Flip 2020 – Elizabeth Bishop, pandemia e literatura sem “festa”

 

Por causa da covid-19 e
à pandemia global, foram tantos os eventos que precisaram ser cancelados ou
adiados desde que o mundo foi atingido por essa nova doença que a toda hora
lemos ou vemos algo a respeito. Infelizmente, esse fato também afetou ao nosso
principal evento literário no Brasil – a Flip 2020.

Não fosse a pandemia,
nesse momento talvez eu estivesse aqui escrevendo sobre como teria sido a 18ª
edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), inicialmente marcada
para começar no último dia 29 julho. Como tantas outras festividades, a Flip
foi adiada e agora tem sua realização
prevista para novembro, em um
modelo ainda indefinido, mas provavelmente híbrido entre o virtual e o presencial
“reduzido”, seguindo as recomendações sanitárias do momento.

Alguns nomes de
participantes já haviam sido anunciados quando tudo parou. É possível que
autores nacionais e internacionais que pretendiam vir em julho consigam mudar
suas agendas. Para alguns, entretanto, o adiamento pode significar ausência.
Assim, entender qual o “tom” da festa desse ano só será possível quando a nova
data for confirmada e, aos poucos, novos anúncios de presença forem divulgados.

Em meio a toda essa
desagradável – mas imprescindível – mudança, um ponto não se alterou: a autora
homenageada de 2020, a poeta americana Elizabeth Bishop (1911-1979). Quando o
nome dela foi anunciado, o público e até alguns autores se manifestaram
contrários à escolha da Flip. Houve até campanha na internet pedindo a troca do
homenageado.

Para entender um pouco
esse debate primeiro é preciso lembrar que desde
2003, quando estreou em Paraty, a Flip presta homenagem a um
autor brasileiro. Nomes como
Machado de Assis, Carlos Drummond de
Andrade e Mário de Andrade já foram laureados em outras edições. Ano passado o
homenageado foi Euclides da Cunha. Em 2005, foi a ucraniana naturalizada
brasileira Clarice Lispector.

Mas a discussão em
relação ao nome de Bishop vai muito além do fato dela ser estrangeira. Suas
opiniões políticas e algumas das críticas que ela fez ao Brasil é que pesam
contra ela. A poeta veio para o Brasil em 1951 para uma breve estadia, como
parte de uma viagem pela América do Sul, mas apaixonou-se pela arquiteta Lota
de Macedo Soares e ficou no Rio de Janeiro, onde viveu por muitos anos. A
história delas foi contada no filme Flores Raras, de 2013.

Quando chegou ao
Brasil, Bishop já era reconhecida como uma das grandes poetas do século 20,
ainda que só houvesse publicado um livro até então. Boa parte da sua obra foi
produzida por aqui e foi influenciada pela cultura brasileira. “
Reconhecida como uma das maiores poetas
do século 20, Bishop – que viveu por quase 20 anos no nosso país – foi uma das
grandes responsáveis pela divulgação da literatura brasileira em terras
estrangeiras. Sua relevância para o Brasil e para a literatura foram, portanto,
as razões essenciais para sua escolha”, explica a organização do evento em seu
site oficial.

Essa relação com o país
a levou a escrever, especialmente em cartas, sobre questões ligadas aos
costumes e à política brasileira. E é essa escrita não literária que gera tanta
controvérsia em relação à autora. Em especial as opiniões sobre o golpe de
1964. “Nunca na minha vida, antes de vir para cá, sonhei por um minuto que
algum dia eu gostaria de ver um exército tomar o poder”, escreveu em uma
carta pouco depois da tomada de poder pelos militares. Ainda que em outros
momentos ela tenha mostrado certa ambiguidade em relação à ditadura, é essa
posição favorável ao golpe que prevaleceu.

Visão elitista e críticas
ao Brasil e aos brasileiros fizeram parte da história dela durante seu período
de residência no país. Ela chegou a dizer que aqui era seu lar, mas ao mesmo
tempo escrevia a amigos para criticar aspectos culturais, como a informalidade
dos brasileiros, por exemplo. Esse histórico faz dela uma escolha ruim para ser
homenageada na maior festa literária brasileira, dizem seus críticos.
Especialmente em um momento de lutas de minorias e polarização política.

Os organizadores da festa acreditam que a polarização torna a discussão
do controverso ainda mais necessária. Eles chegaram a anunciar que fariam uma reavaliação
da homenagem, porém optaram por manter o nome de Bishop. 

Com mais alguns meses
até a nova data da Flip, podemos aproveitar o período de isolamento social para
ler poesia – algo não muito natural para a maioria – e para entender a obra de
Bishop, despidos de julgamentos. Uma opção é a versão original, em inglês, de
seu primeiro livro, “Poems: North & South – A Cold Spring”, com o qual ela venceu
o prêmio Pulitzer em 1956. Eu indico a antologia organizada e traduzida por
Paulo Henriques Britto “Poemas escolhidos”, publicado pela Companhia das
Letras.

Poemas escolhidos de Elizabeth Bishop

Seleção, tradução e
textos introdutórios de Paulo Henriques Britto

2012 – 416 Páginas

Companhia das Letras

 

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