Meu amigo Carletto costumava abrir toda palestra que fazia com a história do pequeno armazém do avô e a caderneta de compras na qual o velho comerciante anotava tudo o que a freguesia comprava, como comprava, quando comprava – conhecimento que utilizava para vender mais e melhor. O database marketing, dizia a transparência seguinte, era a evolução direta natural daquela caderneta.
Nessa mesma linha de raciocínio, o marketing de relacionamento bem que poderia ser a evolução direta e natural da pracinha em frente ao armazém do avô do Carletto. Era lá que as notícias circulavam e aonde tinha de ir qualquer indivíduo que buscasse receber informação relevante (“o que está rolando?”) ou que desejava fornecer comunicação altamente dirigida (“você precisa saber disso!”). A pracinha formava uma organizada e eficiente rede de relacionamentos sociais, apesar da aparência caótica e multidirecional. Uma proto-Orkut com seus grupos de “comadres”, metendo-se nas vidas dos outros, e de fanáticos por futebol, em intermináveis discussões sobre a última partida dos respectivos times. Mas, também, de adolescentes etc. Aquela era, em síntese, uma proto-LinkedIn, sempre com alguém sendo indicado para trabalhar na firma do cunhado de outro, e assim por diante.
Mas, afinal, o marketing de relacionamento bem que poderia ser ou é a evolução da pracinha? Na minha humilde opinião, só agora está começando a pensar em evoluir nessa direção. As estratégias desenvolvidas até aqui, ainda são unilaterais, embora estimulem o diálogo e, assim, do ponto de vista da comunicação, representem um avanço em relação ao monólogo característico da publicidade.
Os programas de fidelidade dos quais eu faço parte, por exemplo, comunicam-se comigo, em geral, de forma regular, enviando-me mensagens mais ou menos pertinentes, mais ou menos relevantes, dependendo da qualidade da análise que façam dos dados que reuniram sobre mim e das transações que continuo fazendo com a empresa. Na direção inversa, posso me comunicar via telefone, e-mail ou websites. Mas apenas com a administração desses programas, jamais com outros participantes.
E o pulo do gato pode estar exatamente na possibilidade de interagirmos com as outras pessoas que também consomem os produtos ou serviços das empresas donas dos programas. Se temos esse consumo em comum, é possível que compartilhemos outras coisas. E a sensação de compartilhamento gera uma facilidade de interação. É como funciona com os amigos. Veja o que acontece com os e-mails que recebemos. Em geral, gostamos deles quando conhecemos, e, mais ainda, quando gostamos de quem o enviou. O e-mail de um amigo nunca é um spam, por mais bobo que seja. Ao contrário, se o remetente do e-mail é um desconhecido, há a tendência de o rotularmos como spam.
Essa é uma das grandes forças de um programa de fidelidade: as mensagens que você recebe dele nunca são descartadas de cara, como spam, pois você mesmo lhes deu permissão para abordá-lo. Aos poucos, porém, começam a fazer parte da paisagem, e perdem parte daquela força. Simplesmente porque você não se sente amigo de um programa. Seus amigos são outros seres humanos.
A saída? Algumas estratégias já vão além da “unidirecionalidade” dos programas clássicos. Eles pisam no rico terreno da comunicação multidirecional e enfrentam os desafios da aleatoriedade, a fim de garantir um relacionamento mais profundo e mais permanente com os públicos-alvo.
Continua no próximo artigo.
Fernando Guimarães ([email protected]