. Posto isto, assim como o enólogo busca criar experiência única por meio da vinificação, as empresas devem entender as nuances emocionais e cognitivas de seus clientes para oferecer produtos e serviços verdadeiramente impactantes.
Antonio Carlos Matos da Silva é estrategista, especialista em acesso à saúde e sommelier profissional.