O segredo é manter o vínculo forte desde o início, cultivando interações que façam sentido e que, ao mesmo tempo, respeitem o espaço do cliente
Autor: Eric Garmes
Vivemos em tempos desafiadores. Pense em quantas vezes você, como consumidor, se deparou com uma promessa vazia, um atendimento mecânico, ou uma experiência frustrante com uma marca. Seja um serviço de assinatura que nunca chega, um suporte que não resolve nada, ou um produto que não corresponde às expectativas — essas situações corroem a confiança. E o pior: isso é mais comum do que deveria ser. O resultado? Consumidores cautelosos, sempre com um pé atrás.
E não é só isso. Com o avanço tecnológico, veio também a era da conveniência. As pessoas querem tudo de forma rápida, simples e sem complicações. No entanto, à medida que as empresas se automatizam para atender essa demanda por eficiência, muitas vezes perdem de vista a necessidade de manter o toque humano, de proporcionar uma experiência que faça o cliente sentir-se valorizado. Esse é o dilema moderno: como equilibrar conveniência e personalização sem parecer que tudo é uma transação fria e impessoal?
Acontece que a palavra “personalização” tem sido jogada de um lado para o outro, a ponto de perder parte do seu significado real. Para muitos, é sinônimo de simples adaptações: “Ah, ele gosta de tênis esportivos, então vamos inundá-lo com ofertas de tênis”. Mas será que isso é realmente o que o consumidor quer? Será que o cliente se sente compreendido, ou apenas pressionado a consumir mais?
A personalização que estamos discutindo aqui vai além. Imagine um cenário onde uma marca entende não só o que você comprou, mas por que comprou. Ela sabe, por exemplo, que você adquiriu um tênis novo porque está voltando a correr após uma lesão. E, em vez de simplesmente mandar mais ofertas de calçados, ela te envia dicas sobre cuidados com o corpo, recomenda aplicativos para monitorar seu desempenho ou até mesmo te sugere um programa de reabilitação. É uma abordagem que ultrapassa a transação e começa a construir um relacionamento baseado em valor, no que realmente importa para você.
Isso só é possível graças à combinação de dados, inteligência artificial e um toque humano bem dosado. Ferramentas tecnológicas podem vasculhar dados, identificar padrões e criar perfis detalhados sobre os clientes, ajudando as marcas a entenderem melhor suas necessidades. Mas atenção: a tecnologia, por si só, não substitui o cuidado e a empatia. Personalização de verdade é mais do que uma fórmula matemática — ela exige sensibilidade.
Segundo os entrevistados do estudo Customer Insights 2024, realizado pela Zenvia, em parceria com CS Academy e MindMiners, 39% das empresas realizam um nível mediano na personalização do atendimento ao cliente, já 33% executam apenas um nível mínimo, enquanto 15% não possuem nenhuma experiência personalizada.
Segundo o estudo, a personalização é um dos principais meios utilizados por empresas para evoluir a experiência do cliente, algumas delas utilizam até mesmo inteligência artificial (AI) para se adaptar aos gostos de clientes e tornar a utilização mais satisfatória.
Personalização ou invasão de privacidade?
Agora, é impossível falar de personalização sem tocar em um ponto sensível: privacidade. Com tantas informações disponíveis, como garantir que as marcas usem esses dados de maneira ética? Os consumidores de hoje estão muito mais conscientes sobre como suas informações pessoais são coletadas e utilizadas, e qualquer desvio nessa confiança pode ser fatal para a reputação de uma empresa.
Você, como consumidor, provavelmente já se sentiu invadido ao ver um anúncio incrivelmente específico aparecer logo após pesquisar algo na internet. Ou pior, ao receber uma ligação de telemarketing sabendo que a empresa tem dados que você nunca forneceu diretamente. A linha entre personalização e invasão de privacidade é tênue, e cruzá-la pode ser desastroso. Por isso, o futuro da personalização exige um compromisso firme com a transparência e o respeito pela privacidade do consumidor. A confiança, afinal, é a base de qualquer relacionamento — e, sem ela, nenhuma estratégia de personalização será suficiente para reparar os danos.
Atendimento ou relacionamento?
O que está em jogo aqui não é apenas melhorar o atendimento ao cliente. Estamos falando de algo maior: a criação de relacionamentos. E como sabemos, eles são construídos sobre a confiança e o cuidado. Não adianta tentar resgatar um cliente apenas quando ele já está insatisfeito. O segredo é manter o vínculo forte desde o início, cultivando interações que façam sentido e que, ao mesmo tempo, respeitem o espaço do cliente.
Imagine receber uma mensagem da sua marca favorita que não esteja apenas tentando te vender algo, mas que realmente agrega valor ao seu dia a dia. Pode ser uma sugestão útil, uma palavra de encorajamento ou até mesmo um lembrete que te ajude a evitar um problema futuro. Essa é a personalização em sua forma mais pura: entregar relevância no momento certo, sem parecer invasivo.
Reconquistar a confiança do consumidor não é uma tarefa simples, mas é possível. Isso exige mais do que tecnologia de ponta; exige uma mudança de mentalidade. As empresas precisam entender que personalização não é apenas uma tendência passageira, mas uma necessidade fundamental para criar relações duradouras e nesse processo, a confiança se tornará o verdadeiro diferencial competitivo.
Aqueles que entenderem isso e souberem equilibrar personalização com privacidade, automação com empatia, conveniência com cuidado, sairão na frente. Não se trata mais de quem oferece o melhor produto, mas de quem consegue criar o melhor relacionamento — aquele que faz o cliente se sentir visto, ouvido e valorizado. Afinal, a confiança não é algo que se compra, é algo que se conquista, um dia de cada vez, uma interação por vez.
Eric Garmes é CEO da Paschoalotto.