Dados, jornadas e inteligência artificial para reinventar o varejo
Autor: Renato Vechiatto
Por décadas, o trade marketing operou como uma ponte entre indústria e varejo, responsável por garantir visibilidade de marca, fluidez no abastecimento e giro saudável nas gôndolas. Um modelo que nasceu para servir a uma lógica muito clara: fazer o produto chegar à prateleira certa, no tempo certo, com a melhor exposição possível para conquistar o consumidor final.
Para isso, se organizou com base em três alicerces principais: as estratégias de sell-in (entrada de produtos nos canais), sell-out (venda ao consumidor final) e sell-thru (giro e reposição no PDV). O trabalho era, em grande parte, focado na execução tática: planogramas bem desenhados, promotores bem treinados, ações de visibilidade, degustações e campanhas promocionais. Um ciclo com começo, meio e fim — ou ao menos, assim parecia.
Mas o varejo mudou. E o consumidor também.
Um novo trade marketing: dois pilares centrais
Se o trade tradicional se organizava em função do abastecimento e da exposição, o novo trade se estrutura em torno da experiência e da relevância. O que antes era tarefa de operação, agora precisa ser um exercício de inteligência.
Essa virada exige uma nova base. E ela pode ser construída sobre dois pilares estratégicos:
Orientação a dados (de verdade)
Falar em “data-driven” virou jargão. Mas ser, de fato, orientado a dados significa muito mais do que ter acesso a relatórios de sell-out ou painéis de sell-thru. Significa transformar informação bruta em insights acionáveis, com velocidade e profundidade.
É sobre antecipar rupturas antes que virem problemas. Prever picos de demanda com base em clima, calendário, hábitos de consumo e comportamento digital. Conectar o que o consumidor busca online ao que ele encontra na loja.
Nesse novo modelo, o trade precisa deixar de ser apenas executor para se tornar estrategista. E dados são sua nova matéria-prima.
Omnichannel não é tendência. É estrutura
A separação entre físico e digital é artificial e cada vez mais obsoleta. Não existe mais “varejo digital” ou “varejo físico”. O que existe é o varejo real: um ecossistema onde canais coexistem e precisam ser orquestrados.
Hoje, clientes omnichannel compram 1,7 vezes mais que os de canal único. E o modelo de click & collect — no qual o consumidor compra online e retira na loja — movimentará mais de US$ 110 bilhões globalmente em 2025. Além disso, 44% dos consumidores compram itens adicionais ao retirar seus pedidos presencialmente.
O trade marketing precisa estar preparado para essa convergência, dominando a lógica de canal, mas também os dados de navegação, comportamento e decisão.
Soluções de varejo inteligente como parte do amanhã
As soluções de varejo inteligente já deixaram de ser tendência: estão se tornando infraestrutura básica para decisões mais rápidas e assertivas no ponto de venda. Mapas de calor, câmeras com inteligência embarcada, sensores de gôndola e reconhecimento de padrões de tráfego ajudam a entender o comportamento real do consumidor dentro da loja.
E se o novo trade marketing precisa ser mais inteligente, personalizado e ágil, nada mais natural que a inteligência artificial ocupe um papel central nessa transformação.
A IA não é uma ameaça, mas uma alavanca. Com a ajuda da IA, torna-se possível:
▪ Antecipar demanda com base em análises preditivas;
▪ Customizar campanhas por perfil e localização do shopper;
▪ Ajustar sortimentos e preços em tempo real conforme o giro;
▪ Integrar canais de forma inteligente, entendendo quando o cliente vai buscar no app e quando ele quer ser impactado na gôndola.
Estudo da IBM aponta que 3 em cada 5 consumidores querem contar com assistentes inteligentes durante sua jornada de compra. E 86% esperam experiências personalizadas com base em histórico, perfil e contexto.
A AI entrega escala, mas também sensibilidade. Ela entende padrões e os adapta. E esse equilíbrio entre previsibilidade e personalização é o que diferencia empresas comuns de grandes negócios.
O trade marketing vai acabar?
O trade marketing não está em risco de extinção. Está diante de um ponto de inflexão.
A pergunta, portanto, nunca foi se ele vai acabar.
A pergunta é: quem está pronto para reescrevê-lo?
E quem ainda está preso ao capítulo anterior?
Porque quem não romper com o óbvio agora, vai passar a próxima década tentando recuperar a relevância que deixou escapar. E no trade marketing do futuro, relevância não se improvisa. Se constrói. Com dados, estratégia e inteligência.
Renato Vechiatto é diretor executivo na Smollan Brasil.