Uma estratégia com duas faces



Tenho trazido à discussão nos últimos meses a importância da “Promessa de Valor” das empresas e a capacidade que têm de levá-la a efeito no dia-a-dia. Todos nós já estejamos acostumados com o fato de que mensagens publicitárias são jogadas na mídia afirmando e prometendo isto e aquilo. Também já nos conformamos que, em boa parte, estas promessas não são cumpridas ou, pior, são contraditas na realidade operacional. Você tem o “banco perfeito”, o que “faz mais”, um “que nem parece que é”  e o que faz “mais que o possível, nada de basicão”. A campanha de marketing vende intensivamente benefícios. A operacionalização do conceito, quando chega à prática, nem sempre cumpre a promessa, pela própria estrutura destas organizações. O cliente, na ponta, que o diga.


 

Nos últimos dois meses vivenciei dois exemplos de como estes discursos podem ser tratados de forma bastante distinta.  Na última edição mencionei um Banco do qual sou cliente há nove anos onde tive problemas causados por uma “migração” já que foi adquirido por outro. Neste meio tempo tive meu carro com problemas no motor por conta de um alagamento, e acabou guinchado para uma concessionária.

 

Os transtornos do Banco culminaram semanas depois com uma carta informando que meu “cheque especial” havia sido cancelado em função da “perda de minhas condições de crédito”. “Mas isso poderá ser reconsiderado”, tão logo “estas condições sejam restabelecidas”. Era um engano. Mais um de uma série deles que o ouvidor do Banco tem tentado sanar em nome da “Promessa de Valor do Banco” procurando, no meu ponto de vista, “heroicamente” honrar a mensagem da instituição.

 

Enquanto isto, na concessionária, depois dos trâmites nem sempre rápidos do seguro, meu carro aguardava as peças. Sempre isso. As peças. “Senhor, pedimos que entenda que houve muitos casos de alagamento e tem vários carros como o seu aqui”, informou o representante de serviços.  Depois de algumas semanas, coincidentemente quando recebi a carta do Banco, me ligaram da concessionária informando que meu carro continuava aguardando a peça. Mas, pergunto, como um cliente pode ser satisfeito se, justamente quando precisa, ocorre o mais comum dos eventos: “Estamos aguardando a montadora nos enviar a peça. Pedimos sua compreensão”.

 

Todos nos pedem paciência e tolerância. “Tenho certeza que o Banco irá buscar a reconquista de sua confiança. Peço que considere que Banco não é uma empresa perfeita, não é infalível…”, diz o ouvidor. Entendo. Ninguém é! Mas a propaganda diz que é. Mesmo considerando as questões da retórica da publicidade ou até que os conceitos de perfeição variam de indivíduo para indivíduo, já está na hora dos profissionais de marketing se preocuparem com a consistência das mensagens e a capacidade de garantir esta mensagem na entrega do produto ou serviço. “Foi só um engano”,  informou-me o diretor regional por telefone quando tentou explicar a questão da carta. “O senhor estará recebendo uma carta com a nossa retratação”, acrescentou o executivo. Acho que por uma questão de igualdade no relacionamento – quando nos pedem desculpas para justificar o erro – deviam agir com a mesma medida se o cliente emitir um cheque sem fundos, por engano. O cliente paga o juro e quem paga pelo transtorno que o cliente passou?

 

Já o meu carro, após uma estadia de seis semanas na concessionária aguardando a tal da peça, continua sem data de entrega. Liguei para a central da montadora. Como sempre a montadora, que é a responsável pelo fato, segundo a concessionária, me informa que em três dias úteis irá me dar uma solução. Depois de três dias recebo a informação de que, segundo a concessionária, o carro vai ficar pronto assim que a peça chegar de Santos, por ser importada. E se o cliente se irritar, o agente vai dizer que ele é mal- educado. Enfim, depois de uma série de discussões, a gerente de serviços da concessionária me ligou e informou que eles iriam mandar alguém buscar a peça no porto e que na sexta-feira seguinte o carro estaria pronto. Informaram ainda que para cobrir as despesas e minimizar os transtornos, a franquia do seguro não precisaria ser paga. Promessa cumprida e carro entregue e sem custo algum.

 

Notam-se claramente diferenças na atitude embora a situação em si seja confusa e maltratada em ambos os casos. No caso do Banco, meu acesso à ouvidoria foi através de um amigo em comum e por isto talvez tenha tido a oportunidade de um tratamento diferenciado. Pelas vias normais, talvez estivesse aos cuidados do call center até hoje, sem ter solução. No entanto, embora os assuntos tenham sido quase todos resolvidos, não tenho segurança alguma de que não possam ocorrer novamente ou que outros clientes não passarão ou passaram pelo mesmo problema sem que tenham a solução que eu tive. Acho que o ouvidor também não.

 

No caso da concessionária, embora não sem algum estresse ou transtorno, procurou-se fazer de tudo para que o problema fosse resolvido. Não era o ouvidor, mas a própria operação tratando de resolver o problema. A nota negativa foi a do call center da montadora que não agregou valor algum e ainda contribuiu para irritar.  A concessionária reconheceu que havia um prejuízo e incômodo e cuidou de, pelo menos, minimizar o custo, dispensando a franquia e dando um tratamento diferenciado na recepção.  Não foi perfeita, mas proativamente tratou de honrar os clientes satisfeitos que diz ter. Não posso dizer que não me aborreci, mas também ao final tenho a certeza que ainda continuo satisfeito com o carro e com o serviço, apesar do estremecimento que a situação causou.

 

No fim do dia o Banco errou, se desculpou e não teve prejuízo algum. Mas o diretor regional me enviou um presente. Muito bonito, e que agradeço, claro. Mas foi pessoal. Já a concessionária Daitan, da Honda, errou, se desculpou e absorveu os R$ 700, 00 da franquia, reconhecendo que havia prejuízo e transtorno de fato. Uma estratégia com duas faces.

 

Enio Klein é diretor da K&G e professor dos cursos de MBA/Marketing da FEA/USP. E-mail: [email protected]

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