Uma visão mais concreta

Autor: Flavio Ditt
O carro voador de “Blade runner” ou “De volta para o futuro” ainda vai ser infactível por um bom tempo. Mas muito em breve o que os espectadores das reprises vão achar anacrônico é o carro ter motorista. Aplicações cognitivas, IoT (Internet das coisas), RPA (automação com robotização de processos) e os fundamentos tecnológicos dessas inovações (multicloud, APIs abertas etc.) estão na agenda de todos os profissionais de TI, enquanto cada um buscar contextualizar as transformações à realidade de seu público e de seu negócio.
A maturidade das tecnologias já traz questões inusitadas, como a discussão na ONU sobre a possibilidade de drones militares tomarem a decisão de atirar. Em meio às megatendências, cada setor da indústria sinaliza uma visão mais objetiva e escalonada da “transformação digital”, o que indica iniciativas com escopo mais bem definido em 2018. “As companhias devem focar nas aplicações que habilitem resultados ao negócio. As questões genéricas sobre Inteligência Artificial e outros impasses podem ficar por conta dos pesquisadores e autores de literatura científica”, comenta David Cearley, vice-presidente do Gartner. “Cerca de 40% das companhias na América Latina têm planos relacionados a IoT. Mas em apenas 40% (16% do total) as áreas de negócios estão envolvidas nos projetos e só em 25% (4% do total) teremos cases implementados até o fim de 2018”, comenta Jay Gumbiner, vice-presidente da IDC Latin América.
Em paralelo aos diversos levantamentos e projeções para o período de 2017 e 2018, vários desafios práticos se colocam e muitas empresas já se destacam por compor de forma objetiva e eficiente as oportunidades tecnológicas.
Computação cognitiva e automação: a confusão de expectativas e a simplificação nas iniciativas reais
Jay Gumbiner, da IDC, observa Inteligência Artificial é transversal a várias inovações. Até 2020, segundo o analista, funções de IA serão usadas em 40% dos robôs industriais e na estrutura de cibersegurança de 60% das corporações mundiais. O Gartner estima que, até 2022, tarefas burocráticas e repetitivas serão o foco do desenvolvimento. “Gerar um relatório semanal ou atualizar tabelas não têm o mesmo apelo de um sistema capaz de diagnosticar doenças raras”, reconhece Carig Roth, vice-presidente de pesquisa do Gartner. “As companhias começam a dimensionar os benefícios de tirar as pessoas de tarefas rotineiras”, constata.
O mesmo relatório do Gartner destaca que o setor de varejo deve usar IoT, robotização e IA para alavancar a eficiência operacional e enriquecer a interação com clientes. No entanto, Robert Hetu, vice-presidente de pesquisas avisa que as tentativas de substituir vendedores tendem fracassar. “Os varejistas conseguirão reduzir os custos com operadores de caixa e outras funções transacionais. Mas precisam investir em aplicações e treinamento para as pessoas que interagem com o cliente”, recomenda. A avaliação dos analistas vai ao encontro de tendências observadas no Brasil, não só no varejo como também no projeto de um grande banco privado, de uso de sistemas de IA para apoio a vendas e atendimento.
Diante da multiplicidade de conceitos e possibilidades de aplicação de análise de dados, machine learning e outros novos recursos de software, os gestores responsáveis por melhorias e inovação definem seus critérios de decisão. Entre eles, um dos principais é a estabilidade dos processos, a quantidade de variáveis que determina a complexidade das respostas e também o nível de supervisão (os casos em que há ou não intervenção humana) recomendado.
Em grande parte dos casos, essa abordagem, de deixar as pessoas exclusivamente dedicadas a realizar “trabalho de gente”, sequer precisa lidar com tecnologias como machine learning e analytics. Isto porque, alguns dos piores gargalos de produtividade estão em processos estáveis e repetitivos, resolvidos com implementações rápidas de RPA. Contudo, tanto para os projetos disruptivos quanto para as melhorias incrementais, com resultados mais imediatos no caixa, vários fundamentos do ambiente tecnológico são comuns.
Multicloud, novas aplicações e legado em ecossistemas digitais
A chave do modelo de grandes startups de serviços digitais é conseguir identificar as dores do cliente, juntar serviços já existentes e rapidamente empacotar uma solução relevante e criativa. Quem já se estabeleceu sobre arquiteturas de nuvem, microsserviços e outros padrões já criados para interoperar, leva vantagem. Por exemplo, o motorista que recebe uma chamada pelo aplicativo não vê sentido em digitar o endereço no assistente de rotas. Em contrapartida, milhões de trabalhadores de escritórios ainda gastam horas com Alt+tab e Crtl+C/Crtl+V, transferindo informações de um sistema a outro. São essas organizações que precisam de “transformação digital”.
Durante 2018, e certamente em anos posteriores, ainda veremos grandes movimentos de padronização tecnológica, exposição de sistemas legados (com web services etc.) e, principalmente revisão de processos de negócios.
Evidentemente, os serviços em nuvem são os grandes habilitadores dos projetos de inovação. Porém, o aproveitamento das oportunidades técnicas (de plataformas especializadas ou otimizadas) e comerciais dos provedores normalmente também exige revisão e reorganização do portfólio de aplicações.
Interfaces humano-digitais, segregando a inteligência e a entrega
As aplicações de interação por linguagem natural já fazem parte do dia a dia, embora algumas iniciativas experimentais ainda rendam piada. Assim como ocorre com a computação cognitiva, a migração para plataformas de reconhecimento de fala, chatbots e outros sistemas conversacionais depende também da complexidade das interações. A boa notícia é que em nossas relações de consumo não somos tão peculiares: nos projetos de automação bem feitos, em poucas semanas o sistema “aprende” a entender a maioria das perguntas e o índice de respostas automáticas satisfatórias escala rapidamente.
O sucesso de uma estratégia de interação digital – de fazer a máquina responder o que pode e instrumentalizar as pessoas quando são necessárias – passa por muito trabalho de retaguarda, da modelagem de dados a monitoramento das chamadas/sessões. Uma vez feito isso, é preciso garantir que essa inteligência seja entregue nos canais existentes ou a serem criados.
Enquanto os índices de preferência de canais tradicionais, telefone e web site, ficam relativamente estáveis, no mobile as tendências se alteram rapidamente. Por exemplo, lançar front end em lojas de aplicativos, uma febre há pouco mais de um ano, tem cedido espaço a comunicação por meio de apps de mensagens. Em pouco tempo, o público terá mudado seus hábitos tecnológicos e outras modas virão. Portanto, decisões relacionadas a padrões abertos, arquitetura e qualidade de software passam a ter desdobramentos bem tangíveis no futuro do negócio nos próximos anos.
Flavio Ditt é diretor executivo da Coddera.

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