João Francisco Crusca
Quando um crime atinge a sociedade, os mais afoitos correm a cobrar eficiência da polícia. Aceita-se tudo que possa levar ao esclarecimento, incluindo violações a princípios. Neste caso, não se dá importância caso o trabalho policial deixe rastros de ilegalidade e injustiça. Porém, ninguém ganha quando se cometem delitos para punir outro. Mesmo o sentimento pessoal da vítima e de pessoas indignadas com o fato esbarra na consciência de que outros podem sofrer violações.
Talvez a sociedade dirigente não se importe com a massa, por acreditar ser superior. Quando um delito atinge um membro desta elite, o que importa se vários outros crimes serão cometidos contra os membros da massa alienada para punir o transgressor? Nesta conjuntura não é de se admirar que, na investigação, alguns policiais menos esclarecidos sintam-se tentados a usar a força além do necessário. Não percebem que fazem o papel de “capitão de mato”, agindo fora da lei. Estes integram a sociedade dirigida, que agridem para satisfazer a sociedade dirigente. Há outros motivos para desmotivar a população em cooperar com a polícia, como a indiferença com a desgraça alheia ou medo de represálias. Em conseqüência, as instituições policiais padecem da falta de informações.
A sociedade percebeu que a solução não viria pronta da alta cúpula do governo. Lembrou que o trabalho policial depende essencialmente de informações fornecidas pela própria sociedade, e que policial não faz milagres. Crimes não se combatem. Devem ser evitados com ferramentas legais. A sociedade organizou-se. Com recursos de empresas e pessoas físicas em São Paulo, o Instituto São Paulo Contra a Violência, ONG mantida por entidades empresariais, criou o Disque-Denúncia, para “armar” a polícia com informações.
O serviço, que mantém rigorosamente o sigilo dos denunciantes, incentiva a denúncia, porque o denunciante não será molestado de forma alguma. Poderá, também de forma anônima, cobrar o resultado de sua denúncia, criando mais confiança no trabalho policial, pois vai saber o resultado de sua cooperação. Policiais, obtendo informações dessa forma, não se utilizam de qualquer ato ilegal ou imoral por não precisar deles. Somente este aspecto já seria suficiente para afirmar que o Disque-Denúncia é um grande cooperador na promoção dos direitos fundamentais.
O direito fundamental é aquele que a todos nós fazemos jus. Só serei digno dele se todos também o forem. A segurança é direito fundamental de todas as pessoas e não só da elite. A possibilidade de denúncia anônima aproxima o cidadão da polícia, cujo trabalho deve ser feito em seu favor. É um serviço educativo. Portanto, todos devem participar.
Desta forma, por meio de um serviço de utilidade pública, policiais aproximam-se da sociedade e não se sentem discriminados. Esta consciência só fará desenvolver sentimentos de igualdade. Deixaremos de ser massa, para sermos o povo brasileiro, orgulhoso de sua cultura, vivendo nossa própria realidade, sem importar “soluções”, inclusive na área de segurança.
João Francisco Crusca é delegado de Policia, coordenador da Polícia Civil no Disque Denúncia de São Paulo e membro do Centro de Direitos Humanos “Celso Vilhena Vieira”.