Terceirização e o direito de contratar

Autora: Vivien Mello Suruagy
Os limites para a contratação de mão de obra terceirizada no Brasil se transformaram numa sinistra ficção na Justiça do Trabalho e um duro golpe para as empresas que precisam se adaptar à economia moderna para sobreviver no mercado brasileiro. A falta de regulamentação da atividade, vital para a geração de empregos, abre espaço para as mais ambíguas interpretações, o que só provoca insegurança jurídica no País e acaba por tumultuar as relações do trabalho.
Agora, caberá ao Supremo Tribunal Federal a tarefa de definir os parâmetros da terceirização no País, a partir de um caso surreal, como a maioria: o Ministério Público do Trabalho de Minas denunciou a indústria de celulose Cenibra de terceirizar funcionários de empreiteiras para o florestamento e o reflorestamento. Segundo os procuradores, “o ato caracteriza terceirização ilegal”, pois a produção de celulose é sua principal atividade – ou sua atividade-fim.
A empresa foi condenada em todas as instâncias da Justiça trabalhista. Porém, no recurso ao STF, a Cenibra alega que não existe definição jurídica para “atividade-meio” e “atividade-fim”, distinção incompatível com o processo de produção moderno. Logo, a proibição violaria o princípio da legalidade contido no inciso II do artigo 5° da Constituição Federal: “… ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
A Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho só admite a mão de obra terceirizada em atividade-meio, como se nos meios de produção atuais fosse possível distinguir exatamente o que é meio ou fim. Disto resultam algumas decisões absurdas na Justiça do Trabalho envolvendo a terceirização. Mas é uma súmula, não é lei.
O Brasil usa a força do trabalho terceirizado há décadas, mas lhe nega o reconhecimento, o direito de se abrigar sob proteção legal. Empresas sérias do setor, que cumprem suas obrigações, sabem que precisam de empregados satisfeitos, bem remunerados e com todos os direitos trabalhistas assegurados. Portanto, sob o prisma normativo, os pré-requisitos são obedecidos. São cerca de quinze milhões de trabalhadores que vivem esta situação no Brasil, abrigando mais de 30 milhões de famílias.
Os sindicatos de patrões e de empregados terceirizados seguem à risca todos os princípios legais e ali, nas convenções coletivas firmadas por eles, não se admite qualquer forma de exploração do trabalhador.
Em suma, é importante separar o joio do trigo, pois a falta de legalização abre um amplo espaço para atuação de empresas clandestinas, que efetivamente contribuem para precarização. Grupos ilegais servem de base de argumentação para algumas centrais sindicais organizarem sua tuba de ressonância e manipularem informações, ecoando o canto de que a terceirização baixa salários e reduz conquistas.
Essas entidades – infelizmente apoiadas por setores importantes da administração federal e parlamentares radicais -, sustentam a tese enviesada da precarização com o intuito de garantir dinheiro aos seus cofres, jamais para defender os empregados. Na verdade, querem que todos os trabalhadores terceirizados passem para sua esfera; com isso, arrecadam mais e aumentam seu poder.
É a feição do neopeleguismo: seu objetivo é desvirtuar o debate, sob o olhar complacente de poucos partidos políticos e de parte da Justiça do Trabalho. Todos fingem não saber os enormes prejuízos que causam à economia.
No nosso caso, de telefonia, banda larga, TV a cabo e outros serviços, os perigos da falta de norma legal são imensos. Os movimentos contra a terceirização provocarão o desemprego de mão de obra especializada, além da destruição de toda a tecnologia e experiência nacional adquirida ao longo de tantos anos. Se a terceirização não é regulamentada, quem fará todo esse serviço de instalação para que o sistema funcione? Com insegurança jurídica e derrotas sucessivas na Justiça do Trabalho, o ambiente de negócios torna-se cada vez mais insustentável.
As operadoras, é mais que sabido, não possuem expertise para executar o serviço prestado pelas terceirizadas. E nem deveriam possuir. Nem aqui nem em qualquer outra parte do mundo. A não regulamentação pode propiciar situações perversas, como contratantes que forçam a precarização do trabalho, impondo preços baixos e inexequíveis às suas contratadas e atrasando medições e pagamentos. Nesse caminho estaremos incentivando a migração de serviços especializados para países de reconhecida competência técnica e custo de mão de obra mais baratos que o Brasil, como a China e a Índia.
O governo federal, ao apoiar essa retrógrada visão, se posiciona contrário ao seu próprio discurso. E se contradiz também quando alega defender o País ao obrigar que boa parte dos componentes industriais seja nacional. Não é o caso, pois a verdade aponta para o beneficiamento de grandes grupos. A nacionalização de equipamentos não existe e as licitações ganhas comprovam que os preços mais altos são sempre os selecionados. O nacionalismo propagado é uma bazófia.
No caso em análise pelo STF, convém lembrar que nos países mais avançados – como os Estados Unidos, os europeus e o Japão – a terceirização já atinge 90% da produção. Lá, o dono da empresa decide quem contratar e para qual tipo de serviço; essa liberdade não é tolhida por nenhuma súmula. Afinal de contas, o risco do negócio é dele.
O empenho contra a atividade, além de fazer o país andar para trás, gera danos à economia, por conta dos inevitáveis aumentos do custo de serviços para os consumidores.
Não por acaso, consolida-se a impressão de que o Brasil, na constelação das Nações, é o exemplo perfeito da imagem do país do eterno retorno, a figura de Nietzsche. Quando imaginamos ter chegado ao fim da estrada, retornamos ao início. Sob o apagão de nossa memória e destruição de nossos esforços.
Cabe ao Supremo Tribunal Federal endireitar os rumos da História.
Vivien Mello Suruagy é engenheira e presidente do Sindicato Nacional das Empresas Prestadoras de Serviços em Telecomunicações, Sinstal.

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