Spencer Gracias, diretor geral da Kyndryl Brasil

Como a transformação digital está redefinindo o varejo brasileiro

Os líderes com uma visão estratégica reconhecem que o digital desempenha um papel central e essencial na sustentação dos negócios atualmente

Autor: Spencer Gracias

Depois de anos no setor de tecnologia, vejo uma transformação inédita no varejo, nas escolhas dos consumidores e nas inovações tecnológicas. Até 2026, espera-se que os investimentos globais dos varejistas em ferramentas de transformação digital atinjam US$ 388 bilhões, crescendo 18% ao ano. O setor global de varejo está diante de uma oportunidade que pode não durar muito.

Não se trata mais apenas de vender produtos, o varejo moderno gira em torno da criação de experiências memoráveis, e os dados confirmam essa minha impressão. Em pesquisa recente, foi apontado que 71% dos clientes esperam interações personalizadas e 76% ficam frustrados com experiências que não têm um toque pessoal.

Mesmo assim, alguns executivos ainda consideram a tecnologia como um setor separado. Diante disso, muitas empresas, antes sólidas, agora têm dificuldade para se manter relevantes porque ainda têm dificuldades para se inserir numa mentalidade do século 21, em que o mundo já opera sob novas lógicas. Já os líderes com uma visão estratégica reconhecem que o digital desempenha um papel central e essencial na sustentação dos negócios atualmente.

O Brasil possui características naturais consideradas vantagens competitivas. O mercado interno é robusto e há uma tradicional lealdade do consumidor, fatores que historicamente servem de proteção para diversos setores. Porém, especialistas indicam que essa situação tende a se modificar em breve.

Consumidores brasileiros agora buscam experiências digitais de padrão global. Eles querem o que veem em Nova Iorque ou em Tóquio, enquanto muitas empresas locais mantêm suas práticas regionais. Esse atraso pode trazer sérios riscos competitivos.

A IA não é mais opcional

Quando falamos de inteligência artificial no varejo, não estamos discutindo robôs futuristas. Estamos falando de algoritmos que já definem o que seus clientes veem quando abrem um aplicativo, sistemas que preveem demanda com precisão cirúrgica e chatbots que resolvem problemas com mais agilidade.

Neste contexto, uma das interpretações mais equivocadas que ainda persiste é a ideia de que digitalizar significa abandonar as lojas físicas. Essa visão binária não só ignora a complexidade do comportamento do consumidor, como também desperdiça oportunidades valiosas de integração entre canais físicos e digitais. Segundo o Gartner, os varejistas seguirão ampliando seus investimentos em tecnologias e serviços de IA com foco em aprimorar a interação com os clientes, seja no ambiente físico ou digital.

O futuro não é digital ou físico – ele é phygital. Os consumidores desejam o melhor dos dois mundos: pesquisam online e experimentam na loja, compram pelo celular e retiram no ponto físico. Ainda, sempre esperam atendimento personalizado em qualquer canal. É essa orquestra que define os líderes do mercado.

Cibersegurança: o calcanhar de Aquiles invisível

Se existe um aspecto que me preocupa, ao conversar com executivos do setor, é a subestimação dos riscos cibernéticos. No Brasil, 95% dos líderes estão confiantes com sua TI, mas apenas 39% dizem estar prontos para o futuro, segundo o Readiness Report, da Kyndryl.

Um ataque cibernético bem-sucedido pode devastar décadas de construção de marca em questão de horas. Não se trata apenas de perdas financeiras imediatas, mas da erosão da confiança do consumidor, que é o ativo mais valioso de qualquer varejista. Por isso, a segurança digital precisa ser encarada com a mesma urgência e rigor da segurança física.

A gestão de dados de clientes é um pilar estratégico para o varejo moderno, mas também representa vulnerabilidade. Em um cenário onde cibercriminosos contam com mais pontos de ataque, tanto digitais quanto físicos, qualquer falha na proteção pode expor informações sensíveis a acessos não autorizados.

Para evitar prejuízos financeiros, interrupções operacionais, fraudes e danos irreparáveis à reputação da marca, os varejistas devem adotar, desde o início, uma estratégia robusta de segurança cibernética. Proteger os dados não é apenas uma exigência técnica, mas também uma questão de confiança com o consumidor.

Fica claro que, à medida que entramos neste cenário de constante transformação, os clientes não querem voltar ao varejo de antes. É fundamental construir cadeias de suprimentos mais ágeis para acompanhar as expectativas destes consumidores. Para se ter uma ideia, 84% dos consumidores acham que as compras online nunca substituirão totalmente as experiências de compras presenciais.

Por isso, empresas que promovem mudanças incrementais de forma constante acabam superando aquelas que passam anos planejando grandes transformações sem sair do papel. Minha recomendação é começar hoje, mesmo que em pequena escala: teste, aprenda, ajuste e, então, escale.

E o Brasil tem potencial para liderar essa revolução no varejo. Para isso, é preciso olhar além das tendências, investindo em inovação que seja relevante para a realidade local, mas sem perder a ambição de alcançar padrões internacionais. O varejo brasileiro só avançará se unir tecnologia, resiliência e conhecimento dos hábitos dos seus clientes, transformando cada contato em oportunidade de fidelização. Adotar uma postura de evolução constante é o caminho para garantir competitividade em um mercado onde a experiência é o maior diferencial.

A transformação digital no varejo vai muito além de um projeto de TI, trata-se de uma reimaginação profunda e completa do negócio. Ela exige uma liderança corajosa, disposta a desafiar processos estabelecidos e a investir em competências ainda em desenvolvimento. Como líderes, nossa missão não é apenas adaptar nossas empresas às mudanças do futuro, mas também ser protagonistas na construção desse novo cenário.

Mesmo diante da volatilidade econômica que desafia o varejo, uma verdade continua inegável: conquistar e manter a fidelidade do cliente nunca foi tão essencial. Cabe a nós decidirmos ser protagonistas da transformação ou meros espectadores das mudanças que virão.

Spencer Gracias é diretor geral da Kyndryl Brasil.

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