Orquestra em desarmonia

Luiz Felipe Cortoni
A relação entre os maestros das principais orquestras sinfônicas do mundo e os seus músicos é o tema de uma discussão que está incendiando o comedido mundo da música clássica. E as reportagens publicadas na imprensa sobre assunto revelam algo que muitos já sabiam, mas que até agora não haviam dado muita atenção: a tirania do estilo de gestão/liderança de alguns maestros e os impactos na performance e na reação dos músicos. O tema interessa ao público em geral como uma curiosidade e uma excentricidade, porém interessa em particular aos executivos e gestores de empresas porque reacende duas polêmicas interessantes e velhas conhecidas.
A primeira diz respeito à discussão do estilo de liderança. No ambiente das empresas este é um tema debatido e experimentado cotidianamente, escolas de pensamento em management produziram e produzem farto material sobre o assunto, além de seminários, cursos e coachings que são realizados para desenvolver novas e antigas lideranças. O centro da discussão é exatamente o mesmo que vem sendo debatido no mundo musical: qual é o impacto do estilo e das práticas de liderança de um líder no comportamento dos seguidores e/ou subordinados? Como este impacto se traduz em motivação para o trabalho e produtividade?
Não é o caso dos maestros terem de freqüentar os cursos citados. No entanto, para eles que lidam com pessoas com intenção de conseguir resultados em um ambiente altamente motivador de produção musical, não é possível admitir que o estilo tirânico pudesse ser aquele escolhido para a condução de músicos e a produção de música. Não é necessário ser um especialista em relações humanas para saber que tiranos colhem reações contrárias como sabotagem, “corpo mole” e desvios de conduta, respostas que são conseqüência direta do seu comportamento. É sabedoria corrente que quanto maior a opressão, mais as pessoas desenvolvem (mais cedo ou mais tarde) mecanismos de sobrepassá-la, ou de simplesmente evitá-la. É simples, será que maestros tidos como autoritários gostariam de ser tratados da mesma forma que tratam seus músicos?
Gestores de empresas têm estas questões à “flor da pele” e buscam seus resultados com consciência de que seu estilo melhora ou piora a performance de equipes com quem trabalham. Porém, justiça seja feita, é óbvio que entre eles estão os que se aproximam em atitudes dos maestros autoritários, e pode ser que diante desta polêmica estejam refletindo ou mesmo festejando suas práticas.
Em resumo, se este tema não está resolvido nas empresas, pelo menos lá é objeto permanente de discussão e desenvolvimento. No mínimo elas não aprovam a idéia de ter paralisações, sabotagens e greves de seus funcionários, principalmente se forem causadas por estilos gerenciais tirânicos.
A segunda polêmica é decorrente da primeira. Muito se utilizou e ainda se utiliza a metáfora da orquestra sinfônica e seu maestro para compreender e ilustrar aspectos da relação líder x seguidor e do funcionamento de equipes dentro das empresas. Neste caso, não parece que esta seja uma metáfora adequada. As fortes e profundas mudanças globais nos últimos tempos direcionaram o cenário organizacional para: estruturas em rede, organizações virtuais, estruturas matriciais globais, flexibilidade, adaptabilidade, competências comportamentais diferenciadas… que já não podem mais ser entendidas com a ajuda das mesmas metáforas e conceitos.
De fato as organizações de hoje estão exatamente pregando, desenvolvendo e incentivando práticas de relacionamento que sustentem um ambiente minimamente saudável para se trabalhar. Talvez a metáfora neste ponto pudesse ser invertida: compreender a gestão de uma orquestra sinfônica através da gestão de uma equipe de trabalho em uma empresa.
Pessoas motivadas e suas contribuições são fundamentais para o sucesso. Líderes que incentivem e fomentem isto muito mais.
Seria uma enorme injustiça deduzir que todos os maestros são autoritários. Porém é hora de renovar práticas e conceitos que privilegiem as pessoas e suas competências como a principal fonte de resultados de uma empresa (orquestra ou não). Gestores e maestros são facilitadores e incentivadores de talentos, de aprendizagem e de ambientes estimuladores de produtividade.
Se for necessária uma metáfora do mundo musical para se compreender melhor estas questões, esta seria a da banda de jazz. Ela pode produzir melhores resultados em termos comparativos. Ao contrário da orquestra sinfônica, que segue uma partitura pré-existente, pouca inovação na execução e segue as orientações de um líder sempre presente, com muito pouco riscos e erros, uma jazz band é caracterizada pela improvisação/inovação, pela criação sem o benefício do planejamento, pela liderança e aprendizagem compartilhadas, pela auto gestão, entre outras. Com estas características, muito mais próximas do cotidiano das empresas hoje, e sem ser uma nova moda, a metáfora da banda de jazz pode contribuir para uma reflexão mais atualizada de alguns aspectos do cotidiano do management, enfocando estes pontos em torno dos quais orienta sua produção musical.
Uma banda de jazz pode ajudar, ainda no mesmo sentido metafórico, líderes e “músicos” organizacionais a compreender como responder melhor às exigências de desempenho em ambientes de velocidade e criatividade, que é o que o músico de jazz sabe fazer com muita competência, sem precisar que alguém o trate de maneira autoritária.
Luis Felipe Cortoni, professor do Instituto Vanzolini (USP) e sócio-diretor da LCZ Desenvolvimento de Pessoas e Organizações.

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