Autor: Marcelo Mariaca
Em épocas de turbulência e tsunâmis financeiros, tornou-se lugar comum citar a sabedoria dos chineses que usam a composição de dois ideogramas para exprimir a idéia de crise: um representa perigo e o outro, oportunidade. A experiência e a história têm demonstrado a verdade que se encerra na semântica oriental. Nas crises, enquanto uns perdem, outros criam novas oportunidades de negócios.
Embora boa parte das empresas esteja de fato revendo seus planejamentos e cancelando investimentos, outras focam o futuro e mantêm seus planos para aguardar, ainda mais fortalecidas, novos tempos de vacas gordas. No caso particular da gestão de pessoas, as empresas não querem se arriscar a abrir mão dos talentos que são, em última instância, peça fundamental de seu crescimento e sucesso. É um risco muito grande para a empresa descartar ativos nos quais investiram muito em treinamento e desenvolvimento, executivos que criaram relacionamentos sólidos com clientes ou acionistas e acumularam conhecimentos sobre produtos, mercados e concorrentes.
Abrir mão desses talentos significa gastar mais em recrutamento e treinamento quando a economia voltar a rodar com força total. A retenção de talentos, neste momento, é estratégica para a empresa de visão. Em alguns casos, as corporações chegam até a ampliar os benefícios para não perder seus melhores profissionais para a concorrência.
Além disso, em época de crise, com o mercado mais estreito, as empresas precisam aumentar sua competitividade para sobreviver, crescer e conquistar market share. E uma das estratégias principais é investir em melhores profissionais, naqueles que realmente fazem a diferença, que agregam valor na linguagem corporativa. Empresas ousadas e visionárias até correm atrás dos talentos que foram descartados pela concorrência. Além de levarem sua expertise, suas habilidades e competências, esses profissionais também tendem a melhorar ainda mais seu desempenho, pois se sentem reconhecidos e até agradecidos.
Alguns setores, atingidos com menos intensidade pela crise e que não podem interromper seus investimentos, continuarão a recrutar. É o caso, por exemplo, dos segmentos de agronegócios, energia (principalmente petróleo e etanol) e infra-estrutura.
Não custa lembrar que, ao contrário do que ocorre na Europa e nos Estados Unidos, onde a recessão parece ser inevitável, o Brasil provavelmente continuará crescendo no próximo ano – menos, é claro, do que se previa há meses, mas mesmo assim em taxas respeitáveis de 2,5% a 3%, segundo estimativas de especialistas. Outros fenômenos não podem ser desprezados, como a emergência das chamadas classes C e D como forças consumidoras, o fortalecimento do mercado de consumo interno, os programas de renda do governo, o aumento real do salário e, simultaneamente, a maior competitividade das exportações brasileiras com o realinhamento do dólar e as outras moedas relevantes. Tudo isso funcionará como uma espécie de colchão para amortecer um pouco o impacto da crise. Em resumo: o país continuará crescendo, embora talvez em menor ritmo ao que estávamos acostumados nos últimos meses.
Prevê-se, também, o aquecimento da demanda por serviços de apoio especializado durante fusões, como o “outplacement” que empresas fornecem aos talentos demitidos durante reestruturações. Alguns especialistas acreditam que, em função de dificuldades do momento e da criação de novas oportunidades, muitas empresas sairão em busca da aquisição de outras mais enfraquecidas ou complementares.
Na gestão do capital humano, a empresa não pode focar-se exclusivamente em minimizar custos e evitar perdas. Mais do que isso, ela deve procurar olhar para o futuro e antecipar tendências. Assim, ela ganhará musculatura e estará preparada para beneficiar-se, em melhores condições que a concorrência, de um cenário mais promissor no futuro.
Marcelo Mariaca é presidente da Mariaca e professor do MBA da BBS – Brazilian Business School.