As mudanças causarão grandes impactos operacionais e financeiros aos fornecedores e os custos possivelmente serão repassados aos clientes
Autoras: Gabriella Salvio, Marcela Joelsons e Nathália Sombrio
O Decreto nº 11.034/2022 que regulamenta o Código de Defesa do Consumidor para estabelecer novas diretrizes e normas sobre o Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) continuará impactando as relações de consumo no país envolvendo os fornecedores dos serviços regulados pelo Poder Executivo Federal. As novas regras começam a valer em outubro de 2022, e foram trazidas para modernizar o Decreto nº 6.523/2008, frente às inovações tecnológicas, à mudança de perfil do consumidor e às melhores práticas nacionais e internacionais. Além disso, visa melhorar os índices de insatisfação dos consumidores, que cresceram significativamente nos últimos anos, conforme dados da plataforma consumidor.gov.br.
Contudo, algumas das alterações trazidas no novo decreto nos convidam a pensar nos impactos que as adequações necessárias trarão às empresas e, principalmente, se resultarão em efetivos benefícios aos consumidores. Dentre as principais novidades verificadas, está o direito do consumidor de ter acesso ao SAC por qualquer dos canais integrados dos fornecedores, conforme disposto no art. 2º, sem que tenha sido eliminada a obrigatoriedade do atendimento telefônico. Isso significa que o prestador de serviço deverá estar capacitado a atender o consumidor em qualquer de seus canais de atendimento. Assim, depreende-se que o consumidor que inicia seu contato pelo site do prestador do serviço, poderá continuar o contato por meio telefônico ou via WhatsApp, se disponível, por exemplo. Essa intercambialidade parece interessante do ponto de vista do consumidor, porém, não é nada simples do ponto de vista sistêmico das empresas, provocando substancial aumento de custos nessa adaptação.
Ademais, as novas disposições asseguram a manutenção da gratuidade do serviço, que deverá estar disponível 24 horas por dia, 7 dias por semana, e garantem aos usuários o acompanhamento de suas demandas nos diversos canais integrados, bem como o acesso, sem ônus, aos seus históricos. Para alguns setores, como o de telecomunicações, o atendimento 24×7 já existia. Mas para boa parte dos setores haverá necessidade de adaptação à nova regra.
Outra novidade, que atinge aos setores de modo mais transversal, é a determinação do novo normativo quanto à obrigação de disponibilização de atendimento humano por um período não inferior a 8 horas diárias, o qual poderá ser majorado por determinação dos órgãos ou das entidades reguladoras competentes para cada setor. Há, inclusive, previsão de tempo máximo de espera para o contato direto com o atendente, quando essa opção for selecionada pelo consumidor. A regulamentação a esse respeito ficará a cargo dos respectivos órgãos reguladores.
Ainda, passa a ser obrigatória a acessibilidade nos canais SAC mantidos para uso da pessoa com deficiência, garantido o acesso pleno para atendimento de suas demandas, tema que ainda depende da regulamentação da Secretaria Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça e Segurança Pública (SENACON). Trata-se de relevante avanço para inclusão social das pessoas com necessidades especiais.
Todas as referidas mudanças certamente causarão grandes impactos operacionais e financeiros aos fornecedores. E esses custos possivelmente serão repassados aos clientes, resultando em potencial aumento dos preços ou, ainda, poderão ser sentidos por meio de eventual diminuição de investimentos em novas frentes de evolução tecnológica e, no limite, em atendimento ao consumidor não tão alinhado à nova realidade tecnológica.
Por fim, outro ponto que merece atenção das empresas diz respeito à ferramenta de acompanhamento da efetividade dos SAC, cujo desenvolvimento de tecnologia e implementação ficou a cargo da Senacon, que ouvirá os órgãos e as entidades reguladoras, os integrantes do Sistema Nacional do Consumidor e os representantes de prestadores de serviços de relacionamento com consumidores. De acordo com os novos preceitos, para fins de análise, deverão ser observados os seguintes parâmetros: quantidade de reclamações referentes ao SAC; taxa de resolução das demandas, sob a ótica do consumidor; índice de reclamações junto aos órgãos de defesa do consumidor ou no órgão ou na entidade reguladora setorial; e o grau de satisfação do consumidor. Ademais, cumprindo com o dever de transparência, haverá a divulgação dos resultados pela Senacon, no mínimo uma vez ao ano.
Apesar dos desafios impostos aos fornecedores, bem como da necessidade de investimentos para levar a cabo as adaptações nos serviços prestados, verifica-se que a atualização da norma preza pela eficiência do SAC. Além disso, a nova configuração de atendimento poderá contribuir para o relacionamento com o fornecedor, evitando assim, que o consumidor, cada vez mais exigente, tenha que recorrer ao poder judiciário quando não encontra respaldo na esfera de contato administrativa.
Gabriella Salvio, Marcela Joelsons e Nathália Sombrio são sócias das áreas de Administrativo, Regulatório, Consumidor e Product Liability do Souto Correa Advogados.