Thiago Muniz, CEO da Receita Previsível

Brasil ainda engatinha na profissionalização de pré-vendas

Segundo estudo da Receita Previsível, tecnologia desconectada, orçamentos engessados e um país desigual são os entraves que continuam freando o crescimento do B2B no País

Mesmo com avanços no mercado B2B e crescente valorização da área de pré-vendas nas estratégias comerciais, o setor ainda opera, em boa parte, de forma improvisada. Essa é a principal conclusão da “Pesquisa de Pré-Vendas Brasil”, estudo nacional dedicado exclusivamente ao tema, realizado pela Receita Previsível em parceria com a Academia Rapport.

Com mais de mil respondentes, o levantamento revela um cenário de amadurecimento lento, marcado por fragmentação tecnológica, dependência orçamentária e desigualdades regionais. Embora seja uma etapa essencial na jornada de vendas — responsável por qualificar leads, agendar reuniões e preparar oportunidades comerciais —, o pré-vendas ainda carece de estrutura profissional.

“Durante anos, precisávamos nos contentar com menções superficiais dentro de estudos genéricos sobre vendas. Era como tentar entender cardiologia lendo sobre medicina geral. Decidimos preencher essa lacuna porque o mercado merece dados precisos para tomar decisões mais inteligentes”, comparou Thiago Muniz, CEO da Receita Previsível e professor da FGV.

Planilhas e CRMs: o abismo tecnológico

Um dos dados mais emblemáticos do estudo aponta que 31% das operações ainda dependem de planilhas ou sistemas improvisados, em vez de plataformas profissionais de CRM. Entre os que usam ferramentas dedicadas, a concentração recai sobre Pipedrive (16%), RD Station CRM (15%), HubSpot (13%) e Salesforce (8%), com maior adesão nas regiões Sul e Sudeste. “Encontrar um terço das operações rodando em planilhas é como descobrir que hospitais ainda usam fichas de papel para controlar cirurgias. Mostra o quanto esse mercado precisa amadurecer”, analisou Muniz.

IA ainda é pouco estruturada

Outro ponto da pesquisa mostra que 65% dos profissionais de pré-vendas já utilizam inteligência artificial na prospecção, mas de forma pouco estruturada. A maioria (55%) utiliza versões gratuitas e 77% se baseiam apenas no aprendizado autodidata. Apenas 10% investem em soluções pagas — e, nesse grupo, 39% receberam treinamento formal, contra apenas 8% dos usuários gratuitos. “Vemos aqui o mesmo padrão de imaturidade: quem mais precisa de estruturação é quem menos investe em capacitação. A IA pode ser o divisor de águas, mas só se tratada com a seriedade que merece”, comentou o CEO.

Orçamento: pouca autonomia e muita burocracia

A falta de autonomia orçamentária é outro entrave. Apenas 26% das equipes têm liberdade total para decidir onde investir. Para 31%, é necessário o aval direto do CEO; outros 23% dependem do diretor comercial. Em 19% dos casos, os times sequer controlam seus próprios orçamentos. Ainda assim, paradoxalmente, as empresas que submetem gastos ao RH — apenas 2% — são as que mais investem: 63% destinam R$ 3.500 ou mais por mês para tecnologia e inteligência comercial. Segundo Muniz, “trata-se de um círculo vicioso: quem mais precisa de agilidade nas decisões é quem menos tem autonomia. Isso retarda inovações e frustra equipes que poderiam entregar resultados superiores”.

Diferenças regionais e distribuição de receita

O estudo também mapeou as diferenças regionais. O Norte, por exemplo, tem o maior número médio de SDRs por operação (5), enquanto o Nordeste opera com times mais enxutos (2,8). Nas operações outbound, a variação também é significativa: Norte (4,8), Sudeste (3,9), Centro-Oeste (3,5), Sul (3,3) e Nordeste (2,5).

Quanto à receita, o Sudeste concentra a maioria das empresas com faturamento superior a R$ 4,8 milhões mensais, enquanto o Nordeste e Centro-Oeste predominam empresas de menor porte. O Sul aparece com maior volume de negócios de médio porte, e o Norte mostra um perfil mais equilibrado entre todos os segmentos.

Setores com prioridades diferentes

O tipo de mercado também influencia onde os recursos são aplicados. Empresas de TI investem 47% do orçamento em software, enquanto setores como Saúde e Educação priorizam treinamentos. Já o Agro, Jurídico e Construção Civil ainda demonstram baixo foco em tecnologia. “Empresas focadas em produtos tendem a investir mais em tecnologia e expansão de time. Já os negócios que vendem serviços priorizam treinamentos. As organizações que atuam com ambos os modelos mantêm uma distribuição mais equilibrada”, explicou o executivo.

Para onde vai o dinheiro

O destino dos recursos também revela muito sobre o setor. Mais da metade dos orçamentos vai para bonificações financeiras, mesmo nas empresas com maior autonomia. Já nas organizações em que o RH aprova os investimentos, há uma tendência maior de direcionar verbas para eventos e ações de employer branding. O pagamento de bônus, por sua vez, é predominantemente mensal: 61% das operações que investem na expansão do time e 59% das que priorizam treinamentos seguem esse modelo.

O futuro do pré-vendas no Brasil

Apesar das barreiras, a “Pesquisa de Pré-Vendas Brasil” aponta que o setor está em transição. As empresas que superarem os entraves tecnológicos, ganharem autonomia orçamentária e estruturarem seus processos com mais profissionalismo estarão em vantagem. “O mercado brasileiro de pré-vendas não é mais uma promessa, é uma realidade em busca de excelência”, concluiu Muniz.

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