Existe um vácuo entre as necessidades tecnológicas e a preparação dos profissionais dessa área no país. Ao mesmo tempo, o investimento que migra da especulação financeira para aplicação em inovações se ressente de projetos e modelos de negócios promissores. O Brasil precisa criar um ambiente favorável ao empreendedorismo e à conquista de capital humano que construa o futuro de um país muito mais competitivo. Esse é o resumo do quadro apresentado, hoje (01), por Pierre Lucena, presidente da Porto Digital e professor da UFPE, na 131ª live da série de entrevistas dos portais ClienteSA e Callcenter.inf.br.
Considerado um polo de inovação tecnológica diferenciado, apontado pela revista Business Week, em 2010, como um dos construtores do futuro mundial, o Porto Digital nasceu, há 20 anos, com dois propósitos basilares, segundo seu presidente: a construção de um cluster de inovação de âmbito global e a revitalização de uma região do centro histórico de Recife (PE). A ideia brotou de um problema constatado na década de 1990. Os jovens que se formavam, principalmente em Ciência da Computação, na Universidade Federal de Pernambuco, não encontravam oportunidades de emprego ou para empreender. Esse fato fez surgir o hub de inovação, que começou com a constituição de duas empresas e, hoje, soma 339 estabelecidas, criando e empregando na região. Atualmente, são 11.600 profissionais trabalhando nele. “É uma iniciativa estatal, mas com administração privada. Crescemos 24% em 2019 e este ano ainda é uma incógnita. A maioria das organizações do parque são startups e, principalmente as que tinham contrato com setor público, estão sofrendo agora. Nossa expectativa é que a vida volte ao normal até o final do ano.”
Instigado a falar sobre as mudanças provocadas pela pandemia, notadamente em relação ao sucesso das organizações mais preparadas para a digitalização, com inserção no e-commerce, Lucena explicou que a transformação digital forçada pela crise levou as organizações a recorrerem aos grandes fornecedores de tecnologia. “Principalmente na área de TI, há uma forte tendência ao monopólio. Não sabemos ainda como responder a isso. É um paradoxo. A tecnologia, ao invés de democratizar as oportunidades, gera concentração de negócios.” Como exemplo, o executivo citou o domínio do Facebook e Google. Em relação ao e-commerce, ele entende que já havia a tendência de crescimento, mas lembrou que, dependendo da localização das lojas físicas, se há uma queda de 30% da comercialização, praticamente inviabiliza manter os pontos em locais mais caros. “A transformação digital criou o que chamamos de ´apocalipse do varejo´. Porque o conforto do e-commerce está até esvaziando alguns shoppings centers nos países mais adiantados, a partir da nova realidade pós-pandemia.” O professor acrescentou ainda que há grandes varejistas que se digitalizaram até a raiz do negócio, mas a concorrência nestes casos é mais fácil e vai representar um grande desafio a ser enfrentado.
Ainda na conversa, ele afirmou que, para um hub de negócios inovadores como esse dar certo, três fatores são fundamentais: em primeiro lugar, um local de fácil acesso em que as pessoas se encontrem e troquem ideias, o que nem sempre funciona via comunicação digital. Em segundo, um país em que haja fomento ao empreendedorismo, o que, no Brasil, é praticamente zero. E, em terceiro, contar com profissionais de alta competência. “No nosso caso, estamos com cerca de 1.500 vagas não preenchidas, num local cuja taxa de desemprego chega aos 17%. Ou seja, não só no Brasil, mas no mundo todo, há um gap entre as competências encontradas e as exigidas.” Ao mesmo tempo, reforça o executivo, em um país no qual o empreendedorismo é bastante desestimulado.
Outra coisa relevante, na concepção de Lucena, é que as famílias direcionam demais os jovens para formação em campos de atuação que não o de tecnologia. “Se o home office vingar, como parece que é o que acontecerá, os desenvolvedores de softwares vão desaparecer do país. Vão todos para o exterior. Na Alemanha há 400 mil vagas para esses profissionais. Porque aqui no país eles não ganham nem a metade do que é oferecido lá.” Indagado a respeito da presença dos investidores privados em todo esse processo, o executivo afirmou que, com a queda da Selic, as pessoas com dinheiro têm procurado startups promissoras nas quais investir. Mas o que existe, no país, são projetos pequenos e faltam modelos de negócios bem feitos. “Ou seja, há muito dinheiro disponível, mas ainda não há projetos com grandes perspectivas, essa é a verdade. Quando há um profissional com grande potencial ele acaba se encaixando no mercado de trabalho. Por que ainda não se desenvolveu a cultura do empreendedorismo. É inaceitável que no Brasil exista investimento e falte criatividade. Há vagas nas empresas, mas faltam profissionais gabaritados. Algo falhou muito no desenvolvimento do país em relação a tudo isso.”
No encerramento, ao colocar relevo na necessidade de o país reconhecer seus talentos em prol do empreendedorismo, Lucena garantiu que o futuro não está no setor público. Tudo depende do grau de inovação que possa existir. “Estamos criando atividades, aqui no parque tecnológico, com participação de presidentes de empresas e economistas famosos para gerar efervescência, incentivando o jovens para virem para cá. Só conseguiremos colocar o Brasil no primeiro time da tecnologia mundial por meio de um forte processo de inclusão. A luta pela conquista de capital humano é que será determinante”, finalizou.
O vídeo com a entrevista, na íntegra, está disponível em nosso canal no Youtube. Aproveite para também se inscrever e ficar por dentro das próximas lives. Amanhã (02), a série de entrevistas terá sequência com o “Sextou?”, que trará o tema Líderes que inspiram o mercado ao reunir Guilherme Kolberg, sócio e head de customer experience da XP e Rodrigo Tavares, VP de customer journey da RecargaPay.