Crescem os dados promissores, mas também os casos que mostram quão invasiva e desconectada uma personalização mal executada pode ser
Autor: Rafael Gomes
Estamos vivendo a era da promessa da hiperpersonalização. Bombardeados por infinitas oportunidades e novas tecnologias, os negócios clamam pela individualização da experiência do consumidor. A inteligência artificial cresce como uma ferramenta poderosa, capaz de antecipar desejos e entregar exatamente o que cada cliente precisa, no momento certo. Contudo, em meio a esse fervor tecnológico, é preciso levantar um questionamento essencial: onde residem os limites dessa personalização? E como podemos aproveitar seus benefícios de forma estratégica, sem cair nas armadilhas de uma implementação desmedida?
Os números parecem promissores: uma pesquisa da Salesforce revela que 88% dos profissionais veem a IA transformando o engajamento com clientes. Além disso, a McKinsey estima que a personalização eficaz pode impulsionar um aumento de 5% a 15% nas receitas. Esses dados reforçam o forte incentivo para a adoção estratégica de IA na criação de experiências personalizadas.
No entanto, o movimento do mercado e a busca incessante por iniciativas assim podem nos levar a uma zona de risco. Em paralelo aos dados promissores, crescem também os casos que mostram quão invasiva e desconectada uma personalização mal executada pode ser. Quando os consumidores sentem que dados que consideram privados ou que informações que não compartilharam conscientemente estão sendo utilizadas, pode haver uma sensação de desconforto e invasão.
Essa falha, assim como 85% de todos os modelos/projetos de IA falham devido à má qualidade dos dados ou à falta de dados relevantes, resultando em recomendações fora de contexto ou em aumento significativo no atrito nos pontos de contato com clientes, expõe os perigos de uma abordagem puramente tecnológica, desvinculada da compreensão do público-alvo, do modelo de negócio e da estratégia perseguida.
O impacto gerado na operação também pode ser significativo. A falta de dados organizados pode levar a erros importantes, como campanhas erroneamente direcionadas ou a promessa de produtos altamente personalizados sem o devido preparo nas áreas de atendimento e/ou produção, elevando a taxa de rejeição e o custo operacional diretamente atrelado. Além disso, processos manuais para tentar suprir as deficiências de uma estratégia de personalização falha consomem um tempo valioso das equipes, comprometendo a escalabilidade.
Os riscos éticos e de privacidade permanecem como preocupações significativas para os consumidores. De acordo com uma pesquisa da Kinetic (Windstream), que se refere a dados de 2024, 80% dos entrevistados expressaram preocupação com a forma como seus dados pessoais são utilizados. Essa elevada inquietação demonstra que invadir a privacidade dos consumidores em nome da personalização pode facilmente gerar desconfiança e causar danos consideráveis à reputação da marca. Os exemplos e dados reforçam que a tecnologia, por si só, não garante o sucesso e reforçam a necessidade de uma abordagem cautelosa e transparente no tratamento de informações pessoais, priorizando a ética e o respeito à privacidade para evitar consequências negativas para o negócio.
É crucial ressaltar que iniciativas de personalização desalinhadas com o modelo de negócio podem gerar um impacto negativo significativo. Considere uma operação que, em sua estratégia atual, prioriza a experiência, a qualidade do atendimento e a fidelização baseada no relacionamento. Para esse contexto, sem um alinhamento estratégico eficaz, um foco excessivo em personalização e automatização pode ser contraproducente e potencialmente tornar-se uma alavanca para derrubar os indicadores do negócio. Essa desconexão entre a estratégia e a implementação de iniciativas pode levar à perda de clientes, à desmotivação da equipe e, consequentemente, à queda na fidelização.
A chave para aproveitar os benefícios da personalização reside em uma abordagem estratégica e ponderada. Antes de implementar qualquer iniciativa, é fundamental validá-la contra o modelo de negócio, a estratégia geral e o público-alvo. Quais os benefícios tangíveis esperados? Quais os potenciais efeitos colaterais, como custos adicionais ou a possível redução da qualidade do produto ou do atendimento?
A solução reside em uma abordagem holística que transcende a mera implementação tecnológica. É necessário um esforço integrado que envolva design, engenharia e inteligência artificial. A identificação de oportunidades de personalização deve emergir do alinhamento dessas áreas, garantindo que a tecnologia sirva a uma estratégia bem definida e que a experiência do cliente seja enriquecida, e não prejudicada. Isso pode ser alcançado através de equipes internas multidisciplinares ou por meio de parcerias estratégicas que tragam diferentes expertises para a mesa.
Rafael Gomes é consultor de varejo para a América Latina na Thoughtworks.