A lição do Uber sobre cultura organizacional

Autor: Roberto Santos
Na noite da última terça-feira, o fundador e CEO da Uber, Travis Kalanick, renunciou ao seu cargo. A decisão foi tomada depois de meses e meses de episódios que rasgaram uma ferida aberta na reputação da empresa, mostrando claramente o impacto que uma cultura organizacional tóxica pode causar nos negócios de uma organização bem-sucedida por outros quesitos.
Os problemas da Uber começaram no último mês de fevereiro, quando uma ex-engenheira da empresa, Susan Fowler, publicou um post descrevendo como um gestor a assediou sexualmente. Por mais de uma vez, a área de RH da Uber ignorou suas reclamações, justificando, segundo Susan, que o gerente assediador tinha alta performance. Como costuma acontecer nos casos de impunidade de gestores com este caráter, ele a ameaçou de demissão caso ela seguisse com as queixas.
Esse não foi o único problema da empresa. Há relatos de consumo de drogas durante as reuniões de executivos, acusações de espionagem industrial, entre tantas outras histórias envolvendo excessos e escândalos.
Com um enorme foco na velocidade do crescimento do negócio, não é raro que as melhores práticas gerenciais sejam deixadas de lado — embora isso não deva ser uma desculpa para condutas deste tipo. Além dos problemas legais decorrentes destes problemas e das máculas na reputação pública destas organizações, o engajamento dos empregados é seriamente impactado e, conforme extensamente comprovado, cedo ou tarde, os resultados do negócio são feridos drasticamente.
Mas o que são cultura e valores organizacionais?
 
A maioria das empresas, pequenas, médias ou grandes, em todas indústrias e em todo globo, possui em suas paredes e em seus sites da internet, uma lista dos valores que são prescritos para todos aqueles que trabalham na organização. Então pronto!! Certo?… Errado! Não necessariamente o que se prescreve e se escreve, se pratica. Ou o que encontramos nas paredes das empresas é tão genérico e sujeito a múltiplas interpretações que pouco se permite cobrar de seus colaboradores.
 
Uma reportagem do “New York Times” informou, por exemplo, que os valores corporativos da Uber incluíam frases vagas como “trabalhe duro” e “seja você mesmo”. Isso não diz nada. O que a empresa espera de seus funcionários? Quais são os comportamentos aceitos dentro da organização? Ter os valores claros e uma gestão totalmente aderente a eles é imprescindível para evitar os problemas comportamentais que mancham a reputação organizacional.
 
E qual é o papel da liderança para que os valores praticados levem a uma cultura organizacional saudável, ética e produtiva?
 
Aquela máxima já repetida em outros artigos: “As pessoas não deixam as organizações, elas deixam os chefes”, se aplica aqui também. Na moldagem da cultura organizacional real (não aquela retratada em quadros nas paredes), o exemplo vem de cima. Se a liderança não dá exemplo de conduta, e não age com seus funcionários, em conformidade com os valores de ética e respeito que aparecem em 9 entre 10 listas de valores organizacionais, é óbvio que estes, mais provavelmente, vão replicar o exemplo que vem de cima e não o que está nas paredes. Isso tende a acontecer porque os gestores têm o controle da aplicação de recompensas e sanções aos empregados. Se um chefe bem avaliado pela organização, com esse poder na mão, e com o aval de RH, promete recompensas ou ameaças para funcionárias que atenderem a suas “cantadas”, o comportamento assediador passa a ser o “valor” preconizado nesta organização. Obviamente, muito talentos dessas organizações, como a Susan, acabam por desengajar-se e deixarem esses empregos pela covarde violação de seus valores individuais.
 
Quando a cúpula de uma organização se propõe a definir e publicar os valores que se pretendam definir a cultura de sua organização, ela deve ir muito além da redação de frases de efeito, bonitas e inspiradoras. A cultura organizacional é algo vivo, cujos valores devem se traduzir em ações. Em essência, a cultura organizacional deve ser vivida pelas pessoas no dia a dia, por comportamentos e atitudes que serão premiados ou repreendidos e até inaceitáveis. A cúpula deve refletir com honestidade intelectual e moral, sobre os valores, como os balizadores do que se pratica na empresa.
 
Por exemplo, o Travis Kalanick, deveria incentivar a discussão sobre os limites do “Seja você mesmo” – com o balizador dos limites de sua liberdade onde afeta a liberdade dos outros. Outras empresas que propagam o slogan de “somos fortemente focados nos resultados”, deveriam definir os limites com a pergunta: “resultados a qualquer custo? ” ou deveriam definir os limites da ética e do bem estar individual de seus colaboradores? É aquela pergunta básica do “desde que…” que devemos fazer no caso de valores. Queremos os melhores resultados desde que, dentro da ética, segundo a legislação aplicável e com respeito às pessoas, em todas suas dimensões.
 
Os processos de definição dos valores organizacionais mais efetivos e profundos são aqueles em que se testam cada uma das frases bonitas que definem os valores, com perguntas ácidas sobre como responderão em situações cotidianas e triviais em que os valores sejam colocados à prova. Por exemplo, um chefe que tem os melhore e maiores resultados organizacionais serão mantidos na organização mesmo que pratiquem assédios de qualquer natureza com seus liderados?
 
Medindo a aderência aos valores organizacionais
 
Se a organização leva a sério os valores que divulga como definidores da marca que deseja para sua presença no mercado, ela deve se preocupar em medir a aderência daqueles que se relacionam com ela – interna e externamente – com seus valores. Esta mensuração pode ser feita em vários níveis. Desde quantos problemas com a justiça a empresa se envolve – infrações ao código do consumidor ou à temida “lava-jato” por corrupção – até indicadores organizacionais como rotatividade de pessoal e resultados de pesquisas de engajamento.
 
Nesta linha, como apontamos a responsabilidade superior que se atribui à liderança da organização, existem métodos como as avaliações por múltiplos avaliadores, conhecidas como feedback 180 ou 360 graus, e mecanismos de comunicação direta dos funcionários com um órgão do tipo ouvidoria, ligado ao presidente, em que aqueles podem se manifestar, sem medo de retaliação seu superior direto.
 
Além disso, no campo de avaliações dos funcionários, as organizações mais avançadas e progressistas têm dado um peso cada dia mais equilibrado entre “O Que” se deve alcançar como resultado, e o “Como” deve-se alcançá-los. Estas empresas estabelecem as competências preconizadas pela alta liderança, como a definição comportamental dos valores organizacionais que serão recompensados ou punidos. Dessa forma, em última instância, a remuneração individual poderá ser afetada positiva ou negativamente, pelas atitudes no dia a dia de todos colaboradores, mas em especial, aqueles que ocupam postos de liderança e podem acabar colocando o CEO da empresa, como no caso da Uber, ou nos terríveis casos nacionais das J&Fs, Petrobrás ou Odebrechts, nas páginas policiais e nas baixas drásticas de seu valor de mercado anunciadas para desespero de seus pequenos acionistas.
Roberto Santos é sócio-diretor da Ateliê RH.

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