Empresas auto ajustáveis: modelo das organizações do século XXI

Ultimamente temos ouvido e lido sobre a ascendência dos
algoritmos no nosso dia a dia. O Gartner já fala em uma “algorithm economy” e
as potencialidades que se abrem com ela. Os algoritmos já convivem conosco há
muito tempo. Nos primórdios da computação, os processos batch demandavam
algoritmos de classificação (sorts) para colocarmos arquivos em uma determinada
ordem, mais adequada ao seu processamento. Com a Internet e a explosão da
geração de dados, vemos exemplos emblemáticos de uso de algoritmos, que fazem o
sucesso de inúmeras empresas, como os algoritmos de busca do Google, de
recomendação da Amazon e Netflix, ou os que selecionam o conteúdo a ser
mostrado nas timelines dos usuários no Facebook. Não basta ter uma imensa
coleção de dados como estas empresas tem. Elas obtêm sucesso focando em como
trabalhar com estes dados. Os algoritmos também são parte essencial de novas
tecnologias disruptivas, como os veículos autônomos. Um carro do Google por
exemplo é um carro recheado de modelos preditivos, que tomam decisões a cada
instante.

Olhando isso, o que observamos? Quais são os segredos mais guardados
da Amazon, Google e Facebook? Sim, seus algoritmos. Estes sim, são os que
tornam estas empresas tão valiosas.

Algoritmos eficientes podem ser uma fonte de monetização
para as empresas. Uma companhia de logística poderá licenciar seus algoritmos
de entrega just-in-time para empresa não concorrente, como para um fabricante
de geladeiras comerciais que, em parceria com uma rede varejista efetua
automaticamente a reposição do estoque, baseado nas predições de consumo dos
clientes. Futurologia? Não, é questão de olhar a operação logística como
diferencial competitivo. Com o advento da Internet das Coisas e impressoras 3D,
amplia-se consideravelmente as opções e complexidade da operação logística, mas
por outro lado, abre novas e disruptivas oportunidades de negócio.  Isto significa que algumas operações usualmente
tidas como comoditizadas e colocadas sob ERPs e outros softwares de prateleira,
podem fazer diferença, se substituídos por algoritmos preditivos. Um sistema de
RH é apenas folha de pagamento ou pode incluir um sofisticado algoritmo de
recrutamento, avaliação e retenção de talentos, que poderia ser oferecido ao
mercado?  

É uma evolução do simples controle operacional, onde todas
empresas que usam o mesmo software operam de forma similar, para um processo
analítico e preditivo. Um processo comoditizado pode se tornar um diferencial
competitivo. Mais um passo na tendência que mais cedo ou mais tarde, toda
empresa vai se tornar uma empresa de tecnologia.  Os produtos cada vez mais serão valorizados
pela sofisticação de seus algoritmos. Aliás, os produtos estarão embutidos
dentro de serviços.

Com a disseminação do conceito de “algorithm economy” não
será difícil imaginar um futuro onde teremos “algorithms stores”, compostos por
milhares de componentes de software (algoritmos) que poderão ser combinados
para criar outros mais complexos.

Mas, diante de um cenário de disrupções frequentes, podemos
ir mais além com os algoritmos. A disrupção digital está deixando claro que organizações
que se mantém aferradas a modelos e organizações rígidas correm sério risco de
sobrevivência. Por que não imaginar uma organização que auto ajuste seus
processos e modelos de negócios baseados em decisões algorítmicas? Bem, ainda
estamos longe de um algoritmo que nos diga com exatidão quando e como criar um
novo modelo de negócios. Mas, que tal aplicar os mesmos princípios que auto
ajustam os algoritmos para a gestão das organizações?

Como exemplo, olhemos um algoritmo de recomendação. Ele está
constantemente balanceando o que conhece com o que não conhece…explico. À
medida que um cliente efetua compras, o algoritmo começa a entender seus
hábitos de compra e procura fazer recomendações que sejam do interesse do
cliente. Por outro lado, ele não pode apenas considerar o que já conhece,
porque mais cedo ou mais tarde, o número de ofertas tenderá a ficar menos
atrativa. O algoritmo tem que fazer novas explorações, tentar ofertar algo novo
e validar se o cliente gosta ou não. A ideia é ampliar o conjunto de ofertas,
com tentativas de erros e acertos. O cuidado é não errar muito, e oferecer insistentemente
coisas que não interessam, e nem ficar agarrado aos hábitos anteriores, só
oferecendo o que já está se esgotando. Este balanceamento é que é o segredo de
algoritmos como o da Amazon. O nível de eficiência do algoritmo é conseguir o
balanço ótimo entre as preferências conhecidas e o potencial de novas
oportunidades de categorias de produtos que podem ampliar o conjunto de
preferências do cliente. Para isso é necessário coletar e analisar dados das
interações dos clientes com a empresa em todos os canais. O algoritmo tem que
processar estes dados e ele mesmo auto ajustar-se à cada cliente, de modo que o
conjunto de preferências de um não é necessariamente aplicável a outro cliente.
É uma interação 1-to-1. Pergunto: quantos sites de comércio eletrônico no
Brasil adotam algoritmos de recomendação? Fico pasmo de ver grandes lojas no
máximo listando produtos por tipo ou preço, ignorando os hábitos de compra e
nem explorando o potencial de novas vendas. E quando a loja virtual faz parte
de uma organização com lojas físicas, vemos que muitas vezes, o potencial de
cruzar estas informações não é minimante aproveitado…

Mas, quero provocar outra discussão: adotar princípios algorítmicos
na gestão das organizações. Olhando uma empresa vemos que no seu mais alto
nível temos a visão (direção e propósito da empresa), seguido pelo modelo de
negócios e suportado pelos processos, sistemas e estrutura organizacional. A
prática tradicional tem sido congelar a visão e o modelo de negócios (criados
na fundação da empresa, talvez há dezenas de anos…) e apenas inovar de forma
incremental processos, sistemas e estrutura organizacional. Funcionou muito bem
quando o cenário era mais estático e menos disruptivo, Mas funciona hoje?
Quanto um Airbnb, Uber, WhatsApp gera reações coléricas dos setores e empresas
afetadas, é que o modelo atual, rígido, não as deixou fazer as mudanças em
tempo hábil. Talvez nem as deixaram perceber que o mundo estava mudando à sua
volta.

Aplicando os princípios algorítmicos auto ajustáveis, não
apenas a camada de suporte (processos, sistemas e estrutura organizacional)
muda, mas a visão e os modelos de negócios também se auto ajustam à dinâmica do
mercado. A empresa não é mais uma estrutura rígida com a decisões top down
descendo ladeira abaixo por toda a organização.

Não é ficção científica. Recomendo ler um artigo instigante,
“The Self-Tuning Enterprise”, em https://hbr.org/2015/06/the-self-tuning-enterprise,
que mostra um caso real, a chinesa Alibaba, aplicando estes conceitos em seu
dia a dia. As lições de empresas do mundo pós-Internet, que não precisam do conceito
que se dissemina hoje pelas empresas pré-Internet, que chamamos de operação bimodal,
podem e devem começar a ser aplicadas em quaisquer empresas. As empresas da Internet
são obrigadas a se reinventar constantemente pois estão no epicentro do vórtice
de transformação digital, mas todas as organizações, mais cedo ou mais tarde,
serão sugadas para este vórtice.  Assim,
vale a pena olhar o futuro sob outra ótica, considerando que o modelo bimodal é
apenas transitório, criado apenas pela incapacidade de uma grande organização
se transformar radicalmente de um dia para o outro. Mas o futuro será das
empresas auto ajustáveis. Bimodal não é objetivo, apenas uma escala intermediária
para novos modelos organizacionais.

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