Era nelas que Toshiro controlava as contas dos fregueses. Logo, a CRM ficou popular no bairro:
“Anota ai na CRM dois quilos de tomate para a patroa” – ordenava a Benedita. “Minha mãe mandou perguntar quanto vai pagar de CRM este mês” – chegava o recado na boca da Silvinha.
Mas, a caderneta não servia apenas para cobrar dos fregueses. Naquelas linhas, o japonês enxergava muito mais que o total que iria receber no final do mês. Ele identificava ciclos de comportamento do freguês, suas preferências, a associação dos produtos adquiridos, e muitas outras coisas. Até a data de aniversário e idade das crianças ele sabia, pelo número da velinha adquirida. Só de olhar na caderneta, Toshiro sabia quando oferecer novidades para o freguês. A data escolhida para pagar era a mesma em que o freguês estava com a carteira mais cheia… e, portanto, mais aberto a sugestões. Identificar preferências e associações de produtos também ajudava a vender.
A freguesa levava sempre banana e aveia? Toshiro criava pacotes promocionais com um terceiro produto em promoção. Um vidro de mel ou uma lata de farinha Láctea, para criar novos hábitos na família. E diminuir o estoque. A freguesa comprava sempre tomate? Dá-lhe campanha promovendo o macarrão e o queijo ralado. Fazia tempo que não levava azeite? Era só lembra – lá de que o azeite sempre acaba na hora de temperar a salada. A última compra foi há muito tempo? O Toshiro ligava avisando que a laranja estava em promoção. E o freguês ia lá buscar, só porque o Toshiro se preocupou em ligar.
Logo, o Toshiro já tinha comprado a Kombi para entregar a mercadoria na casa dos fregueses e, a cada entrega, no fim do dia, aproveitava para conhecer melhor o resto da família. Assim, descobriu que o Sr. Alberto gostava de beliscar um queijinho e tomar uma pinguinha toda tarde, antes de jantar, quando chegava exausto da oficina. Soube também que a dona Jurema adorava preparar pães de ricota com passas. E a filha da Dra. Cota encomendava na capital uns xampus e uns perfumes especiais (quem sabe para ver se conseguia arrumar marido, coitada). Ele tinha ate mandado o filho fazer faculdade (que orgulho!!!), na capital.
E todos estavam muito felizes. Isso foi até o filho voltar da capital, com diploma e tudo, e virar consultor do pai, enquanto não encontrava emprego. Achou a caderneta antiquada. Vendas, só à vista. Se o freguês quisesse parcelar, que fosse pelo cartão. Toshiro estranhava este modo de trabalhar, mas o filho tinha diploma de faculdade, e ele nunca tinha ido à escola. E vivia dizendo coisas assustadoras, como globalização, competitividade, marketing… Coisas que, se não fossem levadas a sério, iam fazer a mercearia perder toda a freguesia. E foi o que aconteceu.
A solução foi vender a Kombi de entregas e comprar espaço no jornal e no rádio. Sobrou algum para um outdoor e uma tarde de palhaço com microfone na porta da mercearia. Sem Kombi para entregar, o jeito era cada freguês carregar sua própria compra. Ou comprar menos, para o braço não esticar na caminhada. Toshiro sentia saudades do modo antigo, da amizade com os fregueses, do conhecimento de seus hábitos. E do lucro…
Um dia, uma propaganda do jornal chamou sua atenção: “CRM – Conheça os Hábitos de Seus Clientes”, parecia à sigla das cadernetas, só que era em inglês: “customer relationship management”.
Gestão de Clientes não é moda, é uma estratégia de negócios suportada por tecnologia.