Você está preparado para a Economia do Compartilhar (Shared Economy)?

No dia a dia corporativo nós concentramos toda a atenção no
cenário que conhecemos e que vemos, e passam despercebidas as mudanças sutis
que ameaçam o negócio. Clayton Christensen em seu em seu livro de 1997 “The
Innovator´s Dilemma” já afirmava que muitas empresas fracassam exatamente
porque fazem tudo certo e que mesmo uma gestão brilhante não consegue defender
um negócio estabelecido contra as tecnologias de ruptura. Outro exemplo vem do
livro “O Poder do Pensamento Matemático” de Jordan Ellenberg. Ele conta que na
Segunda Guerra Mundial os americanos tinham criado um Grupo de Pesquisa Estatística
(SRG, em inglês) que uma vez se defrontou com uma questão interessante. Os
militares americanos queriam blindar seus aviões contra os caças inimigos. Mas
a blindagem tornava as aeronaves mais pesadas e aviões mais pesados são mais difíceis
de manobrar e gastam mais combustível. Blindar demais ou de menos seriam
problemas. Qual seria o ponto ideal? Os dados coletados e mostrados ao SRG
mostravam que quando os aviões voltavam de suas missões estavam cobertos de
furos de balas, mas os danos não eram distribuídos uniformemente. Havia muitos
furos na fuselagem e quase nenhum nos motores. Parecia fazer sentido blindar a
fuselagem. Será? A blindagem, segundo Abraham Wald, um matemático do SRG, não
deveria ira aonde os furos de bala estavam, mas aonde não estavam. A sua sacada
foi simplesmente perguntar: onde estavam os furos das balas que faltavam? Eles
estavam nos aviões que não voltaram. A razão dos aviões voltarem com poucos
pontos atingidos nos motores era que os muito atingidos simplesmente não
voltavam. A blindagem deveria, portanto, ser feita nas partes onde não havia
furos.

E quanto ao cenário corporativo? Já estamos visualizando um
movimento de mudanças que pode ser muito impactante, mas que não estamos dando
a devida atenção. É a “shared economy”. Já escrevi sobre o tema no inicio do
ano, mas observo nas conversas com executivos que muito pouca atenção está se
dando a este fenômeno. Até sua definição é problemática, não havendo consenso
sobre o que é realmente.  Mas o fato que
empresas que construíram seus modelos de negócio com base na “shared economy”
estão afetando alguns negócios bem estabelecidos. A AirBnB em agosto de 2014 já
hospedava em média 425.000 hóspedes por noite ou quase 22% a mais que a rede
Hilton Worldwide. O AirBnB está presente em mais de 34.000 cidades com mais de
800.000 locais de hospedagem. Tudo isso sem ter nenhum hotel. O Uber, já opera
em mais de 250 cidades e em fevereiro deste ano tinha valor de 41,2 bilhões de
dólares, mais que o valor de empresas aéreas gigantes como United, American e
Delta, que valem cada uma em torno dos 40 bilhões de dólares.

Este modelo econômico, de compartilhar, aproveitar
equipamentos e horas de pessoas que estão subutilizadas anda de mãos dadas com
a crescente consciência ambiental da sociedade e com a constatação que dificilmente
nos próximos anos o crescimento econômico do mundo será igual ao de antes da
crise de 2008. Uma pesquisa feita nos EUA mostra que 81% das pessoas concordam
que é muito mais barato compartilhar bens que possui-los individualmente. Creio
que este pensamento faz todo sentido por aqui também. Outro fator impulsionador
é a conveniência, possibilitada pelos apps nos smartphones. Com apps intuitivos
você requisita um veiculo ou aluga uma residência. Sem burocracia, sem métodos
criados na sociedade industrial, mas por processos inteiramente conduzidos nos
meios digitais.

A base da economia do compartilhar é a reputação.
Interessante que pesquisas feitas nos EUA e até na Europa mostram que 64% das pessoas
acreditam que a regulação pela própria sociedade (peer regulation) é mais
importante e eficaz que a imposta pelos governos. Aliás, pesquisa da Nielsen
“2012 Global Trust in Advertising Survey” mostrou que 92% dos consumidores em
56 países acreditam mais na opinião e recomendação de amigos e família do que
qualquer outro meio de propaganda. Com a disseminação das plataformas sociais
como Facebook e Twitter a sociedade poderá a passar a ter mais controle sobre
uma marca que a própria marca.

Ok, mas a “shared economy” afeta apenas alguns setores…
Mas, será? Já falamos do setor hoteleiro e do AirBnB que vale mais que grandes e
tradicionais redes como Hyatt. O Uber também é bem conhecido, afetando a
tradicional indústria de táxis. Usar um veículo e não possui-lo pode passar a
ser um novo conceito de vida. Algumas empresas automotivas já começam a
despertar para este sinal e lançam projetos exploratórios. Um exemplo é o
DriveNow da BMW, que oferece serviço de mobilidade de carros “premium” para
quem não pode comprar um e nem pretende usa-los muito tempo. Vejam este artigo
que saiu em dezembro de 2014 no jornal inglês The Telegraph “´We´ll make
driving so cheap only the rich will buy cars´”, em http://www.telegraph.co.uk/finance/newsbysector/transport/11276872/Well-make-driving-so-cheap-only-the-rich-will-buy-cars.html.
A ideia por trás é que as pessoas querem a mobilidade oferecida pelo carro, mas
sem necessidade de comprar um.

E que tal pensar no comércio de produtos e serviços? Nos EUA
o Yerdle usa o conceito das pessoas trocarem suas coisas por créditos que podem
ser usados para comprar coisas de outras pessoas. O Poshmark, brechó digital,
onde cada um pode ser comprador e vendedor de brechó. Aparentemente não é risco
para comércio tradicional. Outro exemplo são os serviços como os do Handy (nos
EUA) que oferecem de faxina a montagem de móveis de maneira fácil e
conveniente, por um app. As seguradoras oferecem serviços similares a seus
segurados, mas todos nós sabemos que há um preço no prêmio para isso. Porque
pagar mensalmente para ter um serviço que nem sempre será usado se poso pagar
apenas quando usar, ou seja, tê-lo e pagá-lo on-demand? É o conceito da
computação em nuvem, o Pay as You Go.

Então, que tal pensarmos em reexaminarmos nosso negócio e
vermos se estas ou outras alternativas podem ser consideradas mais conscientes
e baratas que a que oferecemos hoje? A “shared economy” pode afetar espaços
pouco usados como academias, escolas e restaurantes, pode usar tempo ocioso das
pessoas (cada vez menos teremos empregos formais no futuro) e aproveitar melhor
equipamentos que ficam ociosos a maior parte do tempo, como automóveis,
máquinas de lavar, furadeiras, etc.

A disrupção é inevitável. Talvez a “shared economy” não venha
a afetar diretamente todos os negócios, mas tocará na maioria deles de alguma
forma. Os clientes de empresas deste modelo exigirão das demais empresas
experiências similares em termos de conveniência e processos digitais. É
necessário, portanto, que as empresas devem se posicionar diante destas
rupturas e a área de TI tem grande responsabilidade, pois nitidamente, este
modelo só é possível pelo amplo uso da tecnologia, como mobilidade, big data, social,
cloud, 3D printing, machine learning e Internet das Coisas. Em cenários cada
vez mais instáveis, como as que visualizamos pela exponencialização da evolução
tecnológica, temos que pensar de forma diferente nas nossas estratégias de
negócio. Quanto mais compreendermos os novos e desafiadores cenários, mais
condições teremos para nos redirecionarmos. Novos caminhos, novos mapas.

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