Empresas que combinam dados com sensibilidade humana estão em vantagem, pois são as que sabem analisar padrões sem se tornarem escravas deles
Autor: Thiago Muniz
Vivemos na era dos dados. Em qualquer mesa de reunião, seja em uma startup emergente ou em uma multinacional consolidada, gráficos coloridos e dashboards interativos dominam a conversa. E isso não é por acaso. A digitalização das vendas e a ascensão da inteligência artificial (IA) escreveram um novo capítulo na maneira como conduzimos os negócios. Automação, precisão, escalabilidade – termos que soam como música para os ouvidos de executivos e investidores. Contudo, no meio dessa euforia tecnológica, uma pergunta crucial continua sendo deixada de lado: até que ponto os dados podem, de fato, substituir o olhar humano?
O avanço da IA trouxe benefícios para as empresas, como automação, análise preditiva e personalização em escala. Segundo a Gartner, 65% das organizações B2B devem basear suas decisões em dados até 2026. Porém, ao delegar interações a algoritmos, muitas perdem o principal diferencial: a conexão emocional. As decisões de compra são, em grande parte, emocionais. Clientes que se sentem ouvidos e valorizados tendem a confiar, retornar e indicar. Assim, a digitalização por si só não garante sucesso; quando distancia marcas das pessoas, vira uma armadilha.
Empresas visionárias já entenderam que a resposta não está em escolher entre automação ou toque humano, e sim em integrar os dois de maneira inteligente. A melhor abordagem é fazer perguntas que revelem tanto os desafios profissionais quanto suas experiências individuais. São nesses pontos de interseção que surgem conversas genuínas. Quando o cliente começa a perguntar “como funciona”, é sinal de que ele está emocionalmente engajado. Os dados podem até iniciar a jornada, mas é a empatia que a transforma em venda. Apesar disso, muitos gestores estão viciados em métricas e terceirizando suas decisões para modelos estatísticos. Mas os dados são, por definição, retrovisores. Eles mostram o que já aconteceu, não o que está por vir. A verdadeira arte da estratégia está justamente em saber quando escutar os números e quando confiar na própria intuição. Criatividade não nasce de padrões. Inovação é filha do risco.
E há provas disso em todos os setores. A Netflix só se tornou gigante porque ousou abandonar o modelo de locação de DVDs antes que os dados dissessem para fazê-lo. O Uber surgiu contrariando todas as estatísticas sobre mobilidade urbana. O iPhone rompeu com a lógica dos teclados físicos quando os números favoreciam os BlackBerrys. O Airbnb foi contra tudo que o mercado hoteleiro acreditava ser inquestionável. Nenhum dado indicava que uma bebida cara, com gosto peculiar e em uma latinha pequena teria sucesso. Mas a Red Bull leu o comportamento das pessoas, não apenas as planilhas. Essas histórias têm um ponto em comum. Todas nasceram de decisões movidas por visão, percepção e coragem. Quem apenas segue dados não antecipa tendências. Os dados não previram o sucesso do ChatGPT, do Claude, do DeepSeek. Se fossem infalíveis, todos os analistas teriam comprado essas ideias antes do mundo inteiro.
O excesso de confiança nos algoritmos está gerando distorções nas empresas. CEOs têm contratado diretores de IA de forma apressada, muitas vezes sem entender como essas decisões se alinham com os objetivos do negócio. Segundo a Gartner, as organizações que veem a inteligência artificial como uma solução mágica correm o risco de se tornar reféns de modelos mal calibrados – e isso é perigoso. Dados, por si só, não possuem contexto nem discernimento. Sem a mediação humana, eles se transformam em lentes que distorcem mais do que revelam.
A saída para esse impasse é simples, embora frequentemente negligenciada: empresas que combinam dados com sensibilidade humana estão em vantagem. São elas que sabem analisar padrões sem se tornarem escravas deles. Valorizam a intuição estratégica como um ativo real e testam antes de escalar. Não apostam milhões em soluções cegas, mas validam com experimentos pequenos e estratégicos. Quando a experiência aponta para outra direção, elas desafiam os números.
Produtividade e assertividade crescem quando há equilíbrio. Pesquisas mostram que esse alinhamento pode aumentar em até 30% a eficiência nas decisões. No entanto, isso exige maturidade. É preciso entender que dashboards servem para informar, não para substituir o pensamento crítico. É necessário ter coragem para afirmar: “Os dados dizem isso, mas minha percepção aponta para algo diferente. Vamos testar antes de decidir”. O problema é que muitos executivos buscam segurança absoluta. Mas a busca excessiva por segurança gera cegueira. Quando se olha apenas para o retrovisor, nenhuma curva inesperada será percebida – e são justamente essas curvas que moldam o futuro.
As empresas mais inteligentes fazem perguntas que os relatórios não respondem. Perguntam o que os clientes não estão dizendo, escutam o silêncio e prestam atenção aos detalhes. Elas não estão obcecadas com o próximo lançamento de IA. Estão focadas em transformar dados em decisões que geram valor, fazem sentido e constroem diferenciais reais. O futuro não pertence a quem tem mais informação, mas a quem sabe o que fazer com ela. Em vez de seguir um GPS que leva sempre aos mesmos destinos, talvez seja hora de usar a bússola interna e navegar em conjunto com a tecnologia. Só assim será possível chegar onde ninguém ainda chegou.
Thiago Muniz é CEO da Receita Previsível.