A inteligência artificial não veio para automatizar o ato de cobrar, mas para devolver sentido ao relacionamento com quem deve
Autor: Eric Garmes
A inadimplência no Brasil deixou de ser um problema conjuntural para se tornar uma questão estrutural. São mais de 77 milhões de brasileiros com contas em atraso, segundo o Mapa da Inadimplência da Serasa (2025). Por trás desse número, há uma combinação de fatores: perda de renda, crédito caro, e sobretudo, a dificuldade das empresas em prever e não apenas reagir, ao comportamento do consumidor. É nesse ponto que a inteligência artificial (IA) vem transformando o modo como o risco é identificado, prevenido e gerido no país.
O crédito e a cobrança sempre foram negócios de informação, mas hoje o diferencial não está em quanto se sabe, e sim em como se interpreta. A IA permite analisar sinais que o olhar humano não capta com facilidade: microvariações no comportamento de pagamento, interações de atendimento, mudanças sutis no padrão de consumo. Em vez de uma régua única de cobrança, o uso de modelos preditivos possibilita estratégias individualizadas, definindo o melhor canal, o tom da mensagem e até o momento certo para a abordagem.
McKinsey afirma que empresas “viram redução de 20 % a 40 % nas taxas de perdas de crédito ao usar modelos capazes de determinar com mais precisão a probabilidade de default. A explicação é simples: quando a decisão passa a ser orientada por dados dinâmicos, a régua de relacionamento se torna viva, adaptável e humana.
No pré-atraso, a IA identifica perfis de risco emergentes antes mesmo da inadimplência se consolidar; no pós-atraso, recomenda estratégias de renegociação com maior probabilidade de sucesso. Esse duplo movimento, prevenção e recuperação, é o que diferencia empresas que apenas cobram daquelas que reconectam clientes.
Da estatística à personalização inteligente
Um exemplo prático dessa transformação vem da ZooxSmart Data, que utiliza IA e dados de Wi-Fi inteligente para entender o comportamento físico e digital dos consumidores. A empresa coleta sinais contextuais, frequência de visitas, horários de maior engajamento, propensão a retorno, que, quando integrados à régua de crédito, permitem prever não só quem pode atrasar, mas também qual abordagem tem mais chance de funcionar. Essa visão comportamental ampliada ajuda instituições financeiras, varejistas e empresas de serviços a criar jornadas de cobrança mais empáticas e eficazes.
Ao combinar informações consentidas com algoritmos preditivos, companhias passam a enxergar o cliente como um todo, não apenas como um número em atraso. E quando a abordagem é mais contextual, o resultado é mais humano, menos desgaste, mais recuperação, mais confiança.
A IA, portanto, não veio para automatizar o ato de cobrar, mas para devolver sentido ao relacionamento com quem deve. Ao revelar padrões invisíveis e antecipar riscos, ela permite que as empresas atuem com precisão e empatia. Em um país onde o crédito é vital e o endividamento uma realidade, a capacidade de usar dados de forma inteligente é mais que uma vantagem competitiva, é um ato de responsabilidade social.
Eric Garmes é CEO da Paschoalotto.