Muitas vezes vejo que muitos referem-se a Big data como
sendo basicamente um imenso e variado volume de dados em que a empresa mergulha
e do outro lado tira insights fantásticos. A própria datificação da sociedade
gera mais e mais dados. Aliás, a ideia básica por trás do nome Big data é a
percepção que praticamente tudo que fizermos no nosso dia a dia vai gerar uma
pegada digital que poderá ser eventualmente analisada. E, lemos na mídia, que volumes de dados na
escala dos petabytes está por trás das iniciativas de empresas como Walmart,
Amazon, Facebook , Linkedin e outras que
são os benchmarks de Big data. Mas,
a realidade ainda é outra: infelizmente
poucas empresas tem a capacidade e a expertise destas empresas para
desenvolver ações semelhantes.
Mas, aí que está a distorção. Big data não implica
necessariamente em armazenar e analisar volumes imensos. Além disso, começar qualquer
iniciativa de Big data por mergulhar em um oceano de dados, sem perguntas bem
definidas pode gerar um monte de correlacionamentos que simplesmente não farão
nenhum sentido. Por exemplo, que relação existirá quando você descobre que um
aumento no consumo de margarina corresponde a um aumento na taxa de divórcio?
Nada que faça sentido! Uma simples relação espúria. Insights e mais insights
deste tipo vão fazer você se afogar em um oceano de dados…
O aspecto positivo do Big data é que mesmo que a empresa não
tenha dados na escala dos petabytes pode gerar muito valor analisando seus
dados. Desde que entenda que o valor dos dados não está no seu volume em si,
mas nos insights que são gerados a partir de uma clara visão do que é
necessário analisar.
Sim, o primeiro passo é ter uma visão clara, uma estratégia nítida
do que fazer com os dados. Big Data só será uma ferramenta de vantagem
competitiva se você tiver uma estratégia bem definida. Se você tiver as
perguntas, você poderá procurar as respostas analisando os seus dados. Se você
não as tiver, o que vai fazer com as correlações que aparecerão?
Se não sei o que quero, que dados vou analisar? Todos que
existem na empresa? Aqueles que estão armazenados há mais de cinco anos ou
apenas os mais recentes? Será que vale a pena acessar dados externos, oriundos
de mídias sociais? Transformar áudio da Central de Atendimento ao Clientes em texto
e analisá-los? Que benefícios obterei após todo este custoso trabalho? Em
resumo, para que os dados sejam realmente úteis, é essencial saber que dados
serão necessários.
Vamos tornar mais claro a importância de se começar com uma
visão, com uma estratégia bem definida. Suponhamos que uma rede varejista
queira aumentar sua base de clientes. As perguntas que farão sentido
provavelmente serão algo do tipo “Quem são nossos clientes atuais? Qual seu
perfil demográfico e socioeconômico? Porque são nossos clientes? Quantas
pessoas deste perfil são nossos clientes? O que incentivaria os demais para serem nossos clientes?” e
assim por diante. Desta forma fica
delimitado o escopo dos dados que serão necessários.
Com uma estratégia bem definida e as perguntas que serão
úteis, analisa-se se os dados existem e se estão disponíveis. Vamos imaginar
uma situação onde uma rede de lojas quer saber se vale a pena ou não manter
determinadas filais em shopping centers. Pode ser que seja necessário gerar
informações ainda não coletadas, instalando sensores nas vitrines destas lojas
para medir quantas pessoas passam em frente a elas, quantas param para ver as
vitrines, quantas entram e quantas realmente compram algum produto. Cruzando os
dados gerados pelos sensores com os dados do sistema de vendas pode-se concluir
que determinados shopping centers não geram tráfego de clientes suficiente para
justificar a manutenção de uma loja.
Com a estratégia bem definida você pode começar a
identificar por quais áreas da empresa começar as suas iniciativas de Big data.
Que áreas trarão maior retorno, com menor investimento de recursos? Por
exemplo, no relacionamento com clientes, a empresa está realmente atuando no
segmento socioeconômico que pretendia? Os clientes atuais estão satisfeitos com
a empresa, seus produtos, seu pós-venda? Qual a taxa de descontentamento,
medido em alguns setores, como a telefonia móvel, em taxa de desconexão, quando
o cliente vai embora da operadora?
Provavelmente, com o amadurecimento do processo, Big data
& analytics será uma atividade corriqueira. Trabalhar com fatos e insights
data-driven tenderá a ser lugar comum. E à medida que a empresa direcione os
seus processos decisórios para serem mais embasados em dados, muitos mitos e
opiniões, cristalizados pela intuição provavelmente serão demolidos.
Um case bem interessante é do Google, detalhado neste artigo
da Harvard Business Review, “How Google Sold Its Engineers on Management”, acessível em https://hbr.org/2013/12/how-google-sold-its-engineers-on-management.
O artigo mostra que a cultura de RH do Google, uma empresa de engenheiros de
software, não valorizava a função gerencial. Na cultura da empresa, atividades
de supervisão era uma “distração” das atividades que realmente importavam, como
programar e depurar código. Em 2002 chegaram a eliminar a função gerencial, mas
foi uma experiência que durou pouco. Hoje tem níveis de gestão, mas em escala
bem menor que a maiorias das empresas com mesmo numero de funcionários. E,
através do uso de dados, conseguem medir o desempenho dos seus gerentes e
identificar onde e como melhorar este desempenho. Vale a pena ler o artigo,
pois mostra como Big data pode ser aplicado à função de RH de forma inovadora. Eles
saíram da opinião formada desde o inicio da empresa de que os gerentes não seriam
necessários e não impactavam o desempenho dos funcionários, a uma visão clara e
mensurável, que sim, estatisticamente, bons gerentes causam grandes impactos no
desempenho de uma equipe. Conseguiram também, matematicamente, identificar as principais
características do que é ser um bom gerente. Mas, novamente enfatizo, eles chegaram
à esta resposta porque sabiam que perguntas fazer!
O resumo da história é que quando você começa com uma
pergunta clara, você vai identificar quais dados serão necessários para
responde-la. A resposta pode vir de
dados estruturados obtidos dentro da empresa. Ou também, internamente de dados
não estruturados, como gerados por e-mails ou áudios para os centros de
atendimento. Na prática, quase sempre não se começa com dados externos não
estruturados, gerados por mídias sociais…
Agindo de forma consciente, não por modismo, não vamos sair
mergulhando em um oceano de dados, tentando garimpar qualquer coisa, muitas
vezes descobrindo relacionamentos espúrios que não levam a lugar nenhum. O
importante é sair do conceito errôneo de “todos os dados” para apenas ” os
dados relevantes”.